Anuário da Justiça

Jurisprudência do Supremo e do STJ reduz divergências na seção criminal do TJ-RJ

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19 de abril de 2019, 7h26

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2019, lançado nesta quarta-feira (17/4) no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro.  

ConJur
Em busca de entender o perfil das câmaras de julgamento e de seus integrantes, o Anuário da Justiça Rio de Janeiro 2019 pesquisou as decisões disponíveis na consulta de jurisprudência do site da corte e constatou que grande parte dos acórdãos criminais é unânime, situação que não dá margem ao uso de embargos infringentes, recurso analisado por uma turma formada por cinco integrantes e que, por isso, abre a possibilidade de o voto vencido prevalecer.

A pesquisa constatou ainda que as teses definidas pelo Supremo Tribunal Federal e pelo Superior Tribunal de Justiça, em recursos com repercussão geral e também nos repetitivos, costumam ser aplicadas pelos desembargadores, mesmo nos casos em que pensam diferente, para dar rapidez às decisões e evitar que acusados tenham vãs esperanças em temas já consolidados.

Na discussão sobre a possibilidade de condenado por tráfico privilegiado de drogas cumprir pena em regime aberto, sete das oito câmaras da seção acompanham o entendimento favorável ao acusado adotado pelo Supremo Tribunal Federal. Apenas na 4ª Câmara existem votos contrários. O STF decidiu, em diferentes ocasiões, ser inconstitucional a previsão da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006) que vedava a conversão da pena por tráfico privilegiado em restritivas de direitos. Decidiu também ser inconstitucional o artigo 44 da norma, que proíbe a concessão de liberdade provisória a presos acusados de tráfico. E afastou o caráter hediondo do crime.

O Placar de Votação mostra que três integrantes da 4ª Câmara entendem ser inadequado o regime inicial aberto para o cumprimento da pena. Para Antonio Ferreira Duarte, “os delitos de tráfico e associação para o tráfico têm causado grande intranquilidade na sociedade, demonstrando que a aplicação do regime prisional fechado melhor se faz necessária, pois se concilia com a necessidade de prevenção geral e especial de tão graves crimes”. 

O porte compartilhado de arma, outro tema de grande demanda pesquisado pelo Anuário da Justiça, é uma construção jurisprudencial que vem sendo aceita pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Apenas na 5ª e na 6ª Câmaras prevalece o entendimento de impossibilidade material dessa acusação. Mesmo assim há divergências dentro desses colegiados. O porte compartilhado de arma pode acontecer em diversas ocasiões, de acordo com decisões da corte. Quando, por exemplo, um dos acusados leva a arma em uma mochila; quando é encontrada dentro do porta-luvas do carro usado para cometer o crime; quando os réus estão juntos e um deles é visto empunhando a arma. A condenação se baseia, por analogia, no artigo 16, parágrafo único, IV, da Lei 10.826/2003, que dispõe sobre o porte ilegal de arma de fogo.

A 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça tem rejeitado pedido de Habeas Corpus contra a condenação por porte compartilhado de arma. Em um dos casos mais recentes julgados, o HC 352.523, a decisão diz “as circunstâncias em que a prisão dos acusados foi efetuada evidenciam que o porte da arma de fogo apreendida era compartilhado, razão pela qual resta clara a presença de unidade de desígnios para a prática delituosa, não havendo se falar em absolvição do paciente. Decerto, ainda que se trate de crime unissubjetivo, admite-se a coautoria quanto ao delito do artigo 16 da Lei 10.826/2003”. O principal argumento da defesa contra o reconhecimento dessa acusação é o de tratar-se de crime de mão própria, que, por isso, não poderia ser praticado por mais de uma pessoa ao mesmo tempo. É esse também o principal argumento usado pelos desembargadores que não concordam com a tese da acusação.

Em um dos casos analisados pelo TJ-RJ, o desembargador Nildson Araújo, da 6ª Câmara, afirmou ser “indecifrável o denominado porte compartilhado de uma arma de fogo, sobretudo quando, como se vê nos autos, somente um dos denunciados segurava o revólver. Caberia indagar se seria o caso de um agente passar sucessivamente a arma para o outro, para possibilitar que cada um, também sucessivamente, ficasse um pouco com a arma. No entanto, isto, além de não ter sido descrito na inicial, não restou provado. Apelo provido, julgando–se improcedente a representação”.

Uma das maiores divergências na Seção de Direito Criminal está na discussão sobre a embriaguez ao volante. Vinte desembargadores entendem tratar-se de crime de perigo abstrato. Isto é, apenas o fato de beber e dirigir já pode ser caracterizado como crime. Outros 19 acreditam que, além de beber e dirigir, o motorista deve apresentar sinais de que, realmente, possa vir a causar um acidente. Para esses integrantes do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, ser parado em uma blitz da “Lei Seca” e ter mais álcool no sangue do que admite o artigo 306 do Código de Trânsito não permite a sua condenação, por si só. É necessário anormalidade na condução ou exposição a dano potencial, o que indicaria o bem jurídico tutelado. 

Na 1ª e na 8ª Câmaras estão concentradas as maiores divergências entre os integrantes. A 1ª Câmara decide, por 3 votos a 2, que beber e dirigir, por si só, não é um crime. A 8ª Câmara vota em sentido oposto, também por 3 votos a 2.

O desembargador Marcus Henrique Pinto Basílio, da 1ª Câmara, explica o seu posicionamento contrário ao crime de perigo abstrato. “Não podendo ser admitido no Direito Penal moderno o chamado crime de perigo abstrato por força do implícito princípio constitucional da ofensividade, penso que para o reconhecimento do crime da lei de trânsito referido não basta que o motorista esteja com o limite legal de concentração de álcool no sangue, impondo-se a comprovação de que ele estava dirigindo sob a influência daquela substância, o que se manifesta numa direção anormal que coloca em risco concreto a segurança viária que é o bem jurídico protegido pela norma.”

Na 8ª Câmara, em recurso do Ministério Público contra a sentença de absolvição sumária do acusado, a desembargadora Elizabete Alves de Aguiar explica que “criminalizar a imprudência” é uma forma de evitar os acidentes de trânsito que terminam em morte. Por isso, diz ser preciso seguir “a nova orientação adotada pelos Tribunais Superiores, firmada no sentido de se classificar o mencionado tipo penal, com a sua atual redação dada pela Lei 11.705/2008, como crime de perigo abstrato, o que se traduz em reputar por desnecessário, assim, que a conduta do agente venha a expor, de fato, a incolumidade física de outrem a um risco concreto de lesão, sendo suficiente, para a configuração do delito em tela, o mero ato de dirigir com concentração de álcool no sangue em nível superior ao que a lei permite”. 

Anuário da Justiça também pesquisou se a Seção Criminal costuma aplicar o princípio da insignificância nos casos de furto de bem de baixo valor. Em todas as câmaras, o entendimento é de que o preço do produto, por si só, não permite a aplicação do benefício. De acordo com os desembargadores da corte, a sua aplicação depende de ao menos três exigências: mínima ofensividade da conduta do acusado, ausência de perigo social da ação e reduzido grau de reprovabilidade do comportamento do réu. 

No caso em que o acusado havia furtado três xampus e um condicionador, avaliados em R$ 66, a desembargadora Sandra Kayat Direito, da 1ª Câmara, afastou o princípio da bagatela. Explicou que ele já havia sido beneficiado em processo anterior, em que foi acusado de furtar quatro desodorantes e dois xampus. “Não se pode dar carta branca para que as pessoas subtraiam bens alheios e permaneçam impunes”, escreveu em seu voto.

A Seção Criminal se mostrou garantista, entretanto, no julgamento de casos em que o réu confessa parcialmente o crime. Sete das oito câmaras entendem tratar-se de uma atenuante, que deve ser levada em conta no momento do cálculo da pena. Mas há ressalvas, baseadas principalmente em duas súmulas do STJ. O Enunciado 231 diz que “a incidência da circunstância atenuante não pode conduzir à redução da pena abaixo do mínimo legal”. A Súmula 545, também do STJ, diz que a atenuante pode ser aplicada desde que os relatos possam ser usados na fundamentação da sentença. O desembargador Antônio José Ferreira de Carvalho, da 2ª Câmara, avalia também a gravidade do crime antes de aplicar o benefício.

Na 4ª Câmara, três desembargadores não aceitam a confissão parcial como atenuante. Em um dos casos julgados, o desembargador Antônio Ferreira Duarte, explica que “a confissão para ensejar a diminuição da reprimenda deve ser completa, uma vez que o objetivo do legislador é estimular a verdade processual, de modo a beneficiar apenas aqueles que contribuem para que o juízo tenha pleno conhecimento das circunstâncias da prática delitiva. Verificando-se que a confissão foi parcial, não deve ser utilizada na atenuação da reprimenda, impondo-se o seu afastamento”.


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