Controle maior

"OAB deve ser mais transparente sobre seus gastos e arrecadações"

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17 de janeiro de 2019, 8h00

A Ordem dos Advogados do Brasil deve criar um portal de transparência para dar maior acesso aos advogados sobre os gastos e arrecadação da entidade. A proposta é defendida pelo recém eleito presidente da Ordem dos Advogados do Brasil do Distrito Federal, Délio Lins e Silva Jr.

OAB-DF
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De acordo com o advogado, a OAB não deve prestar contas ao Tribunal de Contas da União porque não recebe verbas públicas. Porém, deve adotar medidas para dar mais transparência para a advocacia.

“Isso deve ser feito por meio de um portal de transparência que tenha disponível todos os dados de cada processo de contratação pela instituição, de um plano de compliance que organize a casa, bem como medidas eficazes de controle de custos e adequação de gastos”, diz o advogado.

Délio Lins e Silva Jr. foi eleito presidente da OAB-DF numa disputa acirrada com o advogado Jacques Veloso, que encabeçava a chapa da situação. O advogado defende o fim da reeleição na OAB-DF e votação direta para escolha dos representantes do quinto constitucional.

Leia a entrevista:

ConJur  — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
Délio Lins —
O mercado de trabalho (ou a falta dele) tem sido a grande preocupação da advocacia, seja dos mais jovens ou mais experientes. Os escritórios estão demitindo e fechando, os honorários reduzidos, falta cliente e a advocacia está tendo que se reinventar para reverter esse cenário.

ConJur  — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Délio Lins —
Não concordo, pois penso que a OAB não recebe verbas públicas e, consequentemente, não deveria prestar contas aos órgãos de controle. Defendo, porém, que seja dada maior transparência aos gastos e arrecadação, para que a advocacia saiba de onde vem e para onde vai nosso dinheiro. Isso deve ser feito por meio de um portal de transparência que tenha disponível todos os dados de cada processo de contratação pela instituição, de um plano de compliance que organize a casa, bem como medidas eficazes de controle de custos e adequação de gastos.

ConJur  — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Délio Lins —
Hoje somos mal tratados da entrada de um tribunal ou delegacia, até onde chegamos, pois nos negam o acesso que legalmente nos seria franqueado; temos dificuldades de acesso aos autos de inquéritos e processos; dificuldades de sermos recebidos pelas autoridades; limitação de sustentações orais e por aí vai. Precisamos de uma defesa efetiva e profissional das nossas prerrogativas, com forte atuação preventiva, mas, principalmente, com coragem, independência e isenção suficientes para que sejam tomadas as medidas administrativas e judiciais junto aos órgãos de controle, no sentido de ver punidas as autoridades que desrespeitarem nossas prerrogativas, mostrando que elas não são privilégios da advocacia, mas garantia do jurisdicionado perante o poder estatal.

ConJur  — O direito de defesa está enfraquecido?
Délio Lins —
Infelizmente, a defesa hoje é vista como um entrave à realização da justiça. Nós, advogados, somos vistos como aqueles que estão ali para atrapalhar o aparato punitivo estatal. Isso é muito triste, pois se esquece que, como costuma dizer o ministro do Supremo Tribunal Federal Marco Aurélio, os fins não podem justificar os meios. Ampla defesa, devido processo legal, legalidade, dignidade da pessoa humana, são garantias constitucionais tratadas como cláusula pétrea pela Constituição Federal, porém, são cada dia mais mitigadas em nome de uma perseguição cega rumo à punição. Não se trata de defender o crime ou o criminoso, mas de garantir que qualquer cidadão possa exercer amplamente seu direito de defesa.

ConJur  — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Délio Lins —
A OAB não só deve como é obrigada a se colocar em favor do direito de defesa. Faz parte da nossa história servir de instrumento de resistência contra os arbítrios estatais. O dia em que a advocacia abrir mão do direito de defesa, a sociedade sofrerá as consequências mais nefastas possíveis, pois as portas dos abusos se abrirão e aí será impossível voltar a fechá-las.

ConJur  — A OAB é democrática internamente?
Délio Lins —
Poderia ser mais. Penso que devemos trazer para a nossa casa discussões acerca de medidas que possam tornar a Ordem mais democrática. Fim da reeleição, votação direta para escolha dos representantes do quinto, um controle rigoroso dos gastos de campanha para evitar que o poderio econômico seja favorecido no pleito eleitoral e a escolha direta para presidente do Conselho Federal são temas que devem ser enfrentados pelas seccionais e pelo Conselho Federal.

ConJur  — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Délio Lins —
Penso que cabe à OAB, muito mais que torcer, trabalhar e ser parceira das instituições no sentido de obter benefícios em favor da população, de modo que torço muito para que esse "superministério" seja exitoso. Tenho medo, porém, de qualquer grande concentração de poder nas mesmas mãos. Não acredito em salvadores da pátria, mas em políticas públicas pensadas em conjunto, tratadas de forma séria, com profissionais preparados e bem intencionados. Sou contra o uso abusivo do "eu", mas sempre defenderei o "nós", o que passa pelo respeito às funções essenciais de cada um dos poderes. Assim acontecendo, creio na democracia plena.

ConJur  — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Délio Lins —
Se for analisado pelo prisma do iniciante a ser contratado, o maior possível; se o critério for o do empregador, nem tanto. Equilibrar os dois lados da balança é a árdua missão a ser cumprida. Aqui no DF temos uma lei que trata do assunto, de iniciativa da Comissão de Apoio ao Advogado Iniciante quando por mim presidida. Vamos analisar os valores hoje praticados e encontrar um denominador comum que incentive as contratações e remunere da melhor forma possível o contratado.

Existe, ainda, um problema relacionado aos advogados contratados como associados, mas que na prática são empregados e não recebem as vantagens trabalhistas inerentes ao cargo. Em relação a estes, é necessária mais regulamentação. Por fim, um problema grave que a OAB deve enfrentar é a falta de fiscalização acerca do cumprimento do piso, o que deve ser feito de forma eficaz e contínua.

ConJur  — Recentemente, o presidente Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Délio Lins —
Acabar o Exame de Ordem significaria uma grande perda para a sociedade, pois jogaria de uma vez no mercado milhões de novos profissionais sem o preparo mínimo para exercer a advocacia. Trata-se de um modelo que hoje é pretendido por várias outras profissões. O que deve ser feito é tentar sempre aprimorar o Exame e, acima de tudo, unir todos os personagens do cenário jurídico em torno do fim comum de fiscalizar os cursos e, diante dos resultados dessa fiscalização, propor medidas efetivas que visem melhorias ou até o fechamento dos cursos sem a qualidade mínima necessária. Um país que tem mais faculdades de Direito do que o resto do mundo junto não pode ser sério. Temos que nos insurgir contra isso rápido e de forma efetiva.

ConJur  — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Délio Lins —
Não e não. Não vejo necessidade de impor ainda mais gastos para que se realize um segundo turno e penso que o presidente ser eleito separadamente do conselho pode gerar um problema de gestão que inviabilizaria a realização dos projetos necessários ao desenvolvimento da advocacia.

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Esta entrevista faz parte uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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