Remoção de órgãos

Médicos acusados de matar criança devem ser julgados pelo tribunal do júri

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10 de outubro de 2020, 15h41

O ministro do Superior Tribunal de Justiça Ribeiro Dantas manteve acórdão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJ-MG) que declarou a nulidade da condenação de cinco médicos pelo crime de remoção de órgãos seguida de morte, para que eles sejam julgados pelo tribunal do júri por crime doloso contra a vida.

Segundo o Ministério Público de Minas Gerais (MP-MG), em abril de 2000, os médicos removeram os órgãos de uma criança de dez anos para transplante, causando a sua morte. A criança foi atendida pelos médicos após sofrer traumatismo craniano em uma queda acidental no prédio onde morava, em Poços de Caldas (MG).

Na denúncia, o MP-MG afirmou que, mediante irregularidades procedimentais graves, os acusados retardavam os meios indispensáveis para preservar a vida dos pacientes, levando-os à morte com o objetivo de retirar seus órgãos para transplantes, a serem feitos com desrespeito à lista de espera de receptores.

No recurso ao STJ, o MP-MG alegou que a conduta dos profissionais de saúde não deveria ser qualificada como crime doloso contra a vida, mas como delito previsto na Lei de Transplantes (Lei 9.434/1997), e por isso o tribunal do júri não seria competente para o julgamento.

Classificação jurídica
O relator, ministro Ribeiro Dantas, explicou que não há controvérsia a respeito dos fatos denunciados e reconhecidos na sentença que foi anulada pelo TJMG, pois tanto para o MPMG quanto para as instâncias ordinárias, os médicos removeram os órgãos da vítima, causando-lhe dolosamente a morte como consequência.

Segundo o ministro, a divergência discutida no recurso é relativa à classificação jurídica da conduta: se correspondente ou não a crime doloso contra a vida. Para o TJ-MG, destacou o relator, a conduta dos médicos se caracterizou como crime praticado com dolo no antecedente (remoção de órgãos em pessoa viva) e com dolo no consequente (morte).

Contudo, observou Ribeiro Dantas, o MP-MG argumentou que o crime deveria ser qualificado pelo resultado (artigo 14 da Lei de Transplantes), o qual pode decorrer de uma conduta tanto dolosa quanto culposa.

Vontade de matar
Para o ministro, no entanto, os médicos agiram com consciência e vontade não apenas de remover os órgãos, mas também de matar a vítima. "Se a finalidade principal era a retirada, não se pode olvidar a necessária finalidade, de modo idêntico, de matar a vítima, ainda que secundária. Em outras palavras, partindo da própria narrativa fática da acusação, os réus agiram com ambos os fins", afirmou.

Ribeiro Dantas observou que a hipótese do artigo 14, parágrafo 4º, da Lei 9.434/1997 trata de nítido caso de crime preterdoloso, no qual a remoção ilegal de órgão acontece dolosamente, mas o resultado morte é meramente culposo, não intencional, e sem que tenha sido assumido o seu risco. "Seria o caso de o médico, por imperícia, causar o óbito da vítima, presentes os demais requisitos da modalidade culposa", esclareceu.

O relator lembrou que a 3ª Seção já discutiu questão semelhante à dos autos e concluiu que "a remoção dos órgãos ou partes do cadáver foi consequência da ação de homicídio, esta a ação principal".

Para ele, no caso, não há controvérsia sobre a acusação se referir a dolo na remoção dos órgãos e dolo no resultado morte, devendo, assim, a competência para o julgamento ser do tribunal do júri. Com informações da assessoria de imprensa do Superior Tribunal de Justiça.

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REsp 1.656.165

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