"Processo que leva anos para ser julgado é um estímulo à criminalidade"
15 de junho de 2019, 19h00
Paulo Eduardo Bueno é o candidato entrevistado deste sábado (15/6) na série que a ConJur publica, ouvindo todos os candidatos à lista tríplice para concorrer à Procuradoria-Geral da República. O candidato Mário Bonsaglia informou que não participaria da série.
Há quase 40 anos integra o Ministério Público Federal. Foi o primeiro responsável pelo setor de direitos humanos da Procuradoria Regional de São Paulo. Antes, na década de 1970, foi advogado de presos políticos e diretor da Associação dos Advogados Latino Americanos pela defesa dos direitos humanos. Foi professor por 20 anos de Direito Penal, Processual Penal, Civil e ética.
Há 18 anos a Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR) leva ao presidente da República uma lista com três nomes escolhidos pela classe para comandar a instituição. A votação está marcada para o dia 18 de junho, das 10h às 18h30, por meio eletrônico.
Apenas a primeira lista tríplice, enviada em 2001 ao presidente Fernando Henrique Cardoso, foi descartada. De lá para cá, todos os PGRs estavam entre os três indicados. Apesar da tradição, nada impede que o presidente da República indique para sabatina no Senado um quarto nome.
O mandato da atual procuradora-geral da República, Raquel Dodge, termina em 18 de setembro, mas, de acordo com a Constituição Federal, ela pode ser reconduzida ao cargo, se for indicada pela Presidência da República. Também decidiu concorrer ao cargo sem participar da lista da ANPR o subprocurador-geral da República Augusto Aras.
Neste ano, dez integrantes da instituição concorrem a uma vaga na lista da ANPR. Seis deles são subprocuradores-gerais da República, o último degrau da carreira. Os demais são procuradores regionais, com atuação nos Tribunais Regionais Federais.
Leia a entrevista com Paulo Eduardo Bueno:
ConJur — O MP pode fazer campanha de combate à corrução? Esse tipo de campanha é compatível com as funções do órgão? Por quê?
Paulo Bueno — Sim, mesmo porque a nossa Lei Complementar 75/93 prevê como função institucional do MP, entre outros, a defesa da ordem jurídica e dos objetivos fundamentais da República. Aliás, o MPF já tem feito algumas campanhas nesse sentido. Ademais, acho que o próprio governo e outras instituições também deveriam fazer campanhas contra a corrupção, em defesa da ética e da “revogação da Lei de Gerson”.
ConJur — Os acordos de delação premiada pararam de ser assinados. O modelo sofreu algum impacto com a suspensão do acordo com a JBS?
Paulo Bueno — Em primeiro lugar, os acordos não pararam, apenas diminuíram. Isso ocorreu por não ter havido mais tanta necessidade desses acordos, quase tudo já foi dito. Acho que não tem nada a ver como caso JBS, cujo acordo tinha mesmo que ser suspenso, pois foi um verdadeiro absurdo.
ConJur — Faz sentido o MP ser fiscal da lei em casos criminais?
Paulo Bueno — Questão de caráter teórico bem interessante. Existe, de fato, no plano abstrato, uma certa incompatibilidade, mas, na atuação concreta, os procuradores que atuam nas instâncias superiores têm total independência para se manifestar contrariamente às posições dos colegas que exercem a acusação. Cabe lembrar que no passado, antes da CF/88, quando o MPF também fazia o papel da advocacia da União, a incompatibilidade era bem mais nítida, especialmente nas ações de Usucapião em que um procurador defendia a União e outro fazia o papel do MP.
ConJur — Como deve ser o relacionamento do MP com a Polícia e com o Judiciário? Como avalia essa relação atual?
Paulo Bueno — A meu ver, deve ser harmonioso e independente. Cada instituição deve executar as tarefas que lhe são próprias, entretanto, ao MP cabe fiscalizar tanto a Polícia como o Judiciário. Atualmente essa relação no geral parece ser boa, mas, cada local tem uma situação diferente. Pessoalmente, sempre tive boa relação tanto com a Polícia Federal como também com os magistrados. De qualquer forma, entendo que o MP deve ser mais atuante na cobrança de agilidade do Poder Judiciário. É inadmissível que um processo se arraste por anos ou até décadas. Isso é um estímulo à criminalidade. Acho que os juízem devem dar sentenças objetivas e rápidas.
ConJur — O modelo de força-tarefa prejudica o direito de defesa? Por quê?
Paulo Bueno — Depende. Se a montagem da força-tarefa não observar o princípio do promotor natural, indiretamente irá prejudicar o direito de defesa. Da mesma forma que ninguém pode ser julgado senão pela Autoridade competente, também ninguém pode ser acusado senão por um órgão previamente indicado pela lei, sendo vedada a indicação de um acusador para casos específicos.
ConJur — O MP pode interferir na execução de políticas públicas em nome do combate à corrupção?
Paulo Bueno — Não, posto que a execução de tais políticas é tarefa do Executivo, mas acho que o MP deve ser ouvido na formulação dessas políticas, como nas demais relativas à segurança pública. Por outro lado, cabe observar que grande parte do problema da criminalidade decorre da deformação urbana das cidades grandes e médias e do ensino extremamente deficiente. Diante disso, pode e deve o MP atuar em todos os cantos do país na fiscalização dos atos do Poder Executivo, cobrando eficiência e efetividade especialmente na área de habitação, saneamento e educação, sem, contudo, interferir nas decisões discricionárias da gestão pública.
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