Reflexões Trabalhistas

O ingresso dos tratados internacionais no Direito brasileiro

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

10 de maio de 2019, 8h00

Spacca
Neste ano de 2019, centenário de fundação da Organização Internacional do Trabalho (OIT) — criada com a proposta de promover a paz e a justiça social nos Estados-membros que dela participam em situação de igualdade —, apresenta-se como oportuno fazer uma breve análise sobre como se dá o ingresso das suas importantes normas legais no Direito brasileiro.

Com efeito, a nossa Constituição Federal de 1988 cuidou de regulamentar a forma de incorporação dos tratados internacionais no Direito interno, incluindo as convenções, recomendações, resoluções e demais normas aprovadas nas conferências tripartites da OIT.

Diz a Constituição brasileira que compete à União, na qualidade de representante da República Federativa do Brasil, manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais, como a OIT, fundada sobre a convicção primordial de que a paz universal e permanente somente pode estar baseada na justiça social.

A OIT é responsável pela formulação e aplicação das normas internacionais do trabalho (convenções, resoluções e recomendações), estando o Brasil entre os seus membros-fundadores, que participa das suas conferências desde a primeira reunião.

A Constituição Federal de 1988 prescreve, no artigo 84, que “compete privativamente ao Presidente da República: (…) VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional”, e o artigo 21 estabelece como sendo competência da União manter relações com Estados estrangeiros e participar de organizações internacionais. Dispõe o artigo 49 que “é da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional”.

A forma da autorização parlamentar é o decreto legislativo do Congresso Nacional, pelo que, assinado o tratado pelo presidente da República, aprovado pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, segue-se a sua ratificação para realmente se incorporar ao Direito brasileiro. A promulgação e publicação incorporam os tratados internacionais ao Direito interno, colocando-os, em regra, no mesmo nível das leis ordinárias, excepcionando-se os tratados e convenções internacionais aprovados na forma do artigo 5º, parágrafo 3º da Constituição Federal após a EC 45/2004, que tratem sobre direitos humanos e forem aprovados em cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, os quais serão equiparados às emendas constitucionais com hierarquia superior às leis ordinárias.

Portanto, os tratados internacionais ingressam na ordem jurídica interna brasileira mediante o preenchimento dos seguintes requisitos: (a) negociação pelo Estado brasileiro no plano internacional; (b) assinatura do instrumento pelo Estado brasileiro; (c) mensagem do Poder Executivo ao Congresso Nacional para discussão e aprovação do instrumento; (d) aprovação parlamentar mediante decreto legislativo; (e) ratificação do instrumento; (f) promulgação do texto legal do tratado mediante decreto presidencial.

Juristas como o ex-juiz da Corte Internacional de Justiça das Nações Unidas Francisco Rezek opinam que “a grande novidade trazida pela OIT foi a de colocar, no plano internacional, discussões que até então pertenciam exclusivamente ao plano interno dos países — as relações de trabalho”.

Por isso, consta da Constituição da OIT que a paz para ser universal e duradoura deve assentar sobre a justiça social, considerando que existem condições de trabalho que implicam, para grande número de indivíduos, miséria e privações, que põem em perigo a paz e a harmonia universais, sendo urgente melhorar essas condições no que se refere à regulamentação das horas de trabalho, à fixação de uma duração máxima do dia e da semana de trabalho, ao recrutamento da mão de obra, à luta contra o desemprego, à garantia de um salário que assegure condições de existência convenientes, à proteção dos trabalhadores contra as moléstias graves ou profissionais e os acidentes do trabalho, à proteção das crianças, dos adolescentes e das mulheres, às pensões de velhice e de invalidez, à defesa dos interesses dos trabalhadores empregados no estrangeiro, à afirmação do princípio da isonomia salarial, à afirmação do princípio de liberdade sindical, à organização do ensino profissional e técnico e outras medidas análogas na busca da dignificação do trabalho humano.

Assim, preconiza a OIT que as nações adotem regimes de trabalho realmente humano e evitem criar obstáculos aos esforços das outras nações desejosas de melhorar a sorte dos trabalhadores nos seus próprios territórios, pelo que, movida por sentimentos de justiça e humanidade e pelo desejo de assegurar uma paz mundial duradoura, visando os fins enunciados neste preâmbulo, foi aprovada a Constituição da Organização Internacional do Trabalho.

Na forma dessa Constituição, os Estados-membros são obrigados a adotar políticas de trabalho decente e a apresentar a cada dois anos um relatório sobre as medidas adotadas para aplicar, na legislação e na prática, as convenções ratificadas, porque, como dito acima, uma vez aprovadas no país-membro, passam a integrar seu ordenamento jurídico interno.

Com efeito, essas linhas mestras adotadas pela OIT clamam por aplicação, especialmente neste momento em que se vive não somente no Brasil, mas no mundo, de desmonte incontrolável das garantias sociais trabalhistas e sociais previdenciárias, em nome dos anseios mais liberais e financeiros que se possa imaginar.

Autores

  • é consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado, doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP e professor titular do Centro Universitário UDF e da Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), além de membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho. Autor de livros jurídicos, entre outros, Direito ambiental do trabalho e a saúde do trabalhador e Ações acidentárias na Justiça do Trabalho.

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