Crime e Castigo

A democracia na sala: a necessária preservação do Supremo Tribunal Federal

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  • Ney Bello

    é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região professor da Universidade de Brasília (UnB) pós-doutor em Direito e membro da Academia Maranhense de Letras.

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21 de abril de 2019, 11h34

Spacca
A quem interessa a desestabilização da democracia, com as agressões para além do nível da crítica ao Supremo Tribunal Federal e a seus integrantes?

A quem aproveita o discurso da dissolução do estado democrático de direito, com a ameaça de fechamento do STF?

Antes que a óbvia resposta apareça – ao totalitarismo e ao autoritarismo – é preciso verificar que somente em regimes ditatoriais de esquerda ou de direita, facistas ou comunistas radicais, foi possível pensar e executar agressões desse jaez, tolhendo a sociedade e o Estado de um dos seus principais mecanismos de freios e controles.

Regimes liberais e regimes sociais democratas sempre conviveram muito bem com a autonomia e a liberdade de decisão do Poder Judiciário. Nunca foi – e isto é uma constatação histórica – da natureza de regimes modernos agredir ou extinguir a Justiça!

Através de redes sociais e da leitura de veículos de imprensa digital, parte significativa dos cidadãos interessa-se por política, Estado e poder! Muitos passam a expressar seus pensamentos diariamente, mesmo que suas premissas sejam equivocadas e seus pressupostos sejam obtusos; mesmo que as informações nas quais se baseiam estejam corrompidas e haja direta influência de terceiros na construção dos seus raciocínios.

Quais as razões que levam parte da sociedade civil e parcela significativa das redes sociais a aderirem à retórica da demonização da cúpula do Judiciário? Que força estranha leva alguns a agredirem verbalmente e publicamente magistrados?

Em primeiro lugar, parece perceptível que a natureza da decisão judicial, tomada em diversos casos, transforma o juiz ou o Ministro em um inimigo potencial de alguém. Se a decisão tomada não é aquela que agrada o cidadão, então o magistrado que a proferiu é seu inimigo e deve ter tido razões espúrias para fazê-lo. Esse o pensamento médio das redes sociais.

É a concordância ou a discordância em relação às decisões que conduz parte da sociedade à demonização das Cortes, em especial do STF.

Se o investigado Y permanece preso, então os juízes e Ministros que o mantiveram se tornam adversários de parte da sociedade.

Ao revés, se o investigado X é solto, os magistrados que concederam a soltura são inimigos de outros tantos internautas.

No atual estágio da nossa democracia, que se expressa através das redes, todas as críticas são potencializadas e todos os rancores hiperbolizados. No mundo paralelo do espaço virtual o equilíbrio, a tolerância e a racionalidade cedem lugar para a violência, a irracionalidade e a insensatez.

E, não raro, parte desses internautas rompem a barreira das telas de smartphones e agridem diretamente – em restaurantes, bares e aviões – integrantes do Judiciário.

O grau de absurdez chega as raias da loucura e faz lembrar movimentos iguais na Alemanha e na Itália, em um tempo que já não quero lembrar.

Só é possível imaginar uma sociedade equilibrada se nela houver um Poder, com seus órgãos de cúpula, que esteja distante das tensões políticas e ideológicas.

Nem sempre é possível acolher o pensamento da sociedade e das redes sociais em decisões. A voz das ruas e a voz do povo, assim como a voz de Deus, não são elementos constitutivos da decisão judicial.

O papel da Corte Constitucional brasileira, conforme o perfil que nos dota a Constituição de 1988, não apenas a coloca no espaço de imparcialidade, como de necessária independência frente a qualquer poder, inclusive o do senso comum.

A decisão que se deixa levar pela força – em quaisquer de suas manifestações – é equivocada. As redes sociais e o senso comum são cada vez mais fortes e cada vez mais se constituem em um poder que tenta interferir no Judiciário. A rede social e o senso comum também tendem a corromper a atuação do juiz.

Outra questão assaz importante para compreender a atitude de parte das redes sociais de agredir o Judiciário – e neste momento o STF, – diz com a desmistificação do lugar de fala do juiz e do Ministro, e a perda de peso material de suas próprias decisões.

Em poucos lugares do mundo uma decisão judicial é televisionada para todo o país e seus processos de discussão são acompanhados em tempo real.

A nossa Corte invadiu os lares e as redes sociais de tal maneira que se tornaram assunto de pasquins e blogs.

É salutar?

Resolver conflitos entre posições ideológicas suscita rancores e amores. Hiperbolizar esses sentimentos, midiatizando o processo de decisão publicizando rostos e falas, não me parece que contribua para uma sociedade melhor.

Não é assim nas grandes e sólidas democracias do mundo e não acho que a TV Justiça contribua para mais democracia.

Se essas parecem ser as causas primárias da reação que se observa, o que deve ser necessário fazer para garantir o equilíbrio democrático que só existe com um Poder Judiciário forte e independente?

Em primeiro lugar, entender que desvios éticos ou criminais não se confundem com fake news ou com pensamento adverso. Não é possível que diuturnamente estejamos propensos a justificar as decisões que nos desagradam usando o artifício das razões escusas e das causas espúrias.

Em segundo lugar, trabalhar para que as redes sociais e a sociedade como um todo entendam que desconstrução de uma instituição, a dissolução de uma garantia e o desfazimento de um regime democrático de direito não conduzirão a todos nós na direção de uma sociedade melhor!

Não será agredindo Ministros e Magistrados que viveremos a plena democracia e a desejada paz da modernidade!

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  • é desembargador no Tribunal Regional Federal da 1ª Região. Pós-doutor em Direito, professor, membro da Academia Maranhense de Letras.

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