Judiciário bipartidário

Presidente da Suprema Corte reage aos insultos de Trump a juízes

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22 de novembro de 2018, 7h58

A troca de farpas entre o presidente da Suprema Corte dos EUA, John Roberts, e o presidente Donald Trump expõe a triste realidade do Judiciário dos EUA: tal como o Executivo e o Legislativo, o Judiciário está irremediavelmente dividido entre juízes conservadores-republicanos e juízes liberais-democratas.

Isso acontece porque, a seu tempo, os juízes federais são escolhidos por presidentes republicanos ou democratas de acordo com suas convicções ideológicas, não jurídicas. No final das contas, o Judiciário fica com uma imagem de instituição bipartidária.

A situação leva litigantes republicanos a mover processos em cortes eminentemente conservadoras, como o 5º Tribunal Regional Federal, instalado no estado [mais] republicano do Texas; e litigantes democratas a mover processos em cortes eminentemente liberais, como no 9º Tribunal Regional Federal, instalado no estado [mais] democrata da Califórnia.

Disso nasceu o conceito de "judge shopping" — a prática de buscar uma corte em qualquer parte do país em que a probabilidade de resultado favorável ao autor da ação é mais alta.

Na terça-feira (20/11), o presidente Trump “explodiu” contra uma decisão do 9º Tribunal Regional Federal que não o agradou. O juiz Jon Tigar bloqueou o decreto presidencial que proibia a concessão de asilo a imigrantes que cruzam a fronteira ilegalmente. Em uma declaração irada à imprensa, Trump atribuiu a decisão, que ele classificou como uma “desgraça”, ao fato de que foi tomada por um “juiz de Obama”.

O comentário ofensivo foi, obviamente, um exagero da circunstância de o juiz ter sido nomeado pelo ex-presidente Barack Obama. Trump não levou em consideração que, em menos de dois anos de governo, ele mesmo nomeou 84 juízes federais: dois para a Suprema Corte, 29 para tribunais regionais de recurso e 53 para tribunais federais de primeiro grau — todos poderão tomar decisões favoráveis ao governo — e serem elogiados por Trump.

Em uma situação muito rara, em que ninguém cita precedentes, o presidente da Suprema Corte rebateu o insulto de Trump ao juiz (que compreensivamente se toma como um insulto ao Judiciário) com uma declaração:

“Nós não temos juízes de Obama ou juízes de Trump, nem juízes de Bush ou de Clinton. O que temos é um extraordinário grupo de juízes dedicados, fazendo o melhor que podem pela igualdade de direitos de todos aqueles que julgam. Um Judiciário independente é algo que todos nós deveríamos agradecer”.

Na quarta-feira, Trump rebateu a declaração de Roberts no Twitter, de uma forma pouco respeitosa, por sugerir que Roberts deveria estudar os números do Judiciário:

“Sinto muito ministro-chefe John Roberts, mas você realmente tem ‘juízes de Obama’ e eles têm um ponto de vista muito diferente daqueles responsáveis pela segurança de nosso país. Seria ótimo se o 9º Tribunal Regional fosse, de fato, um ‘judiciário independente’, mas se é, por que há tantos pontos de vista opostos (em fronteira e segurança), nas ações movidas nesse tribunal e por que tantos desses casos são negados. Por favor estude os números, eles são chocantes. Nós precisamos de proteção e segurança — essas decisões estão tornando nosso país inseguro! Muito perigoso e insensato!”

Trump tem um histórico de insultos ao Judiciário. No ano passado, por exemplo, se referiu a um juiz federal como um “suposto juiz”, por causa de uma decisão, que Trump chamou de “ridícula”, contra o decreto presidencial que proibia a entrada nos EUA de cidadãos de países muçulmanos. O juiz James Robart sequer pertence ao grupo de liberais. Ele foi nomeado pelo ex-presidente republicano George Bush.

Anteriormente, Trump aceitou fazer um acordo de US$ 25 milhões para encerrar um processo contra ele, pelas fraudes cometidas pela Universidade Trump, porque o juiz que presidia o caso seria, segundo Trump, mexicano. Assim, o juiz provavelmente seria incapaz de tomar uma decisão justa, porque ele prometeu construir o muro nas fronteiras com o México. Mas, na verdade, o juiz é cidadão americano e não comentou as críticas de Trump.

Em 2015, Trump declarou em um discurso de campanha que o presidente da Suprema Corte, ministro John Roberts, era uma “desgraça” e uma “decepção” para os conservadores, porque ele votou, junto com os quatro ministros liberais, a favor da preservação do Obamacare, o programa governamental de seguro-saúde para a população de baixa e média renda.

Antes de indicar um juiz para a Suprema Corte e para outros tribunais federais, o presidente dos EUA recebe uma lista de nomes para sua escolha. Mas a lista não é preparada por instituições jurídicas. É preparada por organizações conservadoras-republicanas ou liberais-democratas. Por exemplo, nas duas escolhas que fez para a Suprema Corte, Trump ouviu apenas as instituições conservadoras Heritage Foundation e Federalist Society, que atestaram o conservadorismo comprovado dos juízes preferidos.

Nos estados, a seleção de juízes para os tribunais estaduais também é contaminada por escolhas políticas, em maioria. Há três métodos de escolhas políticas: 1) eleições partidárias; 2) eleições pelo Legislativo; e 3) indicação do governador. E dois métodos sem muita influência política: 1) eleições não partidárias; e 2) indicação assistida, também chamada de seleção por mérito.

O método de seleção por mérito é adotado por Missouri, por exemplo. Uma comissão examina as qualificações de candidatos a juízes e submete a lista de nomes ao governador, que escolhe um nome da lista.

Após servir um mandato inicial, o juiz deve ser confirmado no cargo pelos eleitores. Seu nome entra na cédula eleitoral e os eleitores marcam “sim” ou “não”, em resposta à pergunta que busca apurar se ele deve continuar servindo como juiz de um determinado tribunal. Nessa época, chovem telefonemas e panfletos de organizações partidárias nas casas dos eleitores, pedindo a eles para votar “sim” ou “não” para certos juízes.

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