MP no debate

A autonomia das instituições e a nomeação do Procurador-Geral da República

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17 de agosto de 2020, 8h00

Em meu último artigo neste espaço, redigido logo após a saída do ministro Sergio Moro do governo, tratei da pretensão da Polícia Federal em participar da escolha de seu chefe, a exemplo do que ocorre em várias instituições.

Como é sabido, o presidente Jair Bolsonaro, demonstrando total desconhecimento sobre as funções da Polícia Federal, dizendo-se preocupado com possíveis perseguições a familiares e correligionários, afirmou que necessitava de entendimento pessoal com o Diretor Geral, chegando a afirmar em reunião ministerial: "tenho que todo o dia ter um relatório do que aconteceu, em especial nas últimas 24 horas, para poder decidir o futuro dessa nação."

Volto a tratar do tema em razão de reiteradas análises críticas sobre a atuação do Procurador-Geral da República, nomeado diretamente pelo chefe do Executivo que ignorou a lista tríplice elaborada pelo Ministério Público Federal.

Não se nega que a nomeação do atual Procurador-Geral da República é legítima na medida em que não há obrigação legal de o Presidente da República prestigiar a lista elaborada pela classe.

Trata-se de uma decisão política.

Antes de Bolsonaro, os Procuradores-Gerais saíram das listas tríplices. Na maioria das vezes, os presidentes nomearam o mais votado.

Os presidentes anteriores, ao nomear integrante da lista tríplice, sempre afirmaram que assim agiam para prestigiar a instituição e, mais que isso, para preservar sua autonomia.

O rompimento da praxe e algumas posições do atual Procurador-Geral fizeram aumentar (a pretensão sempre houve) no Ministério Público Federal o movimento para mudança constitucional para impor a necessidade de escolha pela própria instituição. Neste ponto, há duas posições: a) o Procurador Geral deve ser escolhido pela própria classe (o mais votado necessariamente é nomeado); b) o Procurador Geral será nomeado entre os três integrantes de lista elaborada pela classe.

Nos Ministérios Públicos estaduais em que se adota o segundo modelo, não é infrequente que a nomeação não se dê no nome mais votado o que, invariavelmente, provoca reações internas, nem sempre expressivas, diga-se.

A forma de nomeação não é garantia de atuação independente.

Ainda que seja o mais votado, não é impossível que o Procurador Geral, mostre-se servil ao Governador do Estado. Aliás, são frequentes as críticas- justas ou injustas- neste sentido.

O mesmo pode ocorrer no Ministério Público Federal, ainda que se consiga a pretendida mudança constitucional.

A atuação independente e republicana do Procurador Geral da República pode se dar em qualquer circunstância, seja a forma que for a sua nomeação.

Em verdade, quem chega ao alto cargo de Procurador Geral deve ter como primeira preocupação a própria biografia, sem se preocupar em agradar quem quer que seja.

O Ministério Público (assim como o Poder Judiciário) sistematicamente é criticado por ser corporativista.

Bem por isso, há quem afirme que não se pode deixar à própria instituição a escolha de seu chefe. Alguém escolhido exclusivamente pela classe, sustentam esses críticos, seria pautado por interesses meramente corporativistas.

Como já salientado acima, não há forma perfeita.

Um grande avanço já foi conseguido e parece irreversível: houve tempo, que não traz qualquer saudade, que o chefe do Ministério Público era demissível ad nutum, ou seja, não tinha mandato (este problema dificulta muito a atuação do chefe da Polícia Federal).

Para se ter uma ideia do problema: no ano em que ingressei no Ministério Público de São Paulo (1976) foram três os Procuradores Gerais (curioso que alguns membros do Ministério Público, que não viveram este tempo, apoiem propostas de grupos saudosistas).

O atual perfil do Ministério Público exige uma gestão voltada para o interesse público e que possa, eventualmente, fazer frente a abusos da classe dirigente.

A nomeação como Procurador-Geral de quem não tenha a mínima liderança na classe dificulta, para não dizer impossibilita, uma condução altiva da instituição.

No caso do atual Procurador-Geral da República a falta de liderança é manifesta, como ficou claramente demonstrado na última reunião do Conselho Superior do Ministério Público Federal. Em recente eleição interna, foi fragorosamente derrotado e não disfarça a pretensão de agradar mais a quem o nomeou em detrimento dos interesses da própria instituição que chefia, não disfarçando sequer a sua intenção de deixar o Ministério Público para chegar ao Supremo Tribunal Federal.

Ainda assim, penso que a luta do Ministério Público Federal deva ser pela exigência da lista tríplice, seja porque, realisticamente, tem mais viabilidade política de aprovação, seja porque afasta as constantes críticas de excesso de poder conferido ao Ministério Público.

A experiência nos Estados me parece a mais adequada.

Em princípio, só chega a integrar lista tríplice quem, ao longo da carreira, demonstrou liderança e representa importante corrente de pensamento da instituição.

De outro lado, parece razoável que o Chefe do Executivo, legitimado pelo voto popular, tenha a possibilidade de escolher entre três nomes indicados pela classe aquele que, a seu juízo, apresenta as melhores credenciais.

De qualquer forma, sempre cabe aos membros do Ministério Público exigir uma atuação republicana do seu chefe.

Feitas estas observações, desejo sucesso ao Ministério Público Federal em sua luta para a legitimação de sua chefia.

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