"Fala infeliz"

Acuado por fortes reações, Eduardo Bolsonaro agora pede desculpas

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31 de outubro de 2019, 19h21

O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) publicou um terceiro vídeo nesta quinta-feira (31/10) e pediu desculpas após dar declarações sobre o AI-5. Um dos filhos do presidente disse que houve uma "interpretação deturpada" do que foi falado e afirmou que não há uma proposta para a volta do ato institucional decretado durante a ditadura militar e que afronta a Constituição de 1988.

Câmara dos Deputados
Câmara dos Deputados
O deputado federal Eduardo Bolsonaro 

"Eu peço desculpas a quem porventura tenha entendido que estou estudando o retorno do AI-5 ou achando que o governo, de alguma maneira, estaria estudando qualquer medida nesse sentido. Essa possibilidade não existe. Agora, muito disso é uma interpretação deturpada do que eu falei", disse.

Nesta quinta mesmo, porém, publicou anteriormente dois vídeos ratificando atos autoritários. Em um deles, exaltou, como o pai durante o impeachment da presidente Dilma Rousseff, o torturador coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, um dos mais sanguinários dos porões da ditadura.

A crise veio a partir de uma entrevista à jornalista Leda Nagle, feita na segunda-feira (28/10) e publicada na manhã desta quinta, em que o deputado havia dito que, caso acontecesse uma radicalização da esquerda, a resposta poderia vira via "um novo AI-5".

"Eu talvez tenha sido infeliz de falar no AI-5, porque não existe qualquer possibilidade de retorno do AI-5, mas, nesse cenário [caso de protestos como no Chile], o governo tem que tomar as rédias da situação."

Eduardo foi fortemente criticado pelas lideranças do Congresso e também pelo seu pai, o presidente Jair Bolsonaro. Ganhou a condescendência pública dentro do governo apenas do general da reserva e ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno.

Veja o 3º vídeo publicado por Eduardo nesta quinta

Rodrigo Maia
A afirmação desastrosa de Eduardo foi repudiada pelos presidentes da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ); do Senado, David Alcolumbre (DEM-AP); e pelo 1º vice-presidente da Câmara, Marcos Pereira (SP), do Republicanos, base parlamentar do governo.

Rodrigo Maia pronunciou-se sobre o caso e disse que o caso é passível de punição. Ressaltou que a Constituição criminaliza e tem instrumentos para punir quaisquer grupos ou cidadãos que atentem contra seus princípios. 

"Uma Nação só é forte quando suas instituições são fortes. O Brasil é um Estado Democrático de Direito e retornou à normalidade institucional desde 15 de março de 1985, quando a ditadura militar foi encerrada com a posse de um governo civil. Eduardo Bolsonaro, que exerce o mandato de deputado federal para o qual foi eleito pelo povo de São Paulo, ao tomar posse jurou respeitar a Constituição de 1988. Foi essa Constituição, a mais longeva Carta Magna brasileira, que fez o país reencontrar sua normalidade institucional e democrática. "O Brasil é uma democracia. Manifestações como a do senhor Eduardo Bolsonaro são repugnantes, do ponto de vista democrático, e têm de ser repelidas como toda a indignação possível pelas instituições brasileiras. A apologia reiterada a instrumentos da ditadura é passível de punição pelas ferramentas que detêm as instituições democráticas brasileiras. Ninguém está imune a isso. O Brasil jamais regressará aos anos de chumbo", disse Rodrigo Maia por meio de nota.

Alcolumbre
O presidente do Senado, Davi Alcolumbre, também repudiou a fala de Eduardo Bolsonaro. Classificou como "lamentável" e "absurda"  a declaração do filho do presidente. 

"Como presidente do Congresso Nacional da República Federativa do Brasil, honro a Constituição Federal do meu país, à qual prestei juramento, e ciente da minha responsabilidade, trabalho diariamente pelo fortalecimento das instituições, convicto de que o respeito e a harmonia entre os poderes é o alicerce da democracia, que é intocável sob o ponto de vista civilizatório. É lamentável que um agente político, eleito com o voto popular, instrumento fundamental do Estado democrático de Direito, possa insinuar contra a ferramenta que lhe outorgou o próprio mandato. Mais do que isso: é um absurdo ver um agente político, fruto do sistema democrático, fazer qualquer tipo de incitação antidemocrática. E é inadmissível esse afronta à Constituição. Não há espaço para que se fale em retrocesso autoritário. O fortalecimento das instituições é a prova irrefutável de que o Brasil é, hoje, uma democracia forte e que exige respeito", disse o presidente do Senado.

Base aliada
Da base aliada do governo, o partido Republicanos, antigo PRB, que já teve a Vice-Presidência da República com José Alencar, também repudiou a fala de Eduardo. Por meio de nota, o deputado federal Marcos Pereira (SP), 1º vice-presidente da Câmara, informou: "O partido Republicanos repudia veementemente a declaração do deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho do presidente da República, Jair Bolsonaro (PSL), sugerindo a edição de um novo Ato Institucional nº 5, nos moldes do que ocorreu no período da ditadura militar. Convém lembrar que o AI-5 foi o mais severo dos chamados Atos Institucionais — conjunto de normas baixadas pelo governo durante a ditadura — no período do governo militar no Brasil. Assinado pelo presidente Costa e Silva em 1968, o texto autorizou o chefe do Executivo a fechar o Congresso Nacional e as assembleias legislativas estaduais, a perseguir ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) e instituiu a censura prévia à imprensa e a manifestações culturais. Ressalta-se, ainda, que atentar contra a democracia é crime, como prescreve o artigo 5º da Constituição Federal". 

Mourão e STF
“Por mais imperfeito que seja o sistema democrático, já dizia Winston Churchill [ex-primeiro-ministro do Reino Unido]: ‘é o melhor de todos’”, declarou o vice-presidente Hamilton Mourão durante uma palestra na Associação Empresarial de Jaraguá do Sul (SC).

O ministro Marco Aurélio Mello foi o único do Supremo Tribunal Federal a se pronunciar. Para ele, a declaração de Eduardo indica que os "ares democráticos" estão sendo levados embora. "A toada não é democrática-republicana. Os ventos, pouco a pouco, estão levando embora os ares democráticos", afirmou em mensagem à Folha de S.Paulo.

OAB
O Conselho Federal da OAB também se pronunciou, por meio de seu presidente. Felipe Santa Cruz condenou as falas e ressaltou que são flerte com estados totalitários. 

"É gravíssima a manifestação do deputado, que é líder do partido do presidente da república. É uma afronta à Constituição, ao Estado democrático de direito e um flerte inaceitável com exemplos fascistas e com um passado de arbítrio, censura à imprensa, tortura e falta de liberdade", disse por nota.

O Instituto Vladimir Herzog, de direitos humanos e criado a partir da morte do jornalista torturado pela ditadura nos anos 1970, disse que a fala de Eduardo é "uma inaceitável ameaça à democracia e às instituições brasileiras". "Como se não bastasse, a Constituição Federal, em seu artigo 5º, e o Código Penal, em seu artigo 286, determinam que qualquer apologia, propaganda ou defesa da ditadura é crime e, portanto, deve ser tratada como tal."

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