Direito do Agronegócio

A recuperação judicial do empresário rural na jurisprudência do STJ

Autores

  • Flavia Trentini

    é professora associada do Departamento de Direito Privado e de Processo Civil e do programa de mestrado da Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (USP) e livre docente em Direito Agrário pela FDRP-USP com estágio pós-doutoral pela Scuola Superiore Sant'Anna di Studi Universitari e Perfezionamento (SSSUP Itália) e em Administração/Economia das Organizações (FEA/USP).

  • Gabriel Fernandes Khayat

    é advogado e mestre em Direito pela Faculdade de Direito de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FDRP-USP).

  • Leonardo Cunha Silva

    é advogado e mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto.

19 de abril de 2019, 8h00

Spacca
Na sequência da coluna anterior, em que foi iniciada a análise da concessão da recuperação judicial ao empresário e à sociedade empresária rural, o presente texto apresentará a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça acerca da temática.

A pesquisa foi realizada com os mesmos critérios operados na pesquisa jurisprudencial no Tribunal de Justiça de São Paulo[1] na coluna anterior, ao que se chegou ao seguinte resultado:

Ano* Total Descarte** Selecionados
2005 1 1 0
2009 1 0 1
2012 1 1 0
2013 1 0 1
2014 1 1 0
2015 1 1 0
2016 1 1 0
2017 1 1*** 0
2018 3 3 0
Total 11 9 2

*Não foram encontrados acórdãos em que o STJ apreciou a matéria nos anos 2006, 2007, 2008, 2010, 2011 e 2019
**Foram descartados todos os julgados que não tinham por objeto a análise dos requisitos para a concessão da recuperação judicial ao produtor rural
***Proposta de Afetação no REsp 1.684.994/MT

Ao contrário da tendência identificada no TJ-SP no sentido de exigir como requisitos para o deferimento da recuperação judicial a comprovação do desenvolvimento da atividade por mais de dois anos e o registro em data anterior ao pedido, o STJ tem apenas dois acórdãos que apreciam a matéria: REsp 474.107/MG (2009) e REsp 1.193.115/MT (2013).

O primeiro acórdão, relatado pelo ministro Luís Felipe Salomão, não trata exclusivamente da interpretação da Lei 11.101/2005, mas de assunto correlato, que é a aplicação do regime de insolvência civil, previsto nos artigos 955 e seguintes do Código Civil[2], ao produtor rural. Neste caso em questão, tratava-se de pecuaristas que atuavam “na compra e venda de gado no meio rural, geralmente a frigoríficos da redondeza, com lucro relativamente baixo”.

Já o REsp 1.193.115/MT, embora não tenha enfrentado as condições de admissibilidade ou não de pedido de recuperação judicial rural, abordou questão extremamente relevante que é a (des)necessidade de juntada de certidão de inscrição na Junta Comercial, realizada antes do ingresso do pedido em juízo, em razão do inciso V, do artigo 51, da Lei 11.101/2005[3].

Segundo o ministro Sidnei Benetti, cujo entendimento restou consignado no acórdão, embora o exercício de atividade empresária independa do registro na Junta Comercial, a concessão de recuperação judicial dependeria da certidão de inscrição na Junta Comercial, em razão do artigo 51 da Lei 11.101/2005, o qual poderia ser obtido a qualquer momento, desde que antes do pedido de recuperação judicial.

Em sentido contrário, apesar da ausência de inscrição na Junta Comercial, o voto da ministra Nancy Andrighi decidiu pela concessão da recuperação judicial dos empresários rurais, em razão da facultatividade do registro prevista no artigo 971 do Código Civil, e pelo fato de que o maior interesse da recuperação judicial é a preservação da empresa, ressaltando que, no caso, os produtores comprovaram a atividade empresarial pela inscrição no Cadastro de Contribuintes da Secretaria da Fazenda de Mato Grosso.

A divergência evidencia a necessidade de o STJ pacificar a matéria, o que deixou de ser realizado na Proposta de Afetação no REsp 1.684.994/MT, em que foi rejeitada a afetação ao rito dos recursos repetitivos a possibilidade de o empresário individual rural requerer o benefício da recuperação judicial, ainda que não se tenha inscrito na Junta Comercial há mais de dois anos da data do pedido, em razão da ausência de precedentes do STJ sobre a matéria.

De todo modo, a recente concessão da tutela de urgência no Pedido de Tutela Provisória 1.920/MT para que não apenas os débitos constituídos após o registro na Junta Comercial se submetam ao regime concursal indicam um caminho de enfrentamento da questão, a fim de que o mercado tenha segurança e previsibilidade nesta seara.

Diante do posicionamento do TJ-SP e do STJ acerca da temática, nas próximas semanas será feita uma análise dos principais fundamentos relativos ao tema apontados na jurisprudência e decorrentes da interpretação legal, a fim de contribuir com debate sobre a matéria.


[1] A pesquisa jurisprudencial foi elabora tendo em vista o limite temporal para a pesquisa jurisprudencial de 8/6/2005, data do início da vigência da Lei 11.101/2005, até 30/3/2019, tendo por objeto os acórdãos julgados pelo STJ neste intervalo temporal, pela eleição das palavras-chave “recuperação judicial” e “rural” no campo “pesquisa livre” da pesquisa jurisprudencial do STJ pelo site <http://www.stj.jus.br/SCON>.
[2] O regime da insolvência civil é regulada pelos artigos 748 e seguintes, do Código de Processo Civil de 1973 até que seja editada lei específica para tal fim, por disposição expressa do artigo 1.052 do Código de Processo Civil de 2015. (NERY JUNIOR, Nelson. NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil comentado. 2. ed. em e-book baseada na 12. ed. impressa. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017. n.p.)
[3] Art. 51. A petição inicial de recuperação judicial será instruída com:
(…)
V – certidão de regularidade do devedor no Registro Público de Empresas, o ato constitutivo atualizado e as atas de nomeação dos atuais administradores.

Autores

  • é professora da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto, doutora em Direito pela USP, com pós-doutorado em Administração e Economia das Organizações pela USP. Visiting professor na Scuola Universitaria Superiore Sant’anna (Itália).

  • é advogado, graduado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e mestrando na mesma instituição.

  • é advogado e mestrando em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo em Ribeirão Preto.

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