Lockdown e Estado de Sítio: operar uma unha não exige anestesia geral!
11 de maio de 2020, 8h17
O jornalista Sergio Rodas produziu bela matéria sobre lockdown aqui na Conjur. Necessitamos de Estado de Defesa ou de Sítio para limitar atividades e restringir direitos de ir e vir?
No lockdown, em regra, as pessoas só podem ir à rua para fazer compras em supermercados e farmácias ou trabalhar em atividades essenciais. O primeiro caso ocorreu no Maranhão. A Justiça ordenou, em 30 de abril, que o estado e o município de São Luís implementassem o lockdown na região metropolitana da capital. Isso porque as medidas de isolamento social têm sido insuficientes para conter a propagação do coronavírus. Houve outras decretações.
O constitucionalista Pedro Serrano disse: Embora a Constituição só autorize expressamente a restrição dos direitos de ir e vir e de reunião nos estados de defesa e de sítio, não é necessário decretar um deles para instituir o lockdown, porque tais regimes excepcionais se aplicam melhor a situações de violência e comprometimento da ordem pública, e não são necessários em crises sanitárias.
Na visão dele, mecanismos como os estados de emergência e de calamidade pública — instituído pelo Congresso — são suficientes para combater o coronavírus. Serrano diferencia um momento de legalidade extraordinária — como o que vivemos devido à epidemia — de um estado de exceção. A legalidade extraordinária é a forma como o Estado Democrático de Direito reage a uma situação emergencial. Mas não há anomia (ausência ou suspensão de leis e direitos), como no estado de exceção. Na legalidade extraordinária, o Estado segue submisso à legislação e deve criar o mínimo possível de novas leis.
A ideia, pois, é solucionar os problemas com base no ordenamento jurídico em vigor. Concordam com Serrano os professores Gustavo Binebojm, Carolina Fidalgo. E eu também.
Não vejo a necessidade de tomarmos medidas drásticas como Estado de Defesa ou de Sítio, quando podemos resolver o problema com medidas menos rigorosas. Devemos reagir à emergência sanitária com, no máximo, aquilo que Pedro Serrano e eu estamos chamando de legalidade extraordinária.
Estado de Defesa e de Sítio são para outro tipo de situação. A ordem ou a paz social está em jogo no Brasil? Claro que não. Fazendo uma ironia, diria que o Estado de defesa ou de sítio são necessários somente se for com o objetivo de combater os fascistas que querem fechar o STF e o Congresso e que acampam na frente do STF. Mas nem para isso — com sarcasmo ou sem sarcasmo — essas medidas de exceção são necessárias. Basta um grito e eles saem correndo.
Ora, restrições a direitos são próprias e comuns das e nas democracias. Liberdades de ir e vir são a todo momento restringidas. Eventos cívicos, desportivos e coisas do gênero fazem com que as pessoas possam ser impedidas de circular por determinados lugares. Portanto, não parece difícil sustentar a tese da decretação de lockdown nos moldes em que vem sendo feito no Brasil. Ninguém pode ser compelido a fazer algo a não ser em virtude lei quer dizer também “por decreto”. De lockdown. Sim.
Adotar medidas drásticas sempre é arriscado. Vai que alguns aprendizes de ditador gostem… Portanto, o bicho não é tão feio quanto parece. Uma unha do pé, para ser arrancada ou tratada, por vezes nem necessita de anestesia. Por vezes, pequena anestesia local resolve. Não parece adequado arriscar a vida do paciente com uma anestesia geral quando meios alternativos de evitar a dor do paciente se apresentem suficientes dentro do protocolo.
O engraçado ou bizarro é que muita gente que defende autoritarismo ou até mesmo AI5 — em que a liberdade é quase-nada (nula, nenhuma) — coloca-se, na discussão do lockdown, contra a sua decretação sem o Estado de Defesa ou de Sítio. Dizem, muitos, que isso é “totalitarismo”. Alguns dizem que é coisa de comunista. Ou seja, se for decretado Estado de Sítio, pode. Aí não tem problema de as liberdades serem restringidas. O ruim é restringir, em uma pandemia, o direito de as pessoas saírem na rua para se contaminarem. Talvez muita gente defenda um direito fundamental à contaminação.
Numa palavra: Em termos legais-constitucionais, não há qualquer exigência de Estado de sítio ou de defesa para restringir o direito de ir e vir. Todos os dias essas restrições são feitas até por portaria. Aeroportos restringem, estádios, ruas etc. Leis restringem liberdades. Então, qual seria o problema de, em meio a uma pandemia, via legalidade extraordinária, restringir direitos para salvar vidas? Aliás, decretar Estado de Sítio ou de Defesa seria desproporcional. No sentido mais cru da palavra “proporcionalidade” (lá do Código Prussiano).
Cartas para a redação.
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