Normas sem hierarquia

Ativismo judicial acabou com tarefas tradicionais de juristas, diz Sampaio Ferraz

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23 de junho de 2019, 11h11

O fortalecimento do ativismo judicial, o fim da hierarquia das normas, a politização do Direito e a judicialização da política acabaram com o modelo de atribuições dos juristas estabelecido pela tripartição dos Poderes. Agora, vivemos um cenário de desfalecimento da Constituição e de sistemas em rede ou rizoma.

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Para Sampaio Ferraz, fortalecimento do ativismo judicial, o fim da hierarquia das normas, a politização do Direito e a judicialização da política acabaram com o modelo de atribuições dos juristas estabelecido pela tripartição dos Poderes
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O diagnóstico foi traçado pelo professor da USP Tercio Sampaio Ferraz Júnior na segunda-feira (17/6), no seminário “A magistratura que queremos”, organizado pela Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, na capital fluminense.

Até os anos 1970, não havia grandes questões quanto às tarefas postas aos juristas, afirmou Ferraz Júnior. “A tripartição de Poderes funcionava relativamente bem. O Direito era identificado com suas fontes — e havia uma identificação muito forte do Direito com a lei. O que a gente chamava de vida jurídica caminhava numa espécie de tensão entre o trabalho do legislador e a decisão do magistrado. Nessa tensão entrava a doutrina. O trabalho do juiz mais a doutrina se compunham na cultura dos códigos.”

Mas hoje esse modelo não funciona mais, apontou o jurista. Isso devido à intensificação do ativismo judicial, à ultrapolitização do Direito e à ultrajudicialização da política. Nesse cenário, a sociedade perdeu a crença de que cada decisão judicial contribuiu para o funcionamento do Judiciário como um todo.

Com isso, o poder passou a ser centrífugo, e não mais centrípeto, avaliou o professor da USP. “A noção forte de hierarquia — Constituição, leis — começa a ser substituída por outras fórmulas, em que as decisões tomadas passam a ser vistas mais como jogadas políticas mais do que, propriamente, decisões no velho sentido técnico. Temos uma sensação de desfalecimento da Constituição como a gente conhecia antes. Esse desfalecimento provoca uma angústia permanente. As decisões são tomadas de tal maneira que eu não decido porque posso, mas eu posso porque eu decido.”

Segundo Ferraz Júnior, no lugar da pirâmide de Kelsen, que organiza as leis de acordo com seu peso no ordenamento jurídico a partir da Constituição, passou a vigorar um sistema em rede, onde não há gradações.

No entanto, ressaltou o jurista, há quem diga que a rede foi superada por um modelo de rizoma. Voltado para si mesmo, este sistema funciona em sucessões progressivas. Cada decisão se alastra até um certo ponto e se interrompe. Depois, pode ser retomada e dar origem a uma nova cadeia normativa.

Nesse modelo, o problema não é mais encontrar fundamento, mas uma variável que pode ser destacada para produzir outras decisões. Porém, há diversas variáveis, e é preciso lidar com elas ao mesmo tempo, explicou o professor.

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