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TRF-2 nega recurso da União e mantém edital da Ancine com projetos LGBT

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11 de outubro de 2019, 15h41

Por entender que a União não apresentou razões válidas para a suspensão do edital, o juiz federal convocado Alfredo Jara Moura, do Tribunal Regional Federal da 2ª Região, manteve nesta quinta-feira (10/10) liminar que determinou à Agência Nacional do Cinema (Ancine) a retomada de um processo de seleção de projetos audiovisuais a serem veiculados nas TVs públicas.

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TRF-2 entendeu que a União não provou irregularidades no edital
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A Portaria 1.576/2019 suspendeu o edital pelo prazo de 180 dias, prorrogável por igual período. Para o Ministério Público Federal, a norma foi motivada por discriminação contra projetos com temática relacionada a lésbicas, gays, bissexuais, transexuais e travestis, dentre os quais os documentários Sexo reverso, Transversais, Afronte e Religare queer, criticados pelo presidente Jair Bolsonaro (PSL) em vídeo publicado em 15 de agosto.

Na segunda (7/10), a 11ª Vara Federal do Rio de Janeiro concedeu tutela de urgência para obrigar a União a dar continuidade ao processo. A juíza Laura Bastos Carvalho avaliou que há indícios de que o Ministério da Cidadania agiu de forma discriminatória a homossexuais e transexuais ao suspender o edital.

A União interpôs agravo de instrumento. Em sua decisão, o juiz federal convocado afirmou que a União não conseguiu trazer novos elementos que justificariam a suspensão da liminar.

O governo federal argumentou que suspendeu os editais por falta de recursos, mas o julgador disse que isso também não foi comprovado. Alfredo Jara Moura destacou que a Portaria 1.576 apontava como motivo para a suspensão do edital a "necessidade de recompor os membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual", não mencionando nada sobre eventual escassez de recursos.

O juiz ainda ressaltou que a portaria não menciona possíveis irregularidades no edital, e a União não provou essa alegação.

Interferência no concurso
Coordenado pela Ancine, o concurso foi iniciado em março de 2018 e, em agosto de 2019, quando foi editada a portaria ministerial, estava em sua fase final. Englobava projetos variados, agrupados em 14 blocos temáticos — entre eles, “Diversidade de gênero” e “Sexualidade”.

Segundo as regras do edital, o ministro da Cidadania e o secretário especial de Cultura não participam legalmente do processo de seleção dos projetos. Contudo, ressalta o MPF, no dia seguinte ao vídeo de Bolsonaro, Osmar Terra determinou a elaboração de pareceres sobre minuta de portaria de suspensão do concurso, justificando, para tanto, que a medida era necessária para a recomposição dos membros do Comitê Gestor do Fundo Setorial do Audiovisual.

Ouvido pelo MPF, o ex-secretário especial de Cultura José Henrique Pires relatou que recebeu um pedido por parte do chefe de gabinete do ministro para que analisasse e se manifestasse “com urgência” sobre a minuta da portaria.

Segundo a testemunha, a minuta não se encontrava devidamente justificada e tratava-se, em seu entender, de “mais uma tentativa de chancelar o que o presidente havia dito, isto é, não veicular conteúdos que não lhe agradem”.

“O ministro, em declarações posteriores, disse que não tinha a obrigação de seguir o que um funcionário do governo anterior havia falado, mas isso não é verdade, pois o concurso em andamento era o resultado de um conjunto de deliberações feitas pelo Conselho Nacional de Cinema e pelo comitê gestor do FSA”, afirmou a testemunha.

O ex-secretário especial de Cultura disse ainda ter “alertado ao ministro que posições de censura poderiam causar problemas de ordem jurídica, sem falar no prejuízo causado às pessoas que, de boa fé, participaram do concurso, e que estão sem acesso aos recursos previstos”.

A falta de justificativa para a edição da portaria também foi apontada por escrito pelo órgão de controle interno do Ministério da Cidadania, mas mesmo assim Osmar Terra manteve a determinação de suspender o concurso em sua fase final.

Ato de improbidade
O MPF destaca na petição inicial que o verdadeiro motivo da suspensão do concurso foi impedir que os projetos mencionados por Bolsonaro vencessem o certame. Como não havia meio legal de impedir que somente os quatro projetos fossem excluídos da disputa em sua fase final, a “solução” encontrada foi a de sacrificar todo o processo.

De acordo com o MPF, além do dano ao erário causado pela suspensão do concurso, “a discriminação contra pessoas LGBT promovida ou referendada por agentes públicos constitui grave ofensa aos princípios administrativos da honestidade, imparcialidade, legalidade e lealdade as instituições”.

O órgão lembra que, em junho de 2019, o Supremo Tribunal Federal criminalizou a lgbtfobia. No julgamento, os ministros declararam que é inconstitucional qualquer discriminação em razão de sexualidade ou identidade de gênero.

Clique aqui para ler a íntegra da decisão
Processo 5009199-02.2019.4.02.0000

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