"Derrama de bacharéis"

"MEC não conteve abertura de cursos, tampouco cuidou da sua qualidade"

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11 de janeiro de 2019, 8h00

Ao não barrar a abertura de cursos de Direito, o Ministério da Educação adotou uma política equivocada que o fez não acompanhar a qualidade dos cursos que são oferecidos pelas faculdades do país. É como analisa Erick Venâncio, recém eleito presidente da seção do Acre da Ordem dos Advogados do Brasil.

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De acordo com Venâncio, o resultado dessa política em um estado pequeno e com “economia incipiente”, como o Acre, é a falta de clientela, diminuição dos honorários e desilusão com a profissão.

“Mesmo com o filtro necessário do exame de Ordem, centenas de profissionais são lançados no mercado de trabalho sem qualquer perspectiva. (…) O que cria ‘boys de luxo’ em escritórios de advocacia são bacharéis formados em cursos jurídicos sem a mínima condição de funcionamento”, diz.

Venâncio liderou a única chapa na disputa da OAB-AC, recebendo 926 votos (87,32%). Atuou em diversos setores da entidade de classe, como conselheiro seccional e Federal (por dois mandatos), presidente de comissões e secretário-geral. É conselheiro do Conselho Nacional do Ministério Público e ouvidor nacional do Ministério Público.

Leia a entrevista:

ConJur — Quais os principais gargalos da advocacia no seu estado?
 Erick Venâncio —  
Enfrentamos uma verdadeira derrama de bacharéis num estado pequeno e com economia incipiente. Isso é culpa, principalmente, de uma política equivocada no Ministério da Educação, que não conteve a criação de cursos jurídicos, nem tampouco cuidou da qualidade daqueles que autorizou. Agora, somos surpreendidos com a criação de mais três cursos de direito no Acre. Um verdadeiro despautério! Mesmo com o filtro necessário do exame de Ordem, centenas de profissionais são lançados no mercado de trabalho sem qualquer perspectiva. Resultado: falta de clientela, aviltamentos de honorários e desilusão com a profissão.

ConJur — O Tribunal de Contas da União decidiu, em novembro, que a OAB deve prestar contas ao tribunal. Como o senhor avalia a medida?
Erick Venâncio —
Equivocada, invasiva e afrontosa ao Supremo Tribunal Federal. O STF já decidiu em controle concentrado que a instituição não se submete ao controle do TCU, pois não compõe a administração pública. Além disso, a OAB não administra um centavo de recursos públicos, por isso não deve ser tutelada pelo Estado. O dia em que o Estado colocar arreios na OAB, ruiu a  Independência e a liberdade da mais importante entidade da sociedade civil brasileira.

ConJur — Quais as principais prerrogativas desrespeitadas hoje?
Erick Venâncio —
 Na realidade, não há como apontar uma ou algumas prerrogativas. O que está sob ataque é o direito de defesa e, assim, todas as prerrogativas da advocacia.

ConJur — O direito de defesa está enfraquecido?
Erick Venâncio —  
Um Estado de viés punitivista naturalmente tende a relativizar o direito de defesa. O combate à corrupção ou à criminalidade organizada não pode atropelar as tutelas garantidoras de um direito de defesa amplo. Isso é por demais perigoso.

ConJur — A OAB deve se colocar politicamente a favor do direito de defesa?
Erick Venâncio —  
Faz isso e deve continuar a fazer. Criminalizar a advocacia, colocando a defesa técnica como defensora do crime, e não das franquias constitucionais do acusado/réu, é algo absolutamente inaceitável e a OAB jamais se calará quando diante de atitudes deste jaez.

ConJur — A OAB é democrática internamente?
Erick Venâncio —
Sempre temos que evoluir nos processos democráticos internos. A OAB não deve fugir à essa regra. Temos que avançar em transparência e numa padronização e eficiência na gestão. Dentro de um sistema, não podemos ter seccionais, do ponto de vista da gestão, no século XXI e outras no século XIX.

ConJur — O que o senhor espera do superministério da Justiça?
Erick Venâncio —
Me assusta o "super" qualquer coisa. Sou adepto da desconcentração e não do caminho inverso, que me parece ser esse dos superministérios. No que diz respeito à Justiça, escolheu-se um titular preparado, digno e honrado, que, espero, saiba respeitar a advocacia e a OAB.

ConJur — Qual o piso ideal para um iniciante?  
Erick Venâncio —
Aquele que respeite a dignidade da profissão. Porém, a meu sentir, enquanto não houver controle rígido na proliferação de cursos jurídicos, qualquer tentativa de regulamentação dessa questão será atropelada pela realidade do mercado e sepultada pela lei da oferta e da procura. Enquanto isso, não podemos punir o profissional que ou trabalha pelo que lhe é pago ou passa fome.

ConJur — Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro manifestou contra o Exame de Ordem aplicado aos recém-formados. Na ocasião, ele disse que o exame cria “boys de luxo de escritórios de advocacia”. Em sua opinião, o modelo do exame precisa ser revisto? A quem cabe fiscalizar o curso de Direito?
Erick Venâncio —
Os cursos de Direito devem ser fiscalizados pela OAB, através de sua comissão de ensino jurídico, e pelo MEC, que os autoriza. O Exame de Ordem é a maior conquista da advocacia brasileira, sendo assim, deve ser defendido por todos nós. Se ajustes são necessários, e sempre são, que façamos. Mas falar em extinção do exame é andar para trás. O que cria "boys de luxo" em escritórios de advocacia são bacharéis formados em cursos jurídicos sem a mínima condição de funcionamento. Mas, estando o MEC subordinado ao presidente da República, ele terá toda a possibilidade de acabar com essa situação que o incomoda. Sem molestar o exame de ordem, que é uma conquista da civilização brasileira.

ConJur — O senhor é a favor de segundo turno nas eleições da OAB? O Conselho Seccional deve ser eleito separadamente da chapa do presidente?
Erick Venâncio —
No que diz respeito à possibilidade de segundo turno, a princípio, sou simpático à ideia, pois possibilitaria a formação de uma maioria absoluta de votos. Quanto à secção da chapa não vejo qualquer relevância nisso. As seccionais da OAB são administradas por um grupo unido por afinidades políticas, que monta uma chapa para administrar a instituição. Quem sequer consegue se organizar para essa composição não pode pretender conduzir toda uma classe.

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Esta é a primeira entrevista de uma série de conversas com os presidentes das seccionais da OAB eleitos para o triênio 2019-2021.

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