Direito Comparado

Aposentadoria de Basedow e nomeação de Michaels: mudança no Max-Planck

Autor

  • Otavio Luiz Rodrigues Jr.

    é advogado da União; professor associado de Direito Civil da Faculdade de Direito do Largo de São Francisco (USP); coordenador de área e membro do Conselho Superior da CAPES; conselheiro Nacional do Ministério Público. Acompanhe-o em sua página.

9 de janeiro de 2019, 8h34

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O centenário Instituto Max-Planck de Hamburgo, Alemanha, assiste a mais uma troca de guarda em sua direção, ordinariamente ocupada por três membros. Jürgen Basedow, que havia se aposentado, foi substituído em 1º de janeiro deste ano por Ralf Michaels, após designação oficial da Sociedade Max-Planck, a entidade responsável pela gestão de todas as unidades do Max-Planck no mundo.  

As origens e a importância do Instituto Max-Planck de Hamburgo para o Direito Comparado já foram objeto de colunas anteriores, especialmente aquela dedicada à vida de Ernst Rabel, o grande comparatista europeu do século XX. Naquela ocasião, informou-se aos leitores que o instituto nasceu sob o nome Kaiser-Wilhelm-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Instituto Kaiser Wilhelm de Direito Comparado [literalmente, estrangeiro] e Privado Internacional), atualmente denominado de Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Instituto Max-Planck de Direito Comparado e Privado Internacional), cuja sede fica em Hamburgo. Naquela coluna, salientou-se que:

“Esse instituto de pesquisa foi criado com o claro objetivo de diminuir o isolamento da cultura jurídica alemã no primeiro pós-guerra e de voltar a atrair pesquisadores estrangeiros, com vistas à retomada do diálogo jurídico internacional e do juscomparatismo. Um exemplo disso foi a presença, em 1930, de Francisco Cavalcanti Pontes de Miranda no Kaiser-Wilhelm-Institut. O grande jurista brasileiro, apresentado por Martin Wolff, proferiu conferências no Berliner Stadtschloss [literalmente, Palácio da Cidade de Berlim], onde o Instituto ocupava parte de suas dependências”.

Um número expressivo de pesquisadores brasileiros e portugueses foi agraciado com bolsas da Sociedade Max-Planck, como jovens doutores ou investigadores seniores, para estágios no instituto sediado em Hamburgo. O Max-Planck possui a melhor biblioteca de Direito Privado Comparado da Europa, nas mais diversas línguas continentais. As aquisições de livros são permanentes, independentemente da origem e da língua, além do que é mantido um acervo atualizadíssimo de periódicos alemães e estrangeiros, dentre os quais a Revista de Direito Civil Contemporâneo.

A Sociedade Max-Planck mantem mais de 80 unidades do instituto na Alemanha, mas também no exterior (Luxemburgo, Itália [Roma, Florença], Estados Unidos [Flórida] e Holanda), cujos pesquisadores vinculados já obtiveram 18 prêmios Nobel e conservam uma média anual de 15 mil artigos ou resumos publicados em periódicos científicos. O orçamento da Sociedade Max-Planck em 2016 foi de 1 bilhão e oitocentos milhões de euros, a partir de recursos federais (50%  do total) e dos estados alemães (45%), além de recursos oriundos das atividades dos institutos (5%). A estrutura jurídica da Sociedade Max-Planck é muito singular: uma entidade privada gestora de fundos públicos, o que confere enorme flexibilidade aos institutos, cujas áreas de investigação podem ser alteradas, suprimidas ou ampliadas, bem como a destinação de verbas para pessoal e para pesquisa pode ser cambiada conforme as necessidades e diretrizes estratégicas.

O Instituto Max-Planck de Hamburgo era dirigido por Reinhard Zimmermann, que possui vínculos com o Brasil e com a Rede de Direito Civil Contemporâneo, Jürgen Basedow e Holger Fleischer.

Basedow dirigiu o instituto de 1997 a 2017, tendo como principais campos de interesse acadêmico e de pesquisa o Direito Internacional Privado e o Direito Privado Europeu, com ênfase em seguros, transporte e concorrência. Natural de Hamburgo, nascido em 1949, graduado na Universidade de Hamburgo, com estudos em Genebra e Pavia, doutorou-se na Universidade de Hamburgo e estudou também nas universidades de Cambridge e Massachussetts. Era catedrático de Direito Privado, Direito Comparado e Direito Internacional Privado na Universidade de Augsburg, tendo sido professor visitante em diversas instituições estrangeiras, como as universidades de Ferrara, Gênova, Lyon, Verona, Paris II e Oxford.

No Brasil, há traduções de seus textos publicados na Revista de Direito do Consumidor (v. 24, n. 98, p. 55-75, mar./abr. 2015), com o título “Em direção a uma lei contratual securitária europeia?” (tradução de Thiago Villela Junqueira) e também o artigo “Antitruste ou direito da concorrência internacional”, traduzido por Maria Rosa Guimarães Loula, Tatiana de Campos Aranovich e Virgínia de Melo Dantas (Publicações da Escola da AGU, n. 7, p. 235-251 2011). Em uma coletânea organizada por João Grandino Rodas, intitulada Contratos internacionais (3 ed. São Paulo: RT, 2002), Basedow  publicou o capítulo “O Mercosul como modelo de integração”.

Ele também escreveu o capítulo “Coerência do Direito Internacional Privado na União Europeia” no livro organizado por Augusto Jaeger Junior, sob o título Europeização da Parte Geral do Direito Internacional Privado: estudos sobre uma codificação do Direito Internacional Privado na União Europeia através de um Regulamento Roma Zero (p. 51-78, editado em Porto Alegre, pela Gráfica e Editora RJR. Basedow foi orientador de Jaeger Junior, quando este atuou como pesquisador bolsista no Instituto Max-Planck de Hamburgo.

Como destacado na coluna anterior, em 2018, os ex-alunos Anatol Dutta e Christian Heinze editaram o estudo em homenagem ao jubilamento de Jürgen Basedow, cujo título principal é Mehr Freiheit wagen (Tübingen: MohrSiebeck, 2018), com prefácio de Reinhard Zimmermann.

O novo diretor do instituto, Ralf Michaels, estava domiciliado nos Estados Unidos, onde ocupava desde 2002 uma cátedra na Faculdade de Direito da Universidade Duke, uma das mais prestigiosas do país. Michaels havia sido pesquisador do Max-Planck de Hamburgo nos anos 2001-2002. Seus interesses acadêmicos são a Teoria Geral do Direito Privado, o Direito Comparado e o Direito Internacional Privado, com ênfase no problema da produção normativa não estatal e seu enforcement, a globalização e os métodos comparatísticos.

Além da Universidade Duke, Michaels já atuou como docente convidado ou visitante em instituições como Paris II, Princeton, Pensilvânia, Toronto, Tel Aviv e na London School of Economics.

Não há ainda tradução de trabalhos de Michaels para a língua portuguesa em periódicos de referência.

As relações do Instituto Max-Planck de Hamburgo com o Brasil são antigas e cada vez mais fortes. O crescente número de brasileiros que ali tem estudado, como bolsistas ou como pesquisadores independentes, só reafirma esses vínculos. A concluída (e agora em fase de revisão) tradução do livro The law of obligations, de Reinhard Zimmermann, é um dos exemplos dessa cooperação proveitosa para o Brasil e para a Alemanha.

A renovação dos quadros diretivos do instituto é importante e o reconhecimento do trabalho de Basedow é justo, além de uma forma de honrar sua dedicação aos brasileiros que com ele conviveram no instituto localizado na Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo.   

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    é coordenador da área de Direito da CAPES, professor associado (livre-docente) em Direito Civil da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e doutor em Direito Civil, com estágios pós-doutorais na Universidade de Lisboa e no Max-Planck-Institut für ausländisches und internationales Privatrecht (Hamburgo). Acompanhe-o em sua página.

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