Opinião

Combate à corrupção não pode virar discurso contra os direitos fundamentais

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3 de agosto de 2019, 6h27

Não se trata de uma questão política — direita ou esquerda —, mas, sim, de regimes totalitários. O aventado discurso de combate à corrupção já foi usado — e continua sendo — por governos de diversos conteúdos ideológicos, a ponto de atingir o indesejável: lutar contra a corrupção de qualquer forma, mesmo que se promova um leque de lesões a direitos individuais. Elege-se, numa proporcionalidade contestável, que o bem maior é o combate à corrupção, constituindo o bem menor os demais direitos e garantias humanas fundamentais.

Eis a falácia. Eis o sofisma. Mas esse discurso encanta radicais de esquerda e direita, jamais chegando a um ponto final seguro e promissor, tendo em vista que, no percurso, são destruídos incontáveis direitos essenciais ao ser humano.

Valendo-se de lições básicas de criminologia, acolhendo-se o ensinamento atual da maioria dos autores dessa área, chega-se à conclusão de que a criminalidade é tão normal quanto a sociedade; são os criminosos tão normais quanto qualquer cidadão reputado honesto. O fato de merecer reprimenda não alterna essa normalidade. Assim sendo, tanto quanto qualquer outro delito, a corrupção faz parte das relações sociais, desde que se começou a computar as espécies delitivas. O corrupto não é um anormal, tanto quanto o furtador e o roubador também não são. São todos seres humanos normais, que, por razões variadas, seguiram a trilha da criminalidade.

Ora, se não se advoga a tese de que, para punir um furto sejam lesadas as garantias humanas fundamentais, inexiste razão para fazer o mesmo no tocante à corrupção e infrações correlatas, como lavagem de dinheiro e sonegação. No entanto, o discurso político se torna muito mais atrativo quando se aponta para o combate à corrupção — um crime do colarinho branco — do que quando se pretende a luta contra os delitos patrimoniais. Possivelmente, isso decorre do fato de que a corrupção espelha a atividade criminosa, como regra, de agentes de maior condição econômico-financeira. Seria uma punição à elite, enquanto o furto e o roubo ligam-se à classe economicamente menos favorecida.

Sob o ponto de vista da dignidade da pessoa humana, princípio regente das ciências criminais, não importa quem seja o agente criminoso, pois todos têm direito a ter preservadas as salvaguardas previstas no artigo 5º da Constituição Federal.

Noutros termos, não vale tudo para punir corruptos. A partir disso, não se pode tolerar nenhum ferimento a direito individual, sob qualquer pretexto. Provas ilicitamente conseguidas devem ser expurgadas para a condenação de alguém. Para a absolvição, no entanto, pode-se aceitá-las, pois o que está em jogo é a liberdade individual, valor muito acima, axiologicamente, do que o bem jurídico tutelado pelo crime, embora se possa punir o autor da ilicitude.

Assim sendo, grampos ilegais são imprestáveis para punir quem quer que seja. Mas também é preciso rejeitar o juiz parcial e antinatural, que se filia à acusação, quando em detrimento à defesa, com o fim de condenar um acusado. A malversação no trato das garantias fundamentais contesta a idoneidade do Estado Democrático de Direito e fomenta mais deslizes.

Visualizando-se experiências históricas de totalitarismo de direita e de esquerda, o discurso, nesse campo, parece idêntico: combater a corrupção sob qualquer pretexto. Mas errados estão ambos os lados.

Há que se fugir desse cenário triste. Nenhum crime, seja qual for, deve ser combatido por meio de flagrante lesão a direito ou garantia humana fundamental. É exatamente isso que sustenta a dignidade da pessoa humana, alicerce do Estado Democrático de Direito.

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