A elevação do máximo da pena de reclusão é retrocesso civilizatório
2 de dezembro de 2019, 8h00
Por puro populismo, autoridades querem elevar o máximo da pena de reclusão a 40 anos sob o falso pretexto de combate à violência e corrupção. O coro no Congresso a favor é volumoso. E ao povo resta se iludir mais uma vez.
Para Aristóteles, os homens, mais de 90%, nasceram para serem comandados.
Aos soldados não cabe questionar a justiça da guerra para a qual são convocados.
Muitas vezes na história os animais ditos racionais já seguiram vozes de comando para a barbárie coletiva. No final da luta dos gladiadores, ouvia-se depois de uma voz de comando, repetidamente: “Aos leões!.. Morte ao vencido!” e por aí a fora… Assim foi na condenação de Cristo, no sangrento extermínio dos índios brasileiros, no sequestro e escravidão dos negros, na perseguição nazista aos judeus e, ainda, nas hediondas torturas sob as ordens das recentes ditaduras militares do continente latino-americano.
Num excepcional espasmo de evolução, até por força de convenções internacionais, viu-se o Brasil obrigado a incorporar em sua Constituição Federal garantias de direitos fundamentais a criminosos condenados, tais como, em resumo, a eliminação da pena de morte ou perpétua, do banimento e de penas cruéis, bem como daquelas que pudessem ultrapassar a pessoa do criminoso.
Infelizmente, todavia, com a substituição da linguagem jurídico-filosófica pela linguagem econômica como instrumento de pacificação social, a ética perdeu lugar para a ação do poder econômico, que faz do Estado seu refém, tornando-o incapaz de garantir a ordem social. E, ao contrário, em defesa da manutenção de seu partido no poder, prefere o governante da hora estimular o antagonismo gratuito, o confronto entre grupos sociais e, ainda, a repressão cada vez maior aos inimigos do regime, a começar pelos adversários políticos e pelos excluídos.
Não se recomenda o extremismo na abordagem desse tema. Nem vale a teoria de Papini, em sua irônica ficção (Gog), de que, como a sanção nunca condiz com o grau de lesividade do crime praticado, melhor seria que a sociedade punisse por antecipação os inocentes. Nem vale a tese de Foucault que, com veemência (Vigiar e Punir), demonstra a completa inutilidade da prisão.
O certo é que o estágio civilizatório da humanidade exige um Direito Penal menos repressivo.
Sendo a prisão um critério medieval de punição, que atende mais à busca psicopatológica de coletividades humanas de festejar o sofrimento dos excluídos do que às reais necessidades sociais, deve ela ser imposta apenas excepcionalmente, quando se tornar impossível a aplicação de uma pena alternativa não privativa da liberdade.
Mesmo assim, visto que para quem está no cárcere um mês é uma eternidade, o ideal seria que essa brutal sanção não ultrapassasse o máximo de dez anos. Se esse tempo, de um lado, apresenta-se suficiente para a formação profissional do condenado, revela-se bastante, de outro, para lhe proporcionar a necessária transformação moral, de modo a tornar possível sua reabilitação ao convívio social.
O máximo de 30 anos de reclusão, admitido na atualidade, já configura na prática a vedada prisão perpétua e o máximo que se pretende adotar, de 40 anos, caracteriza na realidade a pena de morte, considerada a expectativa de vida média do preso brasileiro.
Aliás, tais princípios constitucionais são afrontados quando imposta pena tão longa, correspondendo na verdade ao banimento ou exclusão definitiva do condenado da sociedade a que pertence e, portanto, de sua pátria. E não se pode ignorar que o grau de crueldade da pena não se mede somente pelo modo de seu cumprimento, mas pelo tempo exigido para esse fim, equivalendo na realidade à eterna escravidão sem a menor possibilidade de concessão de alforria.
Além disso, pena de tal ordem ultrapassa a pessoa do criminoso, visto que, para os familiares do condenado, significa penitência ainda maior, que é sofrer com a vitalícia separação de um de seus filhos ou irmãos, por vezes com vínculos que transcendem a consanguinidade.
É lógico que isso não vale para os casos de contumácia ou reincidência na prática de atos violentos, que acabam indicando psicopatia a ser tratada com a segregação do criminoso pelo tempo recomendado pela medicina, como medida de segurança.
Não se cuida aqui de simples compaixão aos condenados, mas da mínima racionalidade civilizatória.
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