Opinião

Novas liberdades e velhos direitos: a questão dos advogados públicos federais

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10 de maio de 2019, 7h28

Não é de hoje que é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei. A Constituição da República já o faz há três décadas, mais precisamente no parágrafo único do seu artigo 170. No entanto, durante esse tempo, foi editada toda sorte de leis restritivas da liberdade. Felizmente, em boa hora, foi publicada a Medida Provisória 881, de 30 de abril de 2019, a chamada “MP da liberdade econômica”, que reforça o que é regra e o que é exceção.

Embora se diga que os direitos devam ser levados a sério e que a Constituição tem força normativa, muitos direitos precisam ser reafirmados para serem efetivos. Na advocacia pública federal, tal reforço precisou acontecer em relação aos honorários advocatícios. Foram necessárias três leis federais para concretizar uma prerrogativa profissional e institucional que, mesmo assim, teve sua constitucionalidade questionada, dentre outros argumentos, por suposta violação à moralidade administrativa. O exercício profissional, embora seja expressão do direito de liberdade, segue por caminhos não menos tortuosos.

A Advocacia-Geral da União, que nasceu do Ministério Público Federal, é realmente um caso singular. Aos procuradores da República que optaram pelo antigo regime foram asseguradas as garantias e vantagens do regime anterior, quando exerciam exatamente o papel de advogados da União. Deixaram de ser advogados, mas lhes foi assegurada, como direito adquirido, a liberdade de exercício profissional (artigo 29, parágrafo 3º, do ADCT). Aos advogados da União, que, como o nome já diz, são advogados, o direito constitucional foi negado pela lei.

De fato, a Constituição enunciou que o exercício da profissão é livre, atendidas as qualificações que a lei estabelecer (artigo 5º, inciso XIII). As qualificações para exercício da advocacia devem, naturalmente, ser preenchidas pelos ocupantes do cargo, pois, do contrário, sequer poderiam nele tomar posse. O advogado público, evidentemente, deve ser impedido de advogar contra a Fazenda que o remunera. Essa era a regra do regime jurídico anterior previsto no Estatuto da OAB (artigo 84, incisos IV e V, e artigo 85, inciso V, da Lei 4.215/1963), permanecendo hígida no novo diploma (artigo 29 e artigo 30, inciso I, da Lei 8.906/1994).

Não obstante tais previsões, o exercício profissional do advogado público federal ainda não é livre, muito por conta da proibição infligida aos advogados da União e procuradores da Fazenda Nacional pelo artigo 28, inciso II, da Lei Complementar 73/1993, que foi “embaçado”, pouco tempo depois, pelas leis 8.906/1994, 11.890/2008 e 13.326/2016. Em todas elas, está bem claro que a liberdade é regra; a proibição, exceção. Esta se dá apenas quando houver conflito de interesses.

A legislação internacional, ao mesmo tempo, pacificou-se no mesmo sentido, ou seja, pela possibilidade do exercício de atividades externas por funcionários públicos, mediante restrições razoáveis, como fizeram os artigos 8º e 12 da Convenção de Mérida, internalizada pelo Brasil pelo Decreto 5.687/2006.

Agora, a MP da liberdade econômica, que é aplicável à "ordenação pública sobre o exercício das profissões", veio a dizer que se consideram "atos públicos de liberação da atividade econômica" a inscrição exigida "como condição prévia para o exercício de atividade econômica", o direito de toda pessoa natural de "receber tratamento isonômico de órgãos e de entidades da administração pública quanto ao exercício de atos de liberação da atividade econômica", sendo dever do poder público "evitar o abuso de poder regulatório de maneira a, indevidamente", criar reserva de mercado, ao favorecer (ou evidentemente ao prejudicar) grupo profissional e redigir enunciados que impeçam a entrada de novos competidores nacionais ou estrangeiros no mercado. Falando-se em isonomia, não custa lembrar que nos estados e municípios grassa a liberdade no exercício da advocacia.

Querem proibir, querem liberar, e a polêmica já chegou até o Congresso. Na Câmara dos Deputados, o relator do Projeto de Lei 5.531, de 2016 já defendia que essa prerrogativa já estava em vigor para os advogados públicos federais, mas que era necessária uma legislação tão somente para tratar, de uma forma mais detalhada, das exceções. No seu voto, o deputado registrou que “acredita-se, destarte, que o projeto em questão apenas se dedica, com considerável atraso, a disciplinar, impondo-lhe os devidos limites, tal realidade normativa. Na visão desta relatoria, os Advogados da União e os membros de carreiras correlatas da AGU já estão autorizados a advogar em âmbito privado, não se prevendo, contudo, as restrições veiculadas no projeto em apreciação, de cuja aprovação derivará o devido e indispensável controle, pelo órgão público, das atividades a serem desenvolvidas”.

Já na OAB, entidade a quem compete a autorregulamentação da advocacia, já houve posicionamento, pela Comissão de Estudos Constitucionais, sobre o tema, opinando-se que o Conselho Federal poderia adotar duas providências com relação aos advogados públicos federais: (i) editar provimento expondo o posicionamento institucional da Ordem, no exercício de sua competência autorregulamentadora, pela possibilidade do exercício da advocacia fora das atribuições do cargo de advogado público; (ii) se não bastar a providência anterior, ajuizar uma ação direta de inconstitucionalidade para finalmente pôr fim a esse tratamento discrepante dado na esfera federal.

A primeira opção agora parece que basta. A liberdade, neste governo, foi escolha popular. Ela tem que imperar.

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