Opinião

Um ano de Lindb: há o que celebrar, mesmo que seja a mera existência da lei

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

25 de abril de 2019, 6h31

Nesta quinta-feira (25/4), as modificações empreendidas na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Lindb), por meio da Lei 13.655/18, completam um ano. Não se trataram de sutis alterações, porquanto possibilitaram, à administração pública, uma nova forma de agir, pretensamente com menos receio e mais diligência. Temos, na verdade, uma nova legislação, que visa, antes de tudo, à facilitação da tomada de decisões administrativas.

Surgindo com uma ementa um tanto auspiciosa, a Lei 13.655/18 apresenta-se como uma norma que dispõe sobre segurança jurídica e eficiência na criação e na aplicação do Direito Público, talvez muito para uma lei que apenas tencionou insertar, em outra legislação, alguns dispositivos legais. Mas terá sido este o seu único propósito? Talvez não!

Buscou-se possibilitar à combalida administração pública uma maior segurança quanto às suas decisões, por meio da aferição das consequências destas, bem assim ofertar a demonstração da concretização das decisões administrativas no mundo real. Para além, a legislação inova quanto à participação do cidadão nas decisões exaradas, conformando a existência de uma administração pública consensual, acordante, que calcula os riscos de suas decisões e entabula critérios de segurança jurídica destas. Tudo isso tende, inquestionavelmente, a refletir em maior eficiência administrativa e, ao final, em maiores benefícios não só para a administração como também para o próprio cidadão, justificando-se a menção da ementa à eficiência e segurança jurídica.

Nada obstante o conteúdo inovador e esperançoso da legislação, há algumas indagações que se fazem por ocasião de seu natalício, e que muito nos inquieta: 1) houve e tem havido o cumprimento do desiderato normativo pensado pelo legislador?; 2) como vem agindo a administração pública, na prática, no decorrer deste primeiro ano da novel norma?; 3) como têm se comportado os órgãos de controle externo diante desta legislação que, ao que se percebe, almeja um maior protagonismo para a administração pública? Eis, portanto, o que se pretende aqui, sucintamente, debater.

A primeira indagação repousa na absorção do conteúdo normativo pela administração pública, destacando-se, desde já, que se trata de lei nacional, aplicável em todas as esferas da federação. A perquirição parte de uma ideia até certo ponto pragmática e, em certa medida, caricata. É que a lei chegou, para a administração e os agentes públicos, como uma oferenda, senão inesperada, ao menos mais grandiosa do que o que de costume se recebe, tal qual uma pobre criança quando ganha um brinquedo desconhecido, cujas funções e potencialidades sequer supõe.

De todo modo, parece que houve, sim, a assimilação do conteúdo normativo pelo poder público, pois que, da leitura de seus dispositivos, ainda que estritamente literal, sem qualquer alvoroço de uma interpretação mais eloquente, já se faz perceber que a norma visa, como consta em seu epíteto inicial, à melhoria na tomada de decisões administrativas, buscando, como dito, a eficiência e qualificando as decisões administrativas com uma segurança jurídica mais contundente, é dizer, com menores riscos e incertezas. Todavia, ainda não se sabe, por completo, qual é mesmo o desiderato normativo, digo, qual a dimensão da pretensão do legislador.

Não se faz possível, com exatidão, afirmar que o poder público venha, neste primeiro ano de vigência normativa, agindo tal qual esperado pelo legislador — aqui já entramos na segunda resposta. Bem, dissecar qual o comportamento da administração, após o surgimento da nova Lindb, importa na busca pontual, tópica e casual dos mais vastos e ainda desconhecidos atuares administrativos, uma vez que a lei, como já mencionamos, vigora nos âmbitos federal, estadual, distrital e municipal. Não temos, ainda, mesmo diante de uma pesquisa empírica simbólica, a menor possibilidade de afiançar, sem margem para questionamentos, que tenha havido um “giro administrativo” depois das alterações na Lindb.

E aqui já a tentativa de solução para o terceiro ponto — decerto o mais traumático —, porquanto passeia pela presença do controle externo e galopa à margem de uma conjunção subordinativa condicional “se”. Na verdade, todo este ensaio poderia ter sido desenvolvido ao derredor apenas da terceira indagação, cuja repetição se faz necessária: como têm agido os órgãos de controle?

Em outro artigo[1], tivemos a oportunidade de antecipar um pouco das conclusões a que chegaremos aqui: a atuação participativa da administração dependerá, em certa medida, do comportamento adotado pelos órgãos de controle externo. Na verdade, “é preciso combinar com os russos”. A tônica da Lindb, infelizmente, será dada pelo que os órgãos de controle ditarem em suas análises finais sobre a interpretação mesma que é dada pela própria administração — e pela interpretação que os órgãos de controle conferirem aos novos dispositivos da Lindb.

É que ninguém impede um órgão de controle externo de debruçar-se sobre um acordo ou ajuste administrativo, ainda que haja previsão normativa expressa, incrustada no artigo 26 da Lindb. Não será surpreendente se o Ministério Público, por exemplo, promover uma ação civil pública de improbidade administrativa contra um gestor que, com base no permissivo legal, entabule um ajuste para o poder público, mesmo que tenha agido com base na lei. Ora, algo evita de o parquet cogitar que o concerto, ainda que legal, é imoral, enxertando em sua peça um sem-número de princípios que se encaixam para tudo e para todos? Obviamente que não!

Seguindo a mesma trilha, há algum impedimento para um Tribunal de Contas incursionar sobre um ato administrativo, alegando a existência de erro grosseiro? Tampouco. Em outras palavras, tudo acaba no controle externo, na forma em que o Ministério Público, o Tribunal de Contas e o Poder Judiciário vierem a aplicar a Lindb.

Em síntese, a resposta às três indagações jaz no mesmo ponto — o que pensam e como agem os órgãos de controle; em outras palavras, a utilização das potencialidades da nova Lindb e o alcance do seu desiderato dependem de um grande “se”. Tal como ocorre com as mais variadas interpretações que podem ser dadas pela própria administração, os órgãos de controle também variam. Veja-se, por exemplo, que o Tribunal de Contas da União já conferiu três julgados bem distintos quanto à interpretação do artigos 28 da Lindb (erro grosseiro)[2]. Ainda que a intenção seja a melhoria da eficiência e segurança jurídica, a incerteza perdura!

À guisa de fechamento, sem qualquer pretensão de exaustão, podemos pronunciar que, nada obstante todas as incógnitas que ainda pairam sobre a nova lei, é cedo para tirar conclusões mais profundas ou terminativas. Mesmo assim, há o que celebrar, mesmo que seja a mera existência da lei, fomentadora de um novo tipo de administração pública, mais atuante, eficaz e mais audaciosa, que, sem timidez, poderá justificar, na prática, o verdadeiro cumprimento da função administrativa e do melhor interesse público. Esperemos, pois, que a compreensão dos controladores externos volte-se ao cumprimento do espírito da norma, sem excessos e sem abusos, pena de nos mantermos na mesma estagnação que contamina o dia a dia da administração pública.


[1] SOUSA, Guilherme Carvalho. Uma análise do art. 26 da LINDB: o controle externo e a Administração. Consultor Jurídico – CONJUR. 31 de março de 2019.
[2] SOUSA, Guilherme Carvalho. O art. 28 da LINDB é uma mera “bandeira branca”? Migalhas. 21 de fevereiro de 2019.

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