Ineficiência do sistema de saúde gera prejuízos e sofrimento desnecessário
28 de janeiro de 2020, 8h00
Para isso, buscou estimar o efeito dos eventos adversos graves, relacionados com a assistência hospitalar, sobre a mortalidade. Os pesquisadores fizeram o levantamento de características da população estudada e epidemiologia dos eventos ocorridos. Foram avaliadas 445.671 altas hospitalares, das quais 78,8% de pacientes da saúde suplementar e 21,2% do SUS.
O que se verificou, entre os pacientes acompanhados, é que houve uma prevalência de eventos adversos de 7,1% nos atendimentos da rede suplementar, de 6,4% nos atendimentos do SUS, e de 7% no conjunto da população. Os quadros mais frequentes foram de septicemia, pneumonia, infecção do trato urinário, em geral associados a dispositivos invasivos como cateter vascular central, ventilação mecânica e sondas vesicais, respectivamente.
Os pacientes com maior risco de exposição aos eventos adversos graves são os chamados “extremos de idade”: recém-nascidos prematuros (6,2%) e idosos acima de 65 anos (3,6%). Esses grupos compõem um grupo de maior complexidade e riscos assistenciais. Os eventos graves são os principais fatores de mortalidade e, entre os que passam de 50% estão endocardite infecciosa, choque, septicemia e insuficiência respiratória aguda.
O estudo é bastante profundo e poderíamos tratar de diferentes aspectos, mas quero destacar com a seleção desses dados é a necessidade de um plano de ação para prevenção de quadros que causam sequelas e morte. A ineficiência do nosso sistema de saúde gera prejuízos financeiros e sofrimentos desnecessários. É passada a hora de superar essas deficiências, que afetam a saúde brasileira como um todo.
A rede hospitalar brasileira é formada por 6.812 estabelecimentos, dos quais apenas 5,38% são verificados e garantidos em sua estrutura e processos por auditoria externa, uma proporção que demonstra o quanto precisamos melhorar para reduzir a insegurança da assistência.
Modelo de remuneração
Eventos adversos consumiram R$ 10,6 bilhões no sistema privado de saúde em 2017, e um dos fatores para o desperdício é o modelo de remuneração utilizado no Brasil, o fee-for-service. Existem alternativas a esse modelo, que abordamos em uma série de artigos, visando remuneração com base em resultados. Experiências nos Estados Unidos de remuneração baseada em DRG (Diagnosis Related Groups) — modelo em que se remunera mediante um único pagamento para um conjunto de serviços prestados, conforme o diagnóstico — permitiram redução do custo médio de internações agudas de longa duração em 24%, no período entre 2003 e 2006.
Deve-se considerar também o impacto em ocupação de leitos-dia para o sistema de saúde. Cada evento adverso grave determina a extensão do período de internação em média em 14,4 dias (16,4 dias para pacientes no SUS e 10,5 dias para pacientes na rede privada). Os prejuízos afetam a todos, tanto os pacientes que precisam de internação e não encontram vaga, quanto aqueles que se expõem a mais riscos em período maior de internação.
Para as organizações de saúde, fica claro que há desperdícios e elevação de custos. Do total de 165,9 milhões leitos-dia disponíveis ao ano na rede hospitalar brasileira, e 96,6 milhões leitos-dia utilizados, temos que a taxa de ocupação média foi de 58,2%, ou seja, uma ociosidade de 41,8%.
Redução de óbitos
Entre oportunidades de melhoria sugeridas pelo estudo, abordaremos aqui a proposição de uma meta nacional de segurança assistencial hospitalar, pensando na redução da estimativa de 36.174 óbitos hospitalares nos próximos 10 anos. Para tanto, sugere-se construir um acordo nacional visando a centralidade da saúde das pessoas e prioridade da segurança assistencial e sustentabilidade do sistema por meio da qualidade assistencial. Passa, também, pela mudança de cultura, deixando de entender os eventos adversos como uma dualidade entre culpado e vítima e aprendendo com as falhas.
É determinante para o sucesso dessa proposta o trabalho conjunto do governo com a iniciativa privada, com objetivo de corrigir as deficiências de estrutura e processo da rede hospitalar brasileira. O estudo propõe como fontes de financiamento:
- Controle do desperdício da ociosidade de 41,8% dos leitos disponíveis no país;
- Redução dos eventos adversos graves, 15% dos custos da saúde suplementar;
- Aumento da eficiência e produtividade no uso do leito hospitalar.
A Agência Nacional de Saúde (ANS), enquanto reguladora do setor, tem papel importante na superação dos índices atuais de insegurança hospitalar, contribuindo com o suporte legal que permita às operadoras selecionar prestadores mais seguros para suas redes de assistência.
Recomendações para o SUS e para o setor suplementar são:
- Concentrar assistência em número menor de hospitais, de grande porte e alto volume, visando segurança, redução do desperdício e sustentabilidade via aumento de escala;
- Migrar modelo de remuneração, hoje baseado no fee-for-service, para outros que incentivam a qualidade, como o DRG;
- Ampliar a transparência e acesso ao usuário às informações de resultados assistenciais.
Acredito que podemos reverter grande parte das deficiências hoje verificadas adotando uma postura de colaboração entre as organizações privadas, públicas, agências reguladoras e produção de políticas públicas.
* JurisHealth é um esforço articulado entre profissionais da Saúde, do Direito e da Comunicação, com o objetivo de melhorar a compreensão em torno de temas relevantes do setor de saúde. É uma iniciativa que visa fornecer referências técnicas e analíticas a respeito do sistema de saúde suplementar do Brasil e, assim, prover elementos consistentes para avaliar controvérsias levadas aos tribunais. Saiba mais em http://www.jurishealth.com.br
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