Contas à Vista

Novos governos, novas esperanças de avanços no Direito Financeiro

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8 de janeiro de 2019, 7h00

Spacca
Todo ano começa com esperanças renovadas em um futuro melhor. Este ano de 2019 é particularmente especial, pois com ele vieram o início de novos governos nas esferas federal e estadual. E com grande renovação política, tanto no Poder Executivo quanto no Legislativo. Uma alteração significativa, como há muitos anos não se via. O momento propício para que se concretizem as mudanças e ajustes necessários que todos almejam.

No âmbito do Direito Financeiro não é diferente. Muito há que se fazer, como já destacado em colunas anteriores. Destaque cabe para a aprovação de uma nova lei complementar que regule os orçamentos públicos, como determina o artigo 165, parágrafo 9º da Constituição, até hoje não editada. Deixar com isso de improvisar com a aplicação da já cinquentenária Lei 4.320, de 1964, que nada prevê sobre o Plano Plurianual e a Lei de Diretrizes Orçamentárias, inexistentes à época[1]. E de usar a Lei de Diretrizes Orçamentárias para suprir provisoriamente suas lacunas, como tem sido feito há anos. Projetos não faltam, e é preciso aproveitar o momento político favorável para atualizar a legislação financeira, tornando-a compatível com a modernização da administração pública, as novas tecnologias, formas e técnicas de gestão financeira[2].

Entre os aperfeiçoamentos, o momento é oportuno para que se pense em uma solução para a distorção do sistema orçamentário no primeiro ano de mandato, uma vez que, segundo as regras vigentes, cabe ao novo governante cumprir o que foi estabelecido pelo seu antecessor, responsável pela aprovação do orçamento que deverá ser cumprido. Uma regra pouco coerente, já que justamente no primeiro de mandato os novos governantes eleitos são cobrados para implementar seu plano de governo e as promessas de campanha, e recebem a incumbência de cumprir o que foi estabelecido pelo seu antecessor, o que não se mostra razoável. Mas de difícil solução, e que precisa ser resolvido[3].

Uma boa notícia veio antes deste novo ano começar, com o avanço na tramitação do PLP 210/2015, que trata do Conselho de Gestão Fiscal, órgão de suma importância para a adequada aplicação da Lei de Responsabilidade Fiscal, cuja criação foi determinada em seu artigo 67, e até hoje não implementado, sendo suas funções cumpridas pela Secretaria do Tesouro Nacional (STN), o que não é o ideal para nosso sistema federativo. Renovam-se as esperanças de que finalmente, após quase 20 anos da publicação da LRF, um dos principais órgãos nela previstos, o Conselho de Gestão Fiscal, seja aprovado brevemente.

Um dos temas para os quais se volta a chamar a atenção é o sempre presente descaso com o planejamento, que não tem coloração partidária, uma vez que é raramente levado a sério por qualquer governante, de todos os espectros ideológicos. E as consequências danosas dessa falha não tardam a aparecer. Vê-se que a regra é assumir os mandatos sem um planejamento pré-estabelecido, para que se comece a pensar em algo somente após a posse.

É público e notório que o novo governo federal estabeleceu como prioridade imediata a reforma da previdência social[4], mas se vê não haver ainda um projeto concreto a ser apresentado, evidenciando o sempre presente improviso que caracteriza a quase totalidade dos novos governos que assumem seus mandatos. Um fato que se observa até mesmo em casos de reeleição, o que é um despropósito, pois estão no comando da administração e mesmo assim não sabem ao certo o que fazer no segundo mandato, como se poderá constatar em muitos governos estaduais.

É importante lembrar que em todo início de governo deve ser elaborado o Plano Plurianual (PPA), lei que vai definir as prioridades da gestão e conduzir a administração pública para os próximos quatro anos. Uma lei que deveria ter importância destacada, a mais relevante da administração, para a qual se deve dar toda a atenção e importância, o que não costuma acontecer. No âmbito federal, o prazo para apresentação do projeto de lei, que deverá ser aprovado até o final do ano, é o final do mês de agosto[5]. Na esfera estadual, em geral o prazo estabelecido é o final do mês de setembro. Há que se começar a trabalhar com afinco para apresentar um projeto concreto e consistente, que defina com objetividade e clareza os rumos do governo, com credibilidade, orientando não só a administração pública como também todos que a ela estão ligados e a sociedade em geral. E não planos genéricos, padronizados e mal elaborados: planejando-se mal, gasta-se mal, como destacado há poucos dias nesse mesmo espaço[6].

No âmbito federal, ficou evidente a priorização da área de segurança pública e da questão penitenciária, tema já comentado em colunas anteriores[7].

O Ministério da Justiça, agora sob o comando do ex-juiz federal Sergio Moro, fica fortalecido, voltando a abranger a área da Segurança Pública, passando a ser o Ministério da Justiça e Segurança Pública[8]. Nesse campo, a boa notícia antecede o início do ano, com a aprovação da Lei 13.675, que regulamenta o artigo 144 da Constituição, organizando o sistema de segurança pública, criando a Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (PNSPDS), e instituindo o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP); a aprovação da Lei 13.756, que organiza o Fundo Nacional de Segurança Pública; e, já no apagar das luzes último governo, é aprovado o Plano Nacional de Segurança Pública e Defesa Social (Decreto 9.630, de 26/12/2018).

No dia 27 de dezembro é decretado o fim da intervenção federal no Rio de Janeiro, mas aparentemente os resultados, ainda que anunciados como positivos, não foram plenamente satisfatórios, deixando a população interessada na sua continuidade[9].

Mas o fim de uma intervenção é acompanhado do começo de outra. A falta de recursos para pagar os salários levou à paralisação dos policiais militares, civis e agentes penitenciários em Roraima, deixando o estado, que já está há tempos em situação caótica, especialmente devido à maciça entrada de venezuelanos, ainda pior. A solução foi decretar a intervenção federal no estado, afastando do cargo a governadora e indicando um interventor — que, no caso, optou-se por ser o novo governador recém-eleito, em verdadeira antecipação da posse[10].

E, logo nos primeiros dias do ano, atos de extrema violência em várias localidades do estado do Ceará levaram o recém-empossado ministro da Justiça autorizar o envio de tropas da Força Nacional ao estado[11].

Indícios claros de que a área da segurança pública e da administração penitenciária deverá realmente estar no centro das atenções do governo federal que se inicia.

A área econômica também sofre modificações importantes para o Direito Financeiro, com a extinção do Ministério da Fazenda, principal responsável pelas questões tributárias, e sua incorporação ao Ministério da Economia, que passa a abranger o Ministério do Planejamento, o grande responsável pelas questões financeiras, uma vez que é o órgão central responsável pelo orçamento público federal.

A reforma tributária, há décadas na agenda política e econômica, sempre entra na pauta dos governos que se iniciam. Mas pouca atenção se dá ao fato de que, na verdade, as questões mais complexas a serem resolvidas não são tributárias, e sim financeiras, uma vez que o grande empecilho de toda e qualquer reforma “tributária” é conseguir consenso entre os entes federados, que nunca querem sair prejudicados em um centavo sequer na nova partilha de recursos que resulta em qualquer alteração do sistema. Uma dificuldade praticamente intransponível em qualquer regime democrático organizado na forma federativa, esperando-se que o novo governo possa ter sucesso nessa “missão (quase) impossível”[12].

Volta-se também novamente à questão das vinculações orçamentárias, com a anunciada pretensão de propor uma “PEC da liberdade orçamentária”[13]. Um tema recorrente, e que deveria ser substituído pela alcunha de “caos orçamentário”, uma vez que o tempo todo criam-se vinculações e, simultaneamente, estabelecem-se emendas constitucionais para “desvincular” o orçamento, as DRUs e DREs, que se perpetuam, deixando cada vez mais difícil e complicado saber o que está ou não vinculado. Já tive oportunidade de escrever que as vinculações não são a panaceia para os problemas[14], como muitos pensam, e igualmente as desvinculações também não o serão. É uma questão que precisa urgentemente ser revista, a fim que possa ser levada a sério.

Ainda não se se veem propostas concretas voltadas a detalhas alguns compromissos de campanha no âmbito federal no campo do Direito Financeiro, expressas no plano de governo apresentado, como a implantação do “orçamento base-zero” e as reformas dos tribunais de contas[15], evidenciando que há muito o que fazer nesse início de mandato.

Há ainda muitas outras questões a serem enfrentadas, mas haverá tempo para debatê-las oportunamente.

O fato é que nossos novos governantes têm muitos e difíceis desafios a vencer, não somente no campo do Direito Financeiro, e o trabalho será árduo.

Agora é hora de desejar boa sorte aos novos comandantes, até porque também estamos no mesmo barco e todos queremos que ele avance e siga um bom caminho!


[1] Falamos sobre ela na coluna "Lei dos orçamentos públicos completa 50 anos de vigência", publicada em 17/3/2014.
[2] Como já se fez referência na coluna "Responsabilidade orçamentária precisa de melhorias, publicada no já longínquo ano de 2013", de 12/3/2013, e que consta do recém-lançado livro Levando o Direito Financeiro a sério – a luta continua, edição Blucher-ConJur, 2018, pp. 229-232, cuja versão impressa pode ser adquirida na Livraria Conjur, a versão eletrônica gratuita, baixada no site da editora Blucher, e a versão eBook Kindle, no site da Amazon.
[3] O assunto foi abordado na coluna "No primeiro ano de mandato não se cumprem promessas", publicada em 20/11/2012 (e que consta do livro mencionado na nota anterior, pp. 131-134), evidenciando quão antigo é o problema….
[4] A questão foi abordada na coluna "É preciso ter cautela e transparência para debater a reforma da previdência", publicada em 2/5/2017 (e que consta do livro mencionado na nota de rodapé 2, pp. 239-244).
[5] Os primeiros pontos foram mapeados pela equipe de transição, e constam do documento “Plano Plurianual (PPA 2020-2023) e estratégia nacional de desenvolvimento econômico e social (Tema estruturante 4/15. Transição de governo 2018-2019. Informações estratégicas. Brasília: Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2018). Releva destacar ainda, no âmbito do planejamento, as questões relacionadas à infraestrutura, mapeadas no documento “Programas de Investimento Prioritário em Infraestrutura – PAC” (Tema estruturante 4/15. Transição de governo 2018-2019. Informações estratégicas. Brasília: Ministério do Planejamento, Desenvolvimento e Gestão, 2018. O documento integral pode ser obtido aqui.
[6] Veja-se a coluna de Élida Graziane Pinto, "Planejamento estatal genérico e padronizado é metástase das políticas públicas", publicada em 1º/1/2019; também falei sobre o tema na coluna "Planejamento municipal precisa ser levado a sério", publicada em 24/9/2013, e "Descaso com o planejamento deixa o país sem rumo", publicada em 22/9/2015, dentre outras (estas duas últimas constam do livro mencionado na nota de rodapé 2, pp. 105-108 e 109-114, respectivamente).
[7] "Financiamento da segurança pública precisa de atenção", publicada em 2/7/2013; "Solução para a crise carcerária tem significativo reflexo orçamentário", publicada em 25/8/2015 (ambas constam do livro mencionado na nota de rodapé 2, pp. 57-60 e 75-80, respectivamente); "Colapso financeiro leva ao caos social e à intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro", publicada em 6/3/2018; e "Aumento da violência leva a retrocesso nas prioridades orçamentárias", publicada em 26/6/2018.
[8] Veja-se a primeira medida provisória assinado pelo novo presidente, a MP 870, de 1º/1/2019, que reorganiza a Presidência da República e os ministérios, desfazendo-se a divisão feita no governo anterior, sendo ainda ampliadas suas atribuições com a incorporação do Coaf, antes sob o comando do extinto Ministério da Fazenda (“Coaf passa para as mãos de Sérgio Moro, no Ministério da Justiça”. In Valor Econômico, 2/1/2019).
[9] Cerimônia marca o fim da intervenção federal no RJ: “Cumprimos a missão”, diz General (Portal G1 – Globo.com, em 27/12/2018).
[10] Tragédia anunciada. In Revista Veja, ed. 2613, ano 51, n. 51, 19/12/2018, pp. 70-72.
[11] Moro autoriza o envio de Força Nacional para conter violência no Ceará (Uol Notícias, em 4/1/2019).
[12] Já fiz referência ao tema na coluna "Planos de Governo são essenciais para a escolha do próximo presidente", publicada em 21/10/2014 (vide livro mencionado na nota de rodapé 2, p. 102).
[13] "Novo governo desenha a PEC da liberdade orçamentária" (Valor Econômico, 26.11.2018). Sobre o tema das vinculações, veja-se Vinculação de receitas públicas, de André Castro Carvalho (São Paulo: Quartier Latin, 2010).
[14] Coluna "Vinculações orçamentárias não são a panaceia dos problemas", publicada em 8/4/2014 (e que consta do livro mencionado na nota de rodapé 2, pp. 177-180).
[15] Referidas na coluna "O novo presidente e o Direito Financeiro: o que podemos esperar?", publicada em 16/10/2018.

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