Medida irreparável

"Operações da PF abriram precedente de prender para depois investigar"

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29 de janeiro de 2019, 8h00

As últimas operações da Polícia Federal abriram o precedente de prender primeiro para depois terminar a investigação. A crítica é do presidente da seccional fluminense da Ordem dos Advogados do Brasil, Luciano Bandeira.

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Segundo o advogado, essa medida gerou injustiças irreparáveis. “Apesar da crise moral que o nosso país atravessa, é importante não perder de vista que os fins não justificam os meios. A presunção da inocência e o amplo direito de defesa são pilares fundamentais da Justiça, no sentido mais amplo da palavra. Banalizou-se a delação premiada, que não pode ser o único instrumento de investigação”, diz.

Sobre os gargalos enfrentados pela advocacia fluminense, Bandeira disse que, por falta de servidores, há incapacidade do Poder Judiciário em cumprir o princípio da duração razoável do processo. Afirmou ainda que os advogados experimentam "as consequências da decadência econômica do estado".

Bandeira atuou na presidência da comissão de prerrogativas e compôs a diretoria como tesoureiro. Foi eleito presidente da OAB-RJ com mais de 40 mil votos válidos, com apoio na campanha do advogado Felipe Santa Cruz, ex-presidente da entidade, atual candidato ao Conselho Federal com chapa única.

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Luciano Bandeira — 
Há um problema crônico de falta de estrutura do Judiciário para lidar com a imensa quantidade de demandas. No Rio de Janeiro, que passa por um processo de recuperação fiscal, esse quadro se agrava. A falta de funcionários e juízes é muito grave. A consequência disso é a incapacidade de o Judiciário cumprir o princípio da duração razoável do processo.

Por outro lado, a criminalização da advocacia gera muita preocupação, pois a categoria não pode ser responsabilizada pelos graves problemas do sistema de Justiça e prisional do nosso estado. A hipótese de gravar a conversa do advogado com o seu cliente quando ele estiver preso é um absurdo que não resolve o problema da segurança pública. A atuação do advogado, de forma livre, independente e valorizada, é fundamental para uma sociedade plenamente democrática.

A advocacia experimenta, no Rio de Janeiro, as consequências da decadência econômica do estado. Essa é uma questão que preocupa muito a OAB e por isso precisamos buscar alternativas para manter o advogado atualizado e capacitado para enfrentar o avanço da tecnologia e da própria legislação.

ConJur  — O TCU decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como avalia a medida?
Luciano Bandeira —
Não vejo problema em prestar contas ao TCU. Tenho certeza de que será sempre referendado o excelente trabalho que fazemos para a advocacia, até porque nossas contas são prestadas anualmente em sessão pública do conselho seccional. O que preocupa é a possibilidade da perda de independência da OAB na sua atuação.

Nós da OAB sempre primamos pela seriedade na nossa gestão e no cuidado com a aplicação do dinheiro da categoria, o que é visível na quantidade de serviços que são prestados para os advogados. Nenhuma outra entidade de classe oferece tantos benefícios aos seus membros quanto a OAB. Temos a maior casa da advocacia do Brasil, que é um espaço de coworking pertinho do fórum central. Lá há computadores, locais para reuniões, para atender clientes e até mesmo para fazer as refeições e descansar da árdua ida à sede do TJ-RJ. Temos também escritórios compartilhados não só no Centro do Rio, como também nas subseções; transporte gratuito, recorte eletrônico, uma infinidade de convênios com descontos nos mais diversificados tipos de comércio e prestadores de serviço.

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Luciano Bandeira —
Nosso principal problema ainda é uma visão arcaica de parte do Judiciário que não entende que o advogado exerce uma função essencial para a Justiça. As mais comuns são a dificuldade para despachar, ter acesso aos autos de inquéritos e a ausência de tratamento compatível com a dignidade da nossa profissão.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Luciano Bandeira —
O direito de defesa fica prejudicado quando quando o advogado não tem as suas prerrogativas respeitadas. Limitar a atuação do advogado gera, sem dúvida alguma, uma quebra do devido processo legal.

As últimas operações da Polícia Federal abriram um precedente complicado, que é o de prender primeiro para depois terminar de investigar. Isso gerou algumas injustiças. Pessoas tiveram suas vidas devastadas e depois foram absolvidas. E para isso não há reparo possível.

Apesar da crise moral que o nosso país atravessa, é importante não perder de vista que os fins não justificam os meios. A presunção da inocência e o amplo direito de defesa são pilares fundamentais da Justiça, no sentido mais amplo da palavra. Banalizou-se a delação premiada, que não pode ser o único instrumento de investigação.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Luciano Bandeira —
Sim. A função primordial do advogado é essa.  

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Luciano Bandeira —
Sim, todas as decisões das seccionais e do Conselho Federal da OAB são debatidas no seu conselho pleno, que é eleito para representar a advocacia.

ConJur  — O que espera do "superministério" da Justiça?
Luciano Bandeira —
Espero respeito à atuação da advocacia e à Constituição.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Luciano Bandeira —
Essa é uma questão complexa que depende da área de atuação e do estado onde isso é discutido. A questão regional deve ser sempre lembrada.

ConJur — Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro falou contra o Exame de Ordem. Segundo ele, o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. O modelo precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Luciano Bandeira —
O Exame é um instrumento válido e importante para garantir que a sociedade usufrua de profissionais capacitados para defender o direito de qualquer cidadão. A fiscalização do curso de Direito cabe ao Ministério da Educação, contudo, a OAB deveria ter um papel importante nessa fiscalização.  

ConJur  — É a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Luciano Bandeira —
Um segundo turno geraria um gasto desnecessário para entidade. Não vejo muito sentido na eleição separada do conselho seccional. Afinal, a OAB é uma entidade de todos os advogados e advogadas. A divisão da eleição em diretoria e conselho poderia produzir uma quebra da ideia de unidade da advocacia.

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Esta entrevista integra uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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