Liberdade negada

Um quarto das audiências de custódia no Rio mantém prisões ilegais, diz Defensoria

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1 de abril de 2019, 13h00

Um quarto das mulheres que foram mantidas presas depois de audiências de custódia no Rio de Janeiro deveria ter sido solto. Segundo estudo da Defensoria Pública do estado, são mulheres grávidas, lactantes, mães de crianças com necessidades especiais ou mães de menores de 12 anos. Devem, portanto, responder ao processo em liberdade, conforme manda o artigo 318-A do Código de Processo Penal.

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Audiências de custódia no Rio têm mantido prisões preventivas que afrontam Código de Processo Penal, diz Defensoria

A pesquisa O perfil das mulheres gestantes, lactantes e mães atendidas nas audiências de custódia foi feita entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019. Nesse período, a Defensoria contabilizou 161 mulheres que atendiam aos critérios fixados pela Lei 13.769/2018, que acrescentou artigos ao CPP.

Com os novos artigos, o CPP passou a dizer que grávidas, lactantes ou mães de menores de 12 anos devem responder a processo em prisão domiciliar, caso seja decretada prisão preventiva.

Das 161 mulheres, a maior parte havia sido presa por crimes relacionados à Lei de Drogas (38%) ou por furto (34,5%). Além disso, 84% eram rés primárias. No entanto, 45 delas foram mantidas presas preventivamente após a audiência de custódia – ou seja: 28% do total. Apenas 10% receberam a prisão domiciliar.

O índice de prisões preventivas, contudo, aumenta para 36% se consideradas todas as mulheres grávidas ou com suspeita de gravidez, lactantes e mães que passaram pela Central de Benfica no período pesquisado.

Segundo o relatório, entre agosto de 2018 a fevereiro desse ano, a Defensoria Pública registrou a passagem de 552 mulheres na Central de Benfica com informações sobre o resultado da audiência de custódia. Desse total, 256 estavam grávidas ou com suspeita de gravidez, ou eram lactantes e mães de filhos pequenos. Contudo, 92 tiveram a prisão preventiva decretada. Além disso, somente 18 tiveram a prisão em flagrante convertida em domiciliar.

Segundo explicou a defensora Caroline Tassara, coordenadora do Núcleo de Audiência de Custódia da DP-RJ, a liberdade provisória ou prisão domiciliar para as grávidas, lactantes e mães, acusadas de crimes não violentos ou praticado mediante grave ameaça, foi determinada pelo STF em fevereiro do ano passado, no julgamento do Habeas Corpus Coletivo 143.641, relatado pelo ministro Ricardo Lewandowski. O entendimento, no entanto, se tornou indiscutivelmente obrigatório com a aprovação da Lei 13.769/18, que alterou o Código de Processo Penal. 

"O entendimento adotado pelo STF no julgamento do HC coletivo já era vinculante: ou seja, deveria ser aplicado por todas as demais instâncias da Justiça. Mas esse dado, de que 36% das mulheres apresentadas à audiência de custódia permaneceram presas, mostra que a política de proteção dos filhos preconizada pelo Supremo, e que foi posteriormente consolidada pela Lei 13.769/18, não vem sendo observada", afirmou Caroline.

Na avaliação da pesquisadora Carolina Haber, diretora de Estudos e Pesquisas de Acesso à Justiça da DP-RJ, a concessão de liberdade provisória a gestantes, lactantes e mães de filhos pequenos não é muito diferente do constatado entre as demais presas em flagrante, incluindo aquelas sem filhos ou com filhos já adolescentes ou adultos. De acordo com o estudo, do universo composto por 552 mulheres levadas à Central de Benfica no período pesquisado, 316 (ou 57% delas) obtiveram a liberdade provisória.

"A pesquisa revela que ainda é alto o percentual de mulheres que atendem a todas as condições previstas na decisão do STF e na legislação em vigor que são mantidas presas provisoriamente, mesmo sendo, em sua maioria, primárias e não tendo cometido crimes com violência ou grave ameaça. Isso indica que os juízes seguem negando esse direito às mulheres por motivos subjetivos, de acordo com suas convicções pessoais", avaliou Carolina.

Três em cada quatro são negras
Do total de 552 mulheres que passaram na Central de Benfica, entre agosto de 2018 e fevereiro de 2019, apenas 2,7% já haviam sido submetidas à audiência de custódia no mesmo período. De acordo com o relatório, deste universo (552 mulheres), 81% (ou 448 delas) foram assistidas pela Defensoria Pública – o que indica a vulnerabilidade socioeconômica do grupo. Além disso, três em cada quatro das presas se autodeclararam pretas ou pardas.

Segundo a defensora Flávia Nascimento, coordenadora de Defesa dos Direitos da Mulher da DP-RJ, diante do perfil identificado, a resistência na aplicação integral do HC Coletivo e da Lei 13.769/18 nega um direito às mulheres, contribui para o superencarceramento feminino e impede a concretização de uma política voltada para proteção da infância.

"Em um cenário de crescimento da população carcerária feminina, sendo certo que mais da metade das mulheres no cárcere responde pelo crime de tráfico de drogas, a não implementação integral do HC Coletivo e da lei, além de contribuir para o aumento de mulheres encarceradas, faz com que muitas crianças nasçam nas prisões. Não há razões para suspeitar que a mãe que trafica é indiferente ou irresponsável para o exercício da guarda dos filhos", afirmou Flávia.

Decisão descumprida
Por conta das negativas de juízes da Central de Audiências de Custódia de Benfica, a Defensoria Pública do Rio protocolou, no último dia 8 de março, uma petição junto ao STF para noticiar o descumprimento da decisão proferida no HC Coletivo e requerer a concessão da prisão domiciliar para 20 mulheres, mães de crianças menores de 12 anos de idade, cuja prisão domiciliar fora expressamente negada entre agosto de 2018 e fevereiro último. 

A petição destacou as justificativas apresentadas para manutenção da prisão. Em uma das decisões, a liberdade foi afastada “em observância ao princípio do melhor interesse da criança e do adolescente, tendo em vista que a companhia da custodiada com os filhos é mais nociva do que benéfica a eles.”

Em outra decisão, a justificativa foi a seguinte: “Não há dúvidas de que as crianças que residem com ela possuem muito mais risco com sua liberdade do que com a imposição de sua prisão, quando poderão ser acolhidas, temporariamente, por um parente próximo”. Com informações da Assessoria de Imprensa da Defensoria Pública do Rio de Janeiro.

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