Reflexões trabalhistas

Segurança jurídica, garantia do contraditório e o exercício da advocacia

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24 de janeiro de 2020, 8h00

Há exatos quatro anos foi alterada a Lei nº 8.906/1994, pela Lei nº 12.345, de 12 de janeiro de 2016, inserindo valiosas garantias, como à época comentamos.

Com efeito, a alteração da Lei nº 8.906/1994, que é o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil, resultou na inserção dos incisos XIV e XXI, em seu artigo 7º, que passaram a assegurar ao advogado:

XIV – examinar, em qualquer instituição responsável por conduzir investigação, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de investigações de qualquer natureza, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos, em meio físico ou digital;” e

XXI – assistir a seus clientes investigados durante a apuração de infrações, sob pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração.”

Retorno ao tema pois não raro temos notícia de que nem sempre são observadas as prerrogativas tratadas pela lei, sem que os interessados insistam no seu direito à observância da regra legal.

Retorno ao tema, lembrando as considerações então formuladas: “a mudança legislativa significou “possibilitar o exercício efetivo do contraditório e da ampla defesa igualmente no inquérito civil, administrativo e criminal, a fim de que a colheita das provas que irão eventualmente informar futura ação judicial seja fruto de isenção, buscando trazer aos autos do procedimento administrativo a realidade dos fatos, possibilitando à autoridade que dê prosseguimento, ou decida pelo arquivamento, diante das provas seguramente colhidas.

Importa ressaltar este relevante avanço na afirmação do Estado de Direito porque sabemos que a doutrina e a jurisprudência até então posicionavam-se no sentido de que tanto o inquérito civil quanto o inquérito criminal não se sujeitavam ao princípio do contraditório e à ampla defesa, salvo em algumas situações, como advertiam Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery (Constituição Federal Comentada e Legislação Constitucional, Ed. RT, SP, 2ª ed., 2009, p. 185):

“Tanto o inquérito policial quanto o civil (LACP 8º, § 1º, 9º; CDC 90) são procedimentos inquisitórios que têm a finalidade de aparelhar o MP para eventual ajuizamento de ação civil ou penal pública. Por meio deles não se aplica sanção, de sorte que não se trata de processo administrativo, não incidindo neles a garantia constitucional contraditório. No inquérito existe apenas colheita de elementos e não colheita de provas. Nada obstante, é conveniente que a autoridade administrativa que presida o inquérito propicie, aos juridicamente interessados, vista dos autos do inquérito para que possam manifestar-se como de direito. Quando no inquérito – civil, policial ou administrativo – puder vislumbrar-se a existência de “acusado”, deve a ele ser garantido o contraditório e a ampla defesa, pois a norma constitucional fala também de “acusados em geral” como seus destinatários. Assim, ao indiciado, bem como ao investigado ou acusado no procedimento inquisitório, deve se garantir o contraditório e a ampla defesa. Inquérito policial ou civil que já tenha algum investigado determinado deve ser contraditório, proibida aqui a investigação sigilosa e inquisitória.”

Resultava, portanto, que em princípio, até a edição da nova Lei nº 12.345/16, não estava a autoridade que conduzia o procedimento administrativo obrigada a permitir ao advogado do indiciado participar da colheita da prova, bem como facultar-lhe produção de sua prova.

Ressalva-se apenas, como advertem os autores, a obrigação da autoridade de respeito ao princípio do contraditório e da ampla defesa quando passava a considerar o indiciado como “acusado”.

Todavia, sabem os que militam nesta área, que submeter a necessidade do contraditório ao arbítrio da autoridade administrativa, em alguns casos, resultava na conclusão de inquéritos civis e criminais cujo conteúdo distanciava-se bastante da realidade, com distorções na apuração dos fatos e ocasionando sérios prejuízos processuais aos indiciados, ocorrendo até distorções na prova produzida.

Isto porque, na prática, em muitos casos, ainda que considerado o indiciado como acusado não lhe garantiam o equilíbrio na produção da prova, viciando o procedimento administrativo, com verdadeiras distorções da realidade, fruto da ausência de controle pelo advogado do necessário equilíbrio na apuração dos fatos.

A providencial alteração legislativa assegura a todos os que sejam alcançados por um inquérito estar acompanhados de advogado, cuja atuação não pode ser cerceada pela autoridade administrativa, impondo a lei expressamente pena de nulidade absoluta do respectivo interrogatório ou depoimento e, subsequentemente, de todos os elementos investigatórios e probatórios dele decorrentes ou derivados, direta ou indiretamente, podendo, inclusive, no curso da respectiva apuração, no caso da inobservância da garantia legal.

Sabemos que esta garantia da lei não objetiva impedir ou obstruir a atuação da autoridade administrativa, mas ao contrário, dotar o conteúdo do procedimento administrativo de segurança jurídica, na medida em que há de respeitar a presunção de inocência do indiciado, colhendo-se as provas de modo isento, impedindo que a apuração administrativa tome caminhos que colidam com a segurança jurídica e o Estado de Direito.”

Passados quatro anos da vigência da nova lei e da determinação legal de observância ao princípio da ampla defesa, ainda na esfera administrativa, retornando ao tema, pois cumpre verificar a efetiva observância da regra legal.

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