Reflexões Trabalhistas

Motivação jurídica do exercício do direito de greve

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21 de fevereiro de 2020, 8h00

Spacca
Spacca
Não têm sido raras, na atualidade, as paralisações de trabalhadores pelas quais reivindicam direitos, denunciam abusos, clamam por empregos, se solidarizam com outros trabalhadores, protestam contra reforma da legislação, e outras motivações.

Trata-se de um fato social de natureza coletiva inegável valorizado pela autonomia da vontade coletiva. É o exercício de um direito que se avizinha da garantia constitucional de liberdade sindical porquanto é o sindicato a caixa de ressonância quando se trata especificamente de questões profissionais e coletivas.

No entanto, a qualificação do movimento quanto à finalidade profissional e a determinação de punição aos grevistas ou seus representantes enfrentam dificuldades conceituais excepcionais e de superação, muitas vezes impensadas, e que coloca em risco a garantia constitucional do artigo 5º, IV.

É que a Constituição Federal, além da garantia geral, assegura aos trabalhadores (artigo 9º) o direito de greve e a responsabilidade quanto aos fins perseguidos pelo movimento. A exceção ao exercício do direito de greve é reservada aos servidores públicos militares (artigo 142, IV, CF).

Neste cenário, permeia de modo inexorável a natureza política quando do exercício de liberdade de pensamento, direito de manifestação e, também, quando se trata de relações coletivas de trabalho, paralisação com responsabilidade pelos atos praticados e direitos vindicados, estes últimos adequados ou não ao objetivo perseguido mas, de qualquer forma, livremente decidido.

O Informativo do TST (190/214) publicou decisão da SDC em que, analisando greve dos trabalhadores da Eletrobras contra a privatização da empresa, por maioria, entendeu que a motivação era estritamente política e que não se referia a conflito entre empresa e trabalhadores e que se trata de política de privatização do setor público: “Dissídio coletivo. Greve. Movimento deflagrado contra a privatização das empresas que compõem o sistema Eletrobras. Motivação estritamente política. Abusividade. É abusivo o movimento grevista deflagrado pela categoria profissional contra a privatização das empresas que compõem o sistema Eletrobras, pois não se verifica dissídio trabalhista, ou seja, conflito entre empresa e trabalhadores. A política de privatização do setor elétrico não é de autoria da Eletrobras, nem das empresas estatais, mas do poder público, de modo que as reivindicações dos trabalhadores não podem ser negociadas pelas empresas. Assim, vislumbrando a ocorrência de greve com motivação estritamente política, a SDC, por maioria, julgou procedente o pedido de abusividade do movimento, vencidos os Ministros Mauricio Godinho Delgado, relator, e Kátia Magalhães Arruda. TST-DCG-1000418-66.2018.5.00.0000, SDC, rel. Min. Mauricio Godinho Delgado, red. p/ acórdão Min. Ives Gandra da Silva Martins Filho, 11.2.2019”.

Recentemente, foi notícia nos jornais a greve dos trabalhadores da Petrobrás por solidariedade aos empregados da empresa Araucária Nitrogenados (Ansa), instalada no Paraná. A motivação da greve foi o anúncio do encerramento das atividades da empresa e, consequentemente, colocando em situação de desemprego, segundo informações jornalísticas 396 empregados com 1000 pessoas atingidas. A reação local foi imediata e atingiu a preocupação de todos os trabalhadores da empresa, inclusive com ocupação surpresa de parte do imóvel da Petrobrás no RJ.

Contrariamente aos exemplos de outros países, recentemente a França, a judicialização do conflito parece ser sempre a primeira “solução”. Claro que não se pretende aqui questionar a competência da Justiça do Trabalho e a efetividade de sua decisão. Neste caso, a fim de que houvesse a determinação de retorno ao trabalho, foi instaurado dissídio de greve perante o TST (DC – 1000087-16.2020.5.00.0000) com fundamento em motivação política (greve de solidariedade).

Neste caso, vale a lição de Pedro Romano Martinez (Direito do Trabalho. Almedina.9º edição. 2019) que, para conceituar juridicamente a greve como forma de pressão diz que “Na medida em que a greve funciona com meio de pressão para atingir certos fins, se as pretensões não podem ser satisfeitas pelo empregador, não se pode qualificar a situação como de verdadeira greve. Os fins comuns devem estar na disponibilidade de satisfação por parte do empregador.” Portanto, a motivação do movimento paredista é que deveria definir a natureza estritamente política da greve e se assim for não cabe a competência judicial para julgamento.

As manifestações de greve geral contra política governamental, contra o desmatamento da Amazônia ou contra a privatização têm caráter estritamente político e, considerando a liberdade de manifestação assegurada pela Carta Maior, tal greve não é passível de julgamento pelo Poder Judiciário, sob pena de se ofender direito constitucional fundamental. Excetuam-se, por óbvio, os abusos que venham a ser praticados.

Quando a greve é deflagrada em serviços essenciais (artigo 14, Lei nº 7.783/89) a responsabilidade da gestão é dos trabalhadores e respectivos sindicatos cuja desobediência autoriza o empregador a adotar medidas de urgência para a manutenção de serviço à comunidade e, ao Ministério Público do Trabalho, requerer a instauração de dissídio de greve.

A propósito do retorno da determinação de retorno ao trabalho é incompatível com a resistência que caracteriza movimento paredista que se caracteriza pela cessação coletiva quando os objetivos forem atingidos ou negociados. A propósito, o jornal Le Monde Diplomatique,deste mês de fevereiro, publicou artigo do Professor Xavier Vigna, Professor de História Contemporânea da Universidade de Paris-Nanterre (“Tenir une grève), que trata da duração dos movimentos grevistas e de que forma os trabalhadores europeus se organizam ou se organizaram ao longo dos tempo para a sustentação da paralisação, os esforços e a solidariedade dos grupos.

Vale também refletir sobre os efeitos e a efetividade de uma decisão judicial de natureza coletiva que impõe multas em razão de sua desobediência, determina o retorno ao trabalho e autoriza sanções a trabalhadores, transformando a autonomia da vontade coletiva em situações punitivas de caráter individual com aval judicial.

Fica evidente que a expectativa de tal decisão, que resolve o processo mas não atende o conflito, caminha na promoção do aumento de conflitos individuais de pouco resultado prático e sem necessária construção de algo mais importante para o futuro da empresa.

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