Ambiente Jurídico

O aquecimento global e o protocolo de Kyoto ​​​​​​​(parte 1)

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26 de dezembro de 2020, 15h51

Spacca

Os raios solares aquecem a Terra e parte da radiação infravermelha, percebida como calor, é refletida pela superfície terrestre e absorvida por determinados gases presentes na atmosfera, os chamados gases do efeito estufa; parte do calor é mantido próximo à superfície terrestre, em vez  de perder-se no espaço; e o planeta se mantém aquecido, permitindo a vida na Terra.

O clima e o padrão de elementos atmosféricos têm relação com a inclinação do eixo de rotação do planeta e com a variação da temperatura, precipitação, vento, correntes marítimas, vegetação, umidade em escala local e em escala global. As mudanças climáticas são alterações do clima em nível global devido a causas naturais que, mais recentemente, ganharam velocidade e intensidade devido à ação humana. Há um consenso de 97% na comunidade científica de que o aumento na temperatura da Terra observado desde a Revolução Industrial é causado pelo aumento nos níveis de gases de efeito estufa (GEE), ligado principalmente à queima de combustíveis fósseis e ao desmatamento[1].

Não enfoco aqui a causa e os efeitos; parto apenas da constatação de que o aquecimento global é uma realidade e que a atividade humana, que tem parte em sua ocorrência, pode ter parte em sua redução. Essa redução depende de uma alteração na atividade humana, no sistema de produção e consumo, na elaboração de leis e na fiscalização, e se divide grosso modo em duas linhas de atuação. A linha mais tradicional é denominada ‘comando e controle’, baseada na edição de leis, na educação e em um sistema sólido de fiscalização, controle e sanções; é uma atuação necessária e é a mais usada nos vários países e no Brasil. A segunda linha de atuação se baseia no chamado ‘sistema de mercado’ e se baseia na criação de incentivos fiscais e econômicos que atribuam valor à recomposição, à preservação e à substituição dos combustíveis fósseis; mais que uma atuação vinda de fora (leis, fiscalização e sanção), atuam de dentro, por interesse dos próprios agentes econômicos. Vários mecanismos de mercado, passíveis de negociação em bolsa, transferência e apropriação, foram previstos no Protocolo de Quioto.

A Conferência das Nações Unidas para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, também conhecida como  Cúpula da Terra ou Rio-92, deu origem a três Convenções assinadas por quase todas as nações: a Convenção sobre Diversidade Biológica, a Convenção para o Combate da Desertificação e Convenção-Quadro sobre a Mudança Climática, que entrou em vigor em 1994 e reconheceu a existência das mudanças climáticas, que os países devem atuar para sua redução, os países desenvolvidos são responsáveis por uma maior redução dos GEE e devem financiar a redução e o desenvolvimento nos países mais pobres[2].

O Protocolo de Kyoto foi adotado em 11-12-1997 e entrou em vigência em 2005, subscrito por 192, países indicando metas quantitativas de redução de emissão [e, por outro lado, as quantidades permitidas de emissão] para os diversos países, a serem cumpridas por ação interna. O Protocolo disciplina a redução de seis GEE (dióxido de carbono, metano, óxido nitroso e três gases industriais de vida longa), mas as metas são expressas sempre em toneladas de CO2, conversível para os demais gases através de uma tabela que mede a relação da intensidade e duração do efeito estufa por eles causados. Criou também mecanismos flexíveis para permitir a redução de emissões dos países desenvolvidos e financiar a preservação nos países pobres, baseados no comércio de emissões. São três mecanismos: o Comércio Internacional de Emissões, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo e a Implantação Conjunta[3].

O Comércio Internacional de Emissões, previsto no art. 17, permite que os países industrializados comprem de outros, ou vendam as sobras das suas quotas definidas pelo Protocolo de Kyoto. Este comércio está restrito aos países industrializados, em que o governo de cada país pode permitir às companhias que nele operam a compra ou venda das quotas de emissão, dividida em ‘unidades atribuídas’. Foi criado um novo ‘produto’ na forma da redução ou remoção de emissões; e como o dióxido de carbono é o GEE principal, passou-se a falar apenas em comércio de carbono ou ‘mercado de carbono’. Há outras unidades que podem ser transferidas, de acordo com o Protocolo[4].

O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), previsto no art. 12, permite que os países industrializados adquiram créditos de emissão (direitos de emissão), através do financiamento de medidas de redução das emissões em países em desenvolvimento que não têm metas de redução. Estas medidas também contribuem para o desenvolvimento sustentável dos países beneficiários. Regulamentos detalhados foram criados para garantir o cumprimento dos requisitos previstos. Esses projetos devem reduzir emissões adicionais à que seriam naturalmente reduzidas, são aprovados por uma Autoridade Nacional Designada e dão origem a Certificados de Redução de Emissões – CER. Em operação desde 2006, o MDL registra mais de 1,650 projetos e dever produzir CER estimados em mais de 2,9 bilhões de toneladas equivalentes de CO2[5] [6].

A Implementação Conjunta, prevista no art. 6º, implica em que um país industrializado pague para que sejam implantadas medidas de redução num outro país industrializado; o mecanismo dá ao país financiador a possibilidade de emitir mais, enquanto o país beneficiado se beneficia do investimento estrangeiro e da transferência de tecnologia. O projeto, a ser aprovado e fiscalizado por um Comitê Supervisor, permite a emissão de Unidades de Redução de Emissão – URE em favor do país financiador e utilizado para o atingimento de sua meta[7].

No próximo artigo analisaremos um desses mecanismos, o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) e o mercado dos créditos de carbono.

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