Tecnologia judicial

Presidente do TJ-SP fala sobre contrato com a Microsoft suspenso pelo CNJ

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12 de março de 2019, 6h55

Spacca
O Tribunal de Justiça de São Paulo tem um problema: produz mais dados do que é capaz de organizar e analisar. Por isso decidiu trocar toda a infraestrutura de tecnologia, inclusive os programas do processo eletrônico.

No dia 20 de fevereiro, anunciou a assinatura de um contrato com a Microsoft para migrar todos os seus sistemas para novas tecnologias de armazenamento em servidores remotos de propriedade da empresa ("em nuvem"), e não mais da corte. Tudo isso envolve o fim do e-SAJ, fornecido pela brasileira Softplan. O novo contrato é de quatro anos e custou R$ 1,32 bilhão.

Mas no dia 21 de fevereiro, o Conselho Nacional de Justiça suspendeu a compra. De acordo com liminar do conselheiro Márcio Schiefler, o TJ de São Paulo não poderia ter dispensado licitação para contratar o serviço e não poderia ter escolhido outro programa além do PJe sem autorização do CNJ. O programa foi definido pelo Conselho como padrão para o Judiciário brasileiro.

Em entrevista exclusiva à revista Consultor Jurídico, o presidente do TJ, desembargador Manoel Pereira Calças, explica que dispensou a licitação porque as demais concorrentes, Google e Amazon, não se enquadraram nos critérios definidos em parecer técnico elaborado pela Fundação Arcadas, da USP.

Foi o mesmo parecer que autorizou o tribunal a deixar de convocar o processo de concorrência e tocar tudo em sigilo — os integrantes da Comissão para Assuntos de Informática do TJ foram contra a contratação, mas o presidente dispensou o parecer da comissão, apenas conversou com os membros pessoalmente.

Calças diz que tudo foi feito para proteger a inovação e garantir que o tribunal tenha tecnologia de ponta disponível. E garante que obedeceu os limites da Lei de Licitações, da Lei de Acesso à Informação e da Lei de Inovação, sempre com base no parecer da USP, assinado por dois dos maiores administrativistas do país. Calças também é professor da USP, mas de Direito Comercial.

Leia a entrevista:

ConJur — Os sistemas de informatização dos tribunais estão defasados?
Pereira Calças —
Estão todos defasados, e isso impacta advogados e magistrados. De todos os que existem, o e-SAJ, da Softplan, ainda é o melhor. Mas é importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal não aceitou o PJe [sistema padrão adotado pelo CNJ; o STJ também usa outro software] até hoje. Eles possuem um sistema próprio. Com o contrato da Microsoft, queremos trazer para o Judiciário paulista inteligência artificial e tecnologia de nuvem para aposentar a necessidade de termos data center próprio. O tribunal atualmente tem que manter dois data center por cautela. E os nossos já deram vários problemas como quase incêndios e ataques cibernéticos. Os advogados, procuradores, juízes e desembargadores estão insatisfeitos, mas eu vou migrar para o PJe ou eProc? Preciso encontrar uma solução que efetivamente resolva o problema. Não é do meu feitio sentar na cadeira de presidente e não buscar soluções para os problemas do tribunal.

ConJur — E com relação ao sigilo? Por que todo o processo foi feito sem publicidade alguma?
Pereira Calças —
A negociação para inovação tecnológica não pode ser feita de forma que segredos industriais, mormente virtuais, sejam expostos publicamente. Eu estabeleci sigilo e comandei as negociações, sabendo que era um passo gigantesco para o tribunal avançar na prestação de serviços para advogados, juízes e toda a população brasileira.

ConJur — Quer dizer que o sigilo foi imposto ser uma questão de inovação?
Pereira Calças Sim, é um tema muito delicado, crítico até, e a Lei de Inovação permite a contratação direta nesses casos. É uma encomenda tecnológica. Tive todo o cuidado, mas também tive coragem e ousadia. Alguns desembargadores sofreram com a perda de votos quando houve invasão de hackers no sistema atual. Eu sabia que a nova contratação geraria desconforto, pois a Softplan colaborou muito para o tribunal chegar até onde chegou e isso vai continuar. O que não pode é um tribunal deste porte ficar algemado a uma única prestadora de serviços.

ConJur — Como fica essa mudança com relação à Softplan?
Pereira Calças —
A Softplan vai continuar prestando serviços por muitos anos, só haverá uma redução do escopo porque o novo contrato, com base na Lei de Inovação, tem como espírito trazer novas tecnologias. Isso é algo que vem sendo estudado há décadas. A Microsoft é parceira do tribunal há mais de 15 anos em contratos como o da utilização do Office 365. O objetivo desta nova contratação é fazer uma verdadeira revolução digital. Por ano, vamos gastar 40% a menos do que gastamos hoje.

Tudo foi feito com base em cálculos desse tipo. O custo anual do contrato da Softplan mais a infraestrutura de data center é de R$ 243 milhões por ano. Em cinco anos dá R$ 1,125 bilhão. Some-se a isso os R$ 950 milhões da renovação dos data center e chegamos a mais de R$ 2 bilhões. Então, tivemos um ano de estudos sigilosos para inovar sem perder o controle dos gastos. Este ano, chamamos Google, Amazon e Microsoft, que são as três maiores do mundo, para apresentar as suas propostas. E aí impusemos os requisitos: o código-fonte tem que ser do TJ; não aceitaríamos gastar nada para os estudos preparatórios que seriam necessários para a apresentação das propostas; e não poderia haver subcontratação. A única que cumpriu todos os requisitos foi a Microsoft.

ConJur — É verdade que a Comissão de Informática do TJ foi contra a contratação da Microsoft?
Pereira Calças —
Os desembargadores estão lá para me dar suporte. A criação de um sistema eletrônico processual leva dez anos e começar um novo do zero poderia significar mais dez anos de incertezas. Foi esse o argumento da comissão contra a contratação. Mas o sistema da Softplan foi considerado obsoleto pelo próprio CNJ.

ConJur — Que agora suspendeu o contrato da Microsoft.
Pereira Calças —
Monocraticamente. Não foi o Conselho que decidiu assim. Você só pode suspender uma decisão liminarmente se for evidente e teratológico o erro dela. Cautela e prudência contam a favor do juízo, é o que sempre ensino para meus alunos.

ConJur — E o senhor também ouviu a USP?
Pereira Calças —
Tivemos um parecer da Fundação Arcadas da USP, da lavra do diretor da faculdade, Floriano Peixoto de Azevedo Marques, junto com Fernando de Almeida. Não só com base na Lei de Licitações, essa fundação concluiu que o contrato dispensa licitações quando se trata de serviço notória especialização. Tal qual ocorreu com a Softplan, que não participou de licitação para prestar serviços para o Tribunal de Justiça nem para implementar o SAJ da Procuradoria-Geral do Estado. Contratamos a USP para fazer o parecer porque é a coisa mais limpa que poderia acontecer, a universidade é uma joia de São Paulo.

ConJur — A Comissão de Licitação e Contratos do tribunal foi ouvida?
Pereira Calças — Claro, e o secretário de TI acompanhou tudo desde o começo. A equipe toda de contratos foi ouvida, inclusive a advogada do TJ e um dos meus juízes de Direito Contratual.

*A ConJur faz parte do mesmo grupo empresarial que a Original 123, assessoria de imprensa que tem a Sofplan como cliente.

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