Qual é o prazo prescricional ou decadencial aplicável à rescisão contratual?
16 de outubro de 2020, 15h05
A modernidade, a internet, as redes sociais, a velocidade com que as coisas acontecem atualmente, nos fazem esquecer do tempo. Fazem-nos não perceber o tempo das coisas e o tempo do Direito. Especialmente de 2010 em diante, a legislação brasileira em algumas áreas específicas sofreu profunda transformação, e a dinâmica ou velocidade com que as decisões são tomadas e os contratos firmados exigem do operador do Direito atenção ao tempo do Direito, ou ao tempo do exercício do Direito, qual seja, a eficácia do Direito no tempo.
Diante disso, propomos uma revisitação ao tema da prescrição e da decadência, ou de ambos ao mesmo tempo para que nós, aplicadores do Direito, fiquemos atentos para a melhor assessoria aos nossos constituintes.
Prescrição e decadência são institutos jurídicos que lidam com a eficácia do Direito no tempo. Ambos oneram o titular de um direito a exercê-lo dentro de um determinado prazo, para não perdê-lo. Prescrição e decadência existem para garantir segurança e estabilidade às relações jurídicas, evitando-se o prolongamento excessivo da incerteza sobre a possibilidade pelo titular do direito de exigi-lo.
Tratam-se de institutos similares, mas diferentes: de um lado, a prescrição é consequência da inércia sobre a possibilidade de exigir de outrem alguma prestação; de outro, a decadência é consequência da extinção do direito (potestativo) em virtude do não exercício pelo seu titular, sem que haja um dever correlacionado [1]. Na prescrição, o decurso dos prazos pode ser impedido, interrompido e suspenso a qualquer tempo e por qualquer interessado (artigos de 197 a 204 do CC), enquanto na decadência o decurso do tempo não pode ser impedido, interrompido e nem suspenso (artigo 207 do CC).
O que acontece em caso de rescisão contratual? Aplica-se um prazo decadencial ou prescricional? E de qual duração?
Os prazos decadenciais podem ser determinados pela vontade das partes ou pela lei [2]. Típico exemplo de prazo decadencial é o prazo para pleitear o direito de anular o negócio jurídico por causa de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. O artigo 178 do CC prevê que "é de quatro anos (..) para pleitear-se a anulação do negócio jurídico, contado: I – no caso de coação, do dia em que ela cessar; II – no de erro, dolo, fraude contra credores, estado de perigo ou lesão, do dia em que se realizou o negócio jurídico (ou seja por vício da vontade); III – no de atos de incapazes, do dia em que cessar a incapacidade" [3].
Consequentemente, sempre que for diversamente pactuado contratualmente ou através de constituição em mora (artigos 394 e 397 PU do CC em geral e artigo 398 nas obrigações de ato ilícito), o Código Civil, ao prever a possibilidade de rescindir o contrato por inadimplemento de uma das partes (artigo 475 do CC), não estabelece nenhum prazo decadencial [4]: "A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por perdas e danos". Aplicam-se, portanto, unicamente os prazos prescricionais.
Os prazos prescricionais são regulamentados pelos termos do artigo 189 do CC: "Violando o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os artigos 205 e 206". Vale, portanto, a observação pela qual há como se afirmar que todos os prazos estabelecidos pelo Código Civil são decadenciais, com exceção dos previstos pelos artigos 205 e 206.
O artigo 205 do CC contém a regra geral que fixa o prazo prescricional em dez anos, que deve ser aplicada sempre que não esteja diferentemente estabelecido pela lei e sempre quando houver lacuna normativa. Diversamente, o artigo 206 do CC, derrogando à regra geral, estabelece prazos específicos de um, dois, três, quatro e cinco anos, dependendo da natureza das pretensões tuteladas.
Vale a pena lembrar — enquanto se tratam de dispositivos temporários e transitórios ligados à existência da pandemia da Covid-19 — os artigos 6º e 7º da Lei nº 14.010 de 2020, que, respectivamente, dispõem (let.): "Artigo 6º — As consequências decorrentes da pandemia do coronavírus (Covid-19) nas execuções dos contratos, incluídas as previstas no artigo 393 do Código Civil, não terão efeitos jurídicos retroativos". E: "Artigo 7º — Não se consideram fatos imprevisíveis, para os fins exclusivos dos artigos 317, 478, 479 e 480 do Código Civil, o aumento da inflação, a variação cambial, a desvalorização ou a substituição do padrão monetário". A citação é de jure, considerado que — dessa forma — o ordenamento mostra quanto seja preciso — mais uma vez — garantir a segurança das relações contratuais!
Mas voltando ao tema do prazo prescricional referente à rescisão por inadimplemento, a questão ainda não é assim pacífica e definida.
Desde a adoção do novo Código Civil de 2002, doutrina e jurisprudência debatem se é aplicável o prazo prescricional geral de dez anos (artigo 205 do CC) ou o prazo de três anos (artigo 206, §3° V do CC), conforme a formula "prescreve em três anos a pretensão de reparação civil", que, de fato, parece não distinguir entre responsabilidade extracontratual e contratual.
Antes de qualquer discussão, é importante lembrar o Enunciado 419 adotado na V Jornada de Direito Civil, promovida em 2011 pelo Superior Tribunal de Justiça e pelo Conselho da Justiça Federal, que estabeleceu que "o prazo prescricional de três anos para a pretensão de reparação civil aplica-se tanto à responsabilidade contratual quanto à responsabilidade extracontratual". Em outras palavras, o Enunciado 419 frisou, e ainda frisa, que, não fazendo distinção, o legislador reserva um tratamento uniforme à prescrição para pretensão à reparação civil, seja contratual ou extracontratual.
Querendo citar unicamente as decisões jurisprudenciais mais recentes, é importante citar, em linha com o Enunciado 419, a unanimidade da 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (relator ministro Marco Aurélio Bellizze) no REsp n° 1.281.594/SP, que, em 28/11/2016, interpretou o artigo 206, §3°, V, do CC de "forma ampla", considerando tanto a responsabilidade contratual como a extracontratual [5]. E, conseguintemente, reconheceu o prazo prescricional de três anos à demanda de rescisão por inadimplemento.
Em 2018, mudando de entendimento, no processo EREsp n° 1.280.825/RJ, em 27/6/2018, a 2ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (relatora ministra Nancy Andrighi), analisando a matéria, decidiu no sentido de que a pretensão de reparação civil contratual deve observar o prazo prescricional de dez anos. Em particular, a decisão surgiu com base em três considerações: 1) literal, ou seja, no sentido de que a expressão "reparação civil" não mencionaria de fato a responsabilidade contratual; 2) lógico-sistemática, o credor teria três pretensões decorrentes do mesmo inadimplemento contratual, portanto o prazo de dez anos seria mais adequado; e 3) isonômica, no sentido de que deve se diferenciar o tratamento (contratual de extracontratual), sendo que a responsabilidade extracontratual é dirigida a tutela de direitos absolutos e deveres validos erga omnes, enquanto na responsabilidade contratual os direitos e deveres das partes são relativos, valendo unicamente entre elas, e usualmente também para os terceiros em boa-fé.
Sucessivamente, em 2019, o julgamento concluído pela corte especial no dia 15/5/2019 deu provimento ao recurso acionado contra a decisão da 3ª Turma de 2016 (relator ministro Marco Aurélio Bellizze) e confirmou o prazo decenal, seguindo quanto já decidido pela 2ª Turma um ano antes.
Mesmo na frente dessa mais recente jurisprudência, de fato ainda não consolidada, a doutrina necessita ainda se pronunciar, em particular porque — pelos menos para os autores — cabem as seguintes dúvidas:
1) A expressão "reparação civil" não se refere necessariamente ao único conceito de responsabilidade civil: a exclusão da expressão responsabilidade contratual não é clara e nem explícita. Por que, então, o legislador utilizou uma tal expressão geral?
2) Talvez a expressão tenha sido cientemente geral (como outras expressões normalmente usadas em âmbito de ressarcimento e danos cíveis) exatamente para tratar uniformemente de dois institutos dentro da mesma esfera civil?
3) O legislador regulamentou de forma clara e explícita o prazo de cinco anos a prescrição da pretensão de cobrança de dívidas liquidas (conforme artigo 206, §5º, I: "A pretensão de cobrança de dívidas líquidas constantes de instrumento público ou particular") porque não quis distinguir de forma igualmente clara o tratamento referente ao assunto mais geral?
4) Ou seja, por que o legislador, ao disciplinar uma específica hipótese de prazo prescricional "contratual", não teve dúvida em discipliná-lo expressa e separadamente em outro artigo?
5) Ainda, por que o legislador do Código Civil de 2002 teria optado por um prazo prescricional de dez anos para as pretensões referentes à responsabilidade contratual, quando o Código de Defesa do Consumidor, de 1990, já se referia ao prazo prescricional de cinco anos para a pretensão de reparação dos danos causados ao consumidor por dano do produto ou do serviço (artigo 27 CDC)? Não se cria uma assimetria ou um tratamento mais desfavorável para o consumidor, a respeito da disciplina civil [6]?
6) Na dúvida, é cabível uma interpretação que aumente o grau de incerteza dos relacionamentos jurídicos, ainda que relativos? Considerado, evidentemente, o princípio constitucional da segurança jurídica atualmente consignado no artigo 5º, XXXVI, CF, cujo dispositivo categoricamente estabelece que a "(…) a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".
[1] MENKE, Fabiano. Artigo 207, em Comentários ao Código Civil, Saraiva, 2019.
[2] Os exemplos de prazos decadenciais previstos por lei – em âmbito contratual – incluem (entre os demais): o direito de escolha nas obrigações alternativas (artigo 252 do CC); o direito de reclamação por vícios redibitórios (artigo 445 do CC); o direito de anular o negocio jurídico por incapacidade relativa do agente (artigo 119 do CC); o direito de anular o negocio jurídico por causa de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores (artigo 178 do CC) etc.
[3] Em particular, o artigo 211 do CC dispõe sobre a decadência convencional, a qual poderá ser alegada em qualquer grau de jurisdição, não podendo o Juiz suprir a alegação. Quando a decadência é por lei, o prazo estabelecido é indisponível, e consequentemente não pode ser renunciada pelas partes e o Juiz decreta-la de oficio.
[4] Com exceção do direito de reclamação por vícios redibitórios, como estabelecido pelo artigo 445 do CC.
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