Última sessão

Napoleão Nunes Maia se despede do STJ e deixa legado de busca por Justiça

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18 de dezembro de 2020, 11h00

O ministro Napoleão Nunes Maia Filho participou de sua última sessão como membro do Superior Tribunal de Justiça na manhã desta sexta-feira (18/12). A partir de segunda-feira, estará aposentado após 49 anos atividade jurídica, 29 de magistratura e 13 de ministro. Deixa um legado de busca por justiça na atividade judicante.

Sergio Amaral/STJ
"Não sou refém de nenhuma regra. Sou a favor do que a justiça pede", diz ministro Napoleão Nunes Maia Filho

Em sua atuação no STJ, constantemente se engajou em embates jurídicos nos julgamentos da 1ª Turma, 1ª Seção e Corte Especial do tribunal que demonstraram suas posições garantistas, principalmente quanto a matéria sancionadora, e de elevada preocupação social. Em nome da busca por justiça, passou por cima de óbices processuais e jurisprudenciais. Não raro, ficou vencido.

É um ministro que não aplica a Súmula 7 — a que impede reanálise das provas — de olhos fechados. Defende que, se a questão de fundo for séria e relevante, a admissibilidade deve ser suplantada. Que se for possível extrair algo, o recurso deve ser conhecido e analisado. Principalmente quando envolve fato novo, o que define como "um canhão que detona as muralhas do conhecimento".

"Não sou refém de nenhuma regra. Sou a favor do que a justiça pede, mesmo que tenha que enfrentar as regras, como por vezes faço", resumiu, em julgamento de 2018.

A postura se estende aos casos de embargos de divergência analisados pela 1ª Seção e Corte Especial os quais, constantemente, são barrados preliminarmente por falta de similitude entre os acórdãos embargado e paradigma. Critica o fato de a similitude ser estimada como se fosse uma identidade.

STJ
Ministro Napoleão Nunes Maia, em sessão da 1ª Turma do Superior Tribunal de Justiça
STJ

E explica: só existe identidade quando todos elementos componentes de um conjunto são iguais. Já para existir semelhança, basta que só um deles seja igual. É por isso que a admissão de embargos de divergência depende muito da sensibilidade com que se analisa a questão de fundo. "É uma questão um tanto quanto voluntarista", sugere.

E também dá exemplo. Afirma que é possível dizer que ele próprio é semelhante à ministra Maria Thereza de Assis Moura porque ambos têm longos cabelos brancos. Da mesma forma, é semelhante ao ministro Herman Benjamin, porque ambos usam óculos. Conforme a comparação foi feita, em sessão da Corte Especial de 1º de julho, os ministros presentes caíram na risada.

O bom-humor é outra marca do ministro Napoleão durante os trabalhos, sempre permeados de comentários com referências à cultura nordestina, a qual faz parte e tanto difunde. Autor de 16 livros de poesia, integra a Academia Cearense de Letras, a mais antiga das academias de letras do Brasil. Ocupa cadeira em que foi de Rachel de Queiroz.

É também leitor de biografias, de filosofia e de história das religiões, que são fontes constantes de citações durante os debates nas sessões. Entre os colegas, é exaltado como um ministro extremamente culto e com elevada carga humanística em sua formação. Talvez por isso, o garantismo.

Humberto Eduardo de Sousa
Ministro Napoleão Nunes Maia palestra em evento organizado pela ConJur, em 2019
Humberto Eduardo de Sousa

Critica o que define como o "Direito Administrativo do Medo", em referência ao livro de Rodrigo Valgas dos Santos. Reclama do crescimento vertiginoso da atividade judicante da administração, em que ela é ao mesmo tempo vítima, investigadora, juíza e executora. Já propôs que a aplicação de sanção fosse retirada da administração e levada ao Judiciário. "É uma quimera. Não vai acontecer", lamenta.

Afirma que a contenção dos poderes estatais é a síntese fundamental dos institutos que compõem as disciplinas do Direito Público. "As regras do Direito Tributário são para tutelar o contribuinte contra demasias do poder estatal tributante, e não para instrumentar suas investidas sobre os patrimônios dos contribuintes", exemplifica.

Diz que no Brasil está instaurado um descarte das garantias e dos direitos em matéria sancionadora. Defende apuração criteriosa das acusações feitas. Dentre as citações para esta matéria, usa Padre Antonio Vieira, missionário em terras brasileiras e defensor dos índios: "Nenhuma inocência está a salvo de uma denúncia mentirosa". Em sessão recente da Corte Especial, desabafou sobre o tema.

"Inquéritos são requeridos ao STF contra magistrados sem base em nada. Em nada. Em coisa alguma. As pessoas que operam na Justiça são acusadas de coisas que alguém pensa, a ponto de se dizer que determinada conduta judicante é motivada por este ou aquele motivo. Quem é que não tem medo disso? Eu conheço uma pessoa que vejo todo dia de manhã no espelho que foi vítima disso, que isso desgastou o conceito dessa pessoa", disparou.

Lucas Pricken
Ministro Napoleão é tido por colegas como magistrado extremamente culto e e com elevada carga humanística em sua formação
Lucas Pricken

O ministro Napoleão Nunes Maia nasceu no município de Limoeiro do Norte (CE) e se formou em direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC), onde também obteve o título de mestre. Foi advogado, procurador do estado do Ceará, juiz federal, membro do Tribunal Regional Eleitoral do Ceará e desembargador do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF5), do qual exerceu a vice-presidência.

Ao chegar ao STJ, integrou a 5ª Turma e 3ª Seção, além a Comissão de Regimento Interno. Foi ouvidor do tribunal, suplente do Conselho da Justiça Federal e membro do Tribunal Superior Eleitoral.

Como professor, lecionou nas áreas de processo civil e direito público nas Universidades Federais do Ceará e de Pernambuco. Tem livros publicados sobre teoria econômica e direito público, direito civil, direito constitucional e processual.

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