MP no Debate

O mínimo que se espera dos órgãos de controle é que exerçam os seus papeis

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29 de junho de 2020, 8h00

Logo no início da pandemia, provocada pelo novo coronavírus, o Ministério Público de Contas do Distrito Federal protocolou representação, para, na essência, requerer ao Tribunal de Contas do DF a constituição de Grupo de Trabalho, focado na emergência, visando à análise, em especial, da situação fiscal e da execução orçamentária e financeira das medidas relacionadas ao coronavírus, nos seus amplos aspectos; e dos contratos celebrados, de acordo com suas materialidades[1].

Vale ressaltar que, segundo a Lei Orgânica do DF, no artigo 79, o TC-DF detém o poder-dever de fiscalizar a aplicação de quaisquer recursos repassados ao DF ou pelo DF.

De lá para cá, o MPC-DF tem atuado, visando à implementação de um controle responsável e tempestivo, tarefa não muito simples e, às vezes, incompreendida. De fato, não é incomum o debate a respeito da discricionariedade do gestor no gasto dos recursos públicos para fazer frente à pandemia, o que acaba, juntamente com outros entraves, tensionando a discussão a respeito da necessária fiscalização de atos e contratos públicos[2], sejam eles celebrados para o enfrentamento da Covid-19 ou, para outras finalidades.

Em relação a essa questão, é preciso entender que o controle deve ser contemporâneo aos fatos[3] e emancipado, ao ponto de questionar, tecnicamente, e sem receio, a opção governamental. Nesse aspecto, por exemplo, a construção de hospitais de campanha ou outros, sob o mote da pandemia, mas visando situações não transitórias, e a consequente entrega milionária da gestão desses leitos a empresas privadas, não podem prescindir de fiscalização. Não deve ser à toa que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) expediu a NT no. 24/20[4], contendo diretrizes a serem seguidas, em obediência aos princípios constitucionais da Administração Pública, os quais não restaram afastados em face da pandemia.[5]

Nesse contexto, é imperioso mirar, também, despesas desarrazoadas em momento de crise,  como a suplementação legal para gastos com publicidade e propaganda,[6] além de se defender a maior transparência no uso desses recursos[7] e um melhor aparelhamento dos TCs, para que disponham de mecanismos mais eficientes de fiscalização, com o uso da moderna tecnologia[8].

A ação do MPC-DF tem dado frutos e acontece junto com recuos importantes, como a revogação de contratos suspeitos de irregularidades, antes da configuração do prejuízo aos cofres públicos[9]; a retificação de prazos e projetos, para adequações técnicas essenciais[10], etc.

Em outro aspecto, as contratações temporárias de pessoal, sem motivação qualitativa e quantitativa, quando pendentes as nomeações de concursados, são mais um exemplo de atuação dos órgãos de controle externo em época de pandemia[11].

Nesse mesmo contexto, o "novo normal" nos processos de auditoria merece, também, reflexão.

Em condições ideais, as Auditorias, notadamente as Operacionais, pressupõem programação, metodologia e conceituação rígidas, que objetivam examinar a economicidade, eficiência, eficácia e efetividade de organizações, programas e atividades governamentais, com a finalidade de avaliar o seu desempenho e de promover o aperfeiçoamento da gestão pública. É patente que alguns desses ritos se tornam incompatíveis com o atual momento de emergência e de restrição de convívio social para evitar o contágio pela Covid-19, o que não afasta, antes reforça, a necessidade de atuação do controle externo, por meio do redesenho de suas atividades. É possível aplicar diversas outras técnicas de auditoria, bastando assegurar todas as informações necessárias para embasar e fundamentar suas avaliações.

De fato, uma auditoria futura, alcançará, felizmente, o fim do contágio em massa, provocado pelo coronavírus, e, por razões temporais, não poderá contribuir para o enfrentamento da situação vivenciada nos dias de hoje, frustrando as legítimas expectativas do contribuinte, que aposta na existência de mecanismos de fiscalização ágeis e eficientes, para garantir a correta implementação da política pública e dos recursos públicos a ela destinados.

 Por isso, festejam-se atuações como as do Tribunal de Contas da União, quando anuncia a realização, justamente, de uma Auditoria, nos gastos para Covid-19[12], sendo exemplo, também, o trabalho de fiscalização em relação à concessão do auxílio emergencial, para enfrentamento da crise[13], além da instauração de dezenas de processos para análise de aquisições diversas, como a compra de 80 milhões de aventais[14]. Exemplos, inclusive, que se tem multiplicado em todo o país, com a ampla participação dos respectivos Ministérios Públicos de Contas estaduais.

É possível, portanto, defender, com segurança, uma atuação concomitante nas ações de fiscalização, cooperativa, mas, também, capaz de frear, se necessário, atos nocivos ao patrimônio público no momento em que são realizados ou até mesmo antecipando-se a eles. A ideia, de modo algum, é travar por travar, mas, exercer o papel constitucional de controle. E, desse modo, fiscais, no sentido amplo, inclusive a sociedade, que realiza o relevante controle social, devem ser  incentivados, valorizados, protegidos, nunca reprimidos[15], na atividade de verificação imediata dos fatos, pois, só assim, essa atuação poderá resultar em medidas realmente efetivas, na prevenção e repressão de prejuízos ao patrimônio público, que é de todos nós[16].

A despeito das contratações governamentais, nesse momento, visarem situação emergencial ocasionada pela atual pandemia da Covid-19, tal fato não isenta a Administração de cumprir os requisitos legais[17].


[1] Representação 06/20, Processo 209/20-TCDF.

[2] Enunciado de Decisão 176 – TCU: "Compete ao gestor comprovar a boa e regular aplicação dos recursos públicos, cabendo-lhe o ônus da prova". No mesmo sentido, STF-MS 20.335/DF, de 12/10/1982.

[3] A Representação 21/20 (Processo 1279/20-TCDF) dispõe sobre a compra de respiradores pulmonares, no DF, propondo a análise do orçamento estimativo e das exigências de participação da dispensa, antes, portanto, da efetivação da aquisição.

[5] Esse debate foi feito pelo MPC/DF na Representação 22/20, Processo 1423/20. Convergindo, o Relator afirmou: “embora o gestor público tenha legitimidade para decidir sobre a implementação de políticas públicas, a discricionariedade de seus atos encontra limites (…), cabendo ao representante do Poder Público escolher, de forma motivada, dentre as opções disponíveis, aquela que melhor satisfaça ao interesse público, em conformidade com as normas estabelecidas no ordenamento jurídico”.

[6] O MPC/DF relembrou que o GDF já possui contrato de publicidade, não havendo dotação orçamentária insuficiente que justificasse a suplementação ocorrida, em mais de R$ 63 milhões de reais, elevando o valor para mais de R$ 140 milhões de reais, mediante o uso do fundo de contingência. O TCDF não concedeu medida cautelar, mas a Justiça do DF deferiu liminar em Ação Civil Pública ajuizada pelo MPDFT: Processo eletrônico: 0703957-44.2020.8.07.0018.

[7] É, por exemplo, o objeto da Representação 19/20, Processo 897/20-TCDF, que demonstra a assimetria da informação. O MPDFT ajuizou ACP e obteve liminar, para obrigar o Distrito Federal e o Instituto de Gestão Estratégica em Saúde do Distrito Federal (Iges-DF) a dar publicidade a todas as despesas decorrentes das medidas de combate e prevenção à Covid-19 (Número do processo: 0702337-94.2020.8.07.0018).

[8] Representação 24/20 (Processo 2174/20-TCDF), por meio da qual o MPC/DF confeccionou planilha, “à mão”, evidenciando a aquisição pelo GDF de 06 itens para compras como álcool em gel, máscaras, óculos, etc, com seus valores, datas, fontes, nome das empresas contratadas, etc.

[9]Trata-se da Representação 17/20 do MPC/DF, que discutiu a contratação de mais de R$ 85 milhões para a gestão de leitos de UTI no Hospital da PMDF. Foi, ainda, contratada a realização de obra de engenharia, para o mesmo Hospital, no valor de mais de R$ 5 milhões de reais, sem qualquer planilha detalhando os preços unitários https://www.metropoles.com/distrito-federal/covid-19-gdf-anula-contrato-para-gestao-do-hospital-da-policia-militar.

[10]No caso da gestão dos leitos do Hospital do Complexo Penitenciário da Papuda, construído em técnica modular, nenhum orçamento estimativo foi apresentado e tampouco a demonstração da fonte dos recursos e da disponibilidade orçamentária para fazer frente à futura despesa.  Após a Representação 28/20, Processo 2455/20-TCDF, o GDF anunciou a suspensão da contratação, para ajustes.

[11] Representação 31/20 (Processo 2749/20-TCDF).

[15] Por meio da Representação 36/20, o MPC/DF pede apuração de denúncia de desvio de finalidade em relação à remoção da única secretária executiva do Conselho de Saúde de Brasília, após inspeções realizadas em hospitais, por meio do que se convencionou chamar Ação Conjunta, com a participação de Conselhos de Regulação das profissões e a OAB local.

[16] Esperar a ocorrência da lesão, para afirmar que a recuperação do patrimônio público deverá ser objeto de Tomadas de Contas Especiais (TCE) é fechar os olhos para o óbvio. Trata-se de arcaicos, morosos, custosos e ineficientes processos, que, no ambiente dos TCs, deveriam servir para identificar os responsáveis e obter o ressarcimento dos prejuízos aos cofres públicos. No DF, menos de 1% dos recursos públicos são ressarcidos por esse modo. “Trânsito em Julgado e Morosidade nos Processos de Controle Externo”: https://www.conjur.com.br/2019-nov-04/mp-debate-transito-julgado-morosidade-processos-controle-externo

[17] Lei n° 13.979/20.

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