Ainda que tramite projeto de lei para estender a aplicação da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) em favor de mulheres trans, cabe ao Poder Judiciário definir o alcance da normativa com base em uma leitura moralizante da Constituição, de modo a emprestar maior efetividade ao princípio da dignidade humana.

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Foi com base nesse entendimento que o juiz Alexandre Machado de Oliveira, do Juizado de Violência Doméstica Contra a Mulher de Arapiraca (AL), decidiu que a Lei Maria da Penha pode ser aplicada em casos de agressão contra pessoas trans. A determinação é da última quarta-feira (22/1).
“Ao discutirmos, de forma adequada, os direitos da comunidade LGBTQI+ é importante que nós cidadãos não apenas defendamos nossos direitos individuais, mas que assumamos a defesa de todos os direitos dos demais indivíduos componentes da comunidade”, afirma a decisão.
Ainda de acordo com o juiz, “o viés de liberdade sobre o qual nos debruçamos é o de não estar subjugado a outrem. O direito de liberdade que deve ser reconhecido à autora da ação é o de poder conduzir seu modo de vida sem constrangimentos”.
Segundo a denúncia, duas mulheres foram até a casa da vítima e a agrediram verbal e fisicamente por conta de sua identidade de gênero. Por ter problemas de saúde, ela não conseguiu se defender. O caso foi considerado como sendo de violência doméstica porque existe relação familiar entre as partes.
"O alcance da Lei Maria da Penha às mulheres transgênero e transexuais, bem como o reconhecimento de outros direitos, a exemplo do uso de banheiro feminino, deve ser definido com base na leitura moralizante da Constituição. Nesse sentido devem ser lidas e interpretadas as cláusulas constitucionais que definem os pressupostos do Estado Democrático de Direito, que integra, politicamente, os conceitos de liberdade, igualdade e fraternidade”, prossegue o magistrado.
A vítima foi intimada a comparecer ao Centro de Referência e Atendimento à Mulher em Situação de Violência para que seja feito seu acompanhamento.
Oliveira proibiu as agressoras de se aproximarem da autora do processo, determinando a decretação de prisão preventiva caso as mulheres descumpram a decisão.
As duas também foram intimadas para audiência. Por fim, o juiz ordenou que o Ministério Público tenha conhecimento do caso para adotar medidas pertinentes no sentido de apurar eventual infração penal.
Clique aqui para ler a decisão
0700654-37.2020.8.02.0058
Comentários de leitores
5 comentários
A lei devia ser reformulada
Claudio S. Lopes (Advogado Associado a Escritório)
Inicialmente entrarei em um ponto importante sobre o caso, uma das justificativas da lei é a diferença da força física, sendo assim, o trans não deve entrar na proteção desta lei, pela evidente formação de força dada pelo seu sexo biológico.
Quando se analisa a decisão, sem levar em consideração a biologia, ela foi acertada, uma vez que o trans é equiparado com hétero e pode mudar seus documentos, sendo assim as leis aplicadas a mulher consequentemente são aplicadas aos trans, "maria da penha, aposentadoria..." sendo assim a decisão foi correta em sentido legal.
Pois bem, o real problema é a necessidade ululante de mudar a Lei 11.340 de 2006, Lei Maria da Penha, retirando a expressão mulher e deixando violência domestica ou violência familiar, ficando assim valendo tanto para homens e mulheres, incorporando todas as pessoas que de algum modo possam ser agredidos em âmbito domestico, não existe violência melhor ou pior que a outra, todas são graves seja contra, homens, mulheres, héteros ou não.
A luta aqui ao meu ver não deveria ser sobre se o trans deve ser enquadrado, mas se toda a população deve.
Desconhecimento e preconceito: ciclo vicioso
Luiza Morata (Advogado Associado a Escritório - Criminal)
Impressionante o desconhecimento de ditos "operadores do Direito" acerca da legislação protetiva da mulher. Notadamente, o Direito Penal não admite analogia, senão "in bonam partem". Porém, a interpretação extensiva é admissível, se assim prevê a lei penal.
No entanto, o descuidado é tanto, e o preconceito o acompanha nessa magnitude, que se olvida ser a Lei Maria da Penha uma lei de proteção ao gênero feminino, e não exclusivamente à condição biológica de 'mulher'. Assim mesmo dispõe seu artigo 5º: "Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero [...]".
Ora, dessa forma, não há se falar em qualquer tipo de analogia, interpretação extensiva.. Sequer cabe discutir isso. Transsexuais se identificam com o gênero feminino, e, portanto, a Lei Maria da Penha a elas se aplica.
Não tentem velar seu preconceito com falácias jurídicas, meus caros. É vergonhoso.
Onde vamos parar?
Vercingetórix (Advogado Autônomo - Civil)
É só o começo das consequências do julgamento da ADO 26 e do MI 4733.
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