Nepotismo em concreto

TJ-SP condena por improbidade prefeito que criou secretaria para abrigar sobrinhas

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16 de outubro de 2019, 21h58

A 10ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo condenou, na segunda-feira (14/10), o prefeito de Álvares Florence por improbidade administrativa. Calimério Correa Sales (MDB) foi condenado por ter criado duas secretarias, de Governo e de Promoção Social, para abrigar duas sobrinhas formadas em Direito, mas sem nenhuma experiência profissional nas áreas que cuidariam.

Prefeitura de Álvares Florence
Nomear parentes sem experiência na área para cargos políticos é nepotismo, diz TJ-SP
Prefeitura de Álvares Florence

De acordo com a decisão, a nomeação das sobrinhas é nepotismo e afronta os princípios da moralidade e da impessoalidade na administração pública, descritos no artigo 37 da Constituição Federal. Ficou definido que, embora a Súmula Vinculante 13 do Supremo Tribunal Federal diga que a nomeação para cargos políticos não se enquadra como nepotismo, se ficar comprovado o desvio de função e a nomeação de pessoas despreparadas e sem experiência apenas com base no parentesco, fica caracterizado o nepotismo.

Calimério foi afastado do cargo em setembro deste ano, por decisão do juiz Rodrigo Ferreira Rocha, da 2ª Vara Cível de Votuporanga, que julgou outra acusação, referente ao segundo mandato. A decisão de segunda do TJ-SP se refere a fatos de 2013. O juiz de Votuporanga também bloqueou R$ 3,2 milhões do prefeito.

Caso a condenação pelo TJ-SP transite em julgado, Calimério terá de ressarcir os cofres do município com os gastos com a criação das secretarias, perderá o cargo e ficará inelegível por até cinco anos. Mas ainda cabem recursos. As sobrinhas do prefeito também foram condenadas.

Venceu o voto do relator, o desembargador Marcelo Semer. A defesa do prefeito alegava que a Súmula Vinculante 13 do STF não reconhece a nomeação para cargos políticos como nepotismo. Mas, na interpretação de Semer, a qualificação de um ato como nepotismo depende do caso concreto, conforme precedentes do Supremo citados por ele no voto.

Em um desses precedentes, de setembro de 2014, o ministro Dias Toffoli afirma que, “em hipóteses que atinjam ocupantes de cargos políticos, a configuração do nepotismo deve ser analisado caso a caso, a fim de se verificar eventual ‘troca de favores’ ou fraude à lei”.

Em outro, de fevereiro de 2016, o ministro Luiz Fux afirma que, “ao mesmo tempo em que não se pode declarar de plano a ilegitimidade da nomeação da ocupantes para cargos políticos em razão exclusivamente da existência da relação de parentesco, também não se poder assentar, de imediato, a total inaplicabilidade da Súmula Vinculante nº 13 à ocupação de cargos políticos”.

De acordo com a decisão do TJ-SP, no caso de Afonso Florence, Calimério exonerou diversos servidores sob o argumento de que o município não teria condições de pagar os salários. Mas criou duas secretarias, com assessores e equipe, para abrigar as sobrinhas. O prefeito chegou a exonerar as sobrinhas das novas secretarias, por determinação judicial, mas as manteve como servidoras, e nas mesmas funções que exerceriam se fossem secretárias.

“Restou claro e manifesto, assim, o intuito de burlar a lei, em desvio de finalidade, ferindo os princípios administrativos da legalidade, impessoalidade e moralidade públicas”, afirma Semer, em seu voto. “As sobrinhas do prefeito não eram profissionais reconhecidas em suas respectivas áreas de atuação e, por acaso, também parentes do prefeito, mas, ao contrário, foram escolhidas para integrar a Administração tão somente por serem parentes do prefeito, o que se configura como nepotismo, vedado pela Constituição.”

Na primeira instância, Calimério foi condenado também pela demissão de diversos servidores. A dispensa foi considerada ilegal pelo Tribunal de Cotas de São Paulo, que condenou o município a pagar indenização aos servidores. Mas o TJ-SP considerou que não houve improbidade nesse caso: a gestão anterior de Afonso Florence de fato contratou dezenas de servidores a mais do que o necessário e o município já se aproximava do limite prudencial com gastos de pessoal descrito na Lei de Responsabilidade Fiscal.

Apelação Cível 1004819-18.2017.8.26.0664
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