Durante epidemia

Juiz proíbe CFM de punir médico que faz perícia indireta em ação previdenciária

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26 de agosto de 2020, 15h47

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Segundo juiz, CFM não pode punir médico que faça perícia virtual
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A 20ª Vara Federal de Porto Alegre proibiu o Conselho Federal de Medicina (CFM) de adotar medidas disciplinares contra médicos que realizam prova técnica simplificada ou perícia virtual ou indireta em processos judiciais envolvendo benefícios previdenciários e assistenciais.

A medida vale enquanto durar a pandemia de Covid-19. A liminar, publicada no início de agosto, foi proferida pelo juiz Carlos Felipe Komorowski.

O mérito da ação civil pública, ajuizada pelo Ministério Público Federal (MPF), ainda será julgado pela Vara. Da decisão, cabe recurso ao Tribunal Regional Federal da 4ª Região.

Ação civil pública
O MPF afirmou que a epidemia causada pelo novo coronavírus provocou a decretação de estado de calamidade pública em nível nacional, além de diversas medidas com vistas ao distanciamento social, como forma de prevenir a transmissão do vírus. No âmbito jurisdicional, o Conselho Nacional de Justiça publicou a resolução estabelecendo o regime de plantão extraordinário em todo o Poder Judiciário, mas garantindo, expressamente, a apreciação, no período, dos processos de benefícios previdenciários por incapacidade e assistenciais.

Segundo a inicial da ACP, para garantir a continuidade de tramitação desses processos, foram adotadas modalidades diferenciadas de provas, como a prova técnica simplificada, a perícia fracionada e a perícia médica em formato virtual ou eletrônico. Entretanto, o CFM aprovou o Parecer 3/2020, com a conclusão de que o médico perito judicial que utiliza recurso tecnológico, sem realizar o exame direto no periciando, afronta o Código de Ética Médica e demais normativas emanadas do Conselho Federal de Medicina.

O autor ainda apontou que CFM também aprovou o Parecer 10/2020, com a seguinte ementa: “Em ações judiciais em que sejam objeto de apreciação pericial, a avaliação da capacidade, dano físico ou mental, nexo causal, definição de diagnóstico ou prognóstico, é vedado ao médico a realização da perícia sem exame direto do periciando ou sua substituição por prova técnica simplificada”. Para o MPF, estes pareceres estão em desacordo com o ordenamento jurídico.

Em sua defesa, o CFM alegou que a demora nos processos não é de responsabilidade dos peritos médicos, tampouco decorreu da pandemia da Covid-19, pois já estava configurada anteriormente a esse evento. Ressaltou sua competência para tratar das questões éticas ligada à Medicina, não cabendo a outra entidade tratar, analisar e normatizar tal matéria. Em relação à telemedicina, afirmou a lei que normatiza a matéria não menciona a possibilidade de teleperícia.

Perícia médica é essencial
Ao analisar o caso, o juiz federal substituto Carlos Felipe Komorowski pontuou que os benefícios previdenciários por incapacidade e assistenciais são de extrema importância para a população. “Num país de profundas desigualdades sociais, sem tradição de promoção efetiva da segurança do trabalho e com saúde pública longe dos padrões ideais, esses benefícios consistem na fonte de renda de milhões de pessoas”, destacou.

Segundo o magistrado, o mais recente Boletim Estatístico da Previdência Social, de maio de 2020, informa que são pagos 3,54 milhões de aposentadorias por invalidez, 961,5 mil auxílios-doença e 2,59 milhões de amparos assistenciais ao portador de deficiência. Ele afirmou que a grandiosidade desses números também é observada no Poder Judiciário, já que, conforme dados divulgados pelo sistema Justiça em Números do CNJ, ingressaram 3,77 milhões de novos processos versando sobre previdência social em 2019.

“A solução desses casos, quase sempre, exige perícia médica judicial, comparecendo o(a) autor(a) no consultório da(o) médica(o) perita(o) ou em sala de perícias na unidade judiciária”, destacou. Entretanto, lembrou que os exames não estão ocorrendo em função da pandemia do Covid-19, que impôs o regime de plantão extraordinário no Poder Judiciário, quadro que se manterá, na Justiça Federal da 4ª Região, pelo menos até 31 de agosto.

Na esfera administrativa, observou o juiz, as perícias também estão suspensas e a autarquia previdenciária tem concedido os novos requerimentos de benefícios por incapacidade a partir da análise documental. “No âmbito judicial, contudo, por decorrência do contraditório, da ampla defesa e de todo o conjunto normativo com vista à imposição da tutela, a melhor decisão dos processos depende da opinião do perito em cada caso, e a suspensão das perícias tem imposto a milhares de pessoas em todo o Brasil a espera, já por longo tempo, pela solução dos seus pedidos nessa matéria vital”.

Para enfrentar este impasse, de acordo com o Komorowski, mesmo que temporariamente, algumas ideias surgiram. A Corregedoria Regional da Justiça Federal da 4ª Região recomendou as perícias indiretas, sem prejuízo da posterior complementação com a realização dos exames físicos; o CNJ regulamentou a teleperícia; e o Centro de Inteligência da Justiça Federal do Paraná, a partir da permissão no Código de Processo Civil (CPC), sugere a prova técnica simplificada.

Resistência do CFM
O magistrado pontuou que esses movimentos, entretanto, encontraram resistência por parte do CFM, que entende configurar infração ética. Mas, para ele, a razão está com o MPF.

Ele lembrou que a Região Sul está chegando ao seu pior estágio na epidemia, prevendo-se que a normalização dos serviços judiciais ainda poderá demorar longos meses. Por isso, é imprescindível restabelecer de imediato o andamento das ações de benefícios por incapacidade.

Komorowski analisou as medidas adotadas pelo Judiciário para dar andamento às ações envolvendo os benefícios previdenciários, concluindo que não se tratam de providências de exceção para o enfrentamento da calamidade pública. Ele pontuou, por exemplo, que a perícia indireta sem o exame da pessoa objeto é utilizada de forma corriqueira nos processos de partes já falecidas, com análise estritamente documental ou, raramente, também com depoimentos.

Em relação à prova técnica simplificada, o magistrado afirmou que, como previsto no CPC, ela pode substituir a perícia quando o ponto controvertido for de menor complexidade e consistirá apenas na inquirição de especialista sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.

“Já a telemedicina e a teleperícia, regulamentadas de forma temporária pelo CNJ, representam problema de maior densidade. Por ora, basta afastar, igualmente, a qualificação de infração ética pela atuação da(o) perita(o) nos termos em que prevista na resolução do CNJ, afinal expressamente amparada em ato normativo baixado pelo órgão máximo de controle administrativo do Poder Judiciário, no exercício das suas competências constitucionais”, sublinhou.

Com esta fundamentação, Komorowski deferiu parcialmente a medida liminar para determinar que o CFM não adote medidas disciplinares contra médicos que realizem prova técnica simplificada, perícia virtual/teleperícia ou perícia indireta em processos judiciais que tenham por objeto benefícios previdenciários e assistenciais, durante a epidemia de Covid-19. Com informações da Assessoria de Imprensa da Justiça Federal do RS.

Clique aqui para ler o despacho liminar
5039701-70.2020.4.04.7100 (RS)

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