Anuário da Justiça Federal

"Justiça Federal será toda remanejada com o processo eletrônico"

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16 de novembro de 2018, 6h00

Paula Carrubba/Anuário da Justiça
Paula Carrubba/Anuário da Justiça

*Esta entrevista foi produzida para o Anuário da Justiça Federal 2019, que será lançado no Superior Tribunal de Justiça na próxima quarta-feira (21/11).

O maior tribunal federal e mais produtivo nunca sentiu tanto a escassez de recursos financeiros como agora. Responsável pela jurisdição federal nos estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região fechou o ano de 2017 julgando mais de 600 mil processos, frente a 550 mil distribuídos em primeira e segunda instâncias.

O desempenho positivo até surpreende num contexto em que a corte vem perdendo força de trabalho ao longo dos anos sem poder repô-la na mesma quantidade. Hoje, existem mais de 100 cargos de juiz vagos na 3ª Região.

A responsável por modificar esse cenário de terra arrasada no TRF-3 é a desembargadora federal Therezinha Cazerta, que assumiu o comando da corte sediada em São Paulo em fevereiro de 2018, pelos próximos dois anos. Juíza de carreira e no TRF desde 1998, caiu sobre ela a missão de uma administração austera, racional e sem muito espaço para projetos ambiciosos, como conta em entrevista para o Anuário da Justiça Federal 2019.

“Desde 2016 os tribunais e em especialmente o da 3ª Região vêm fazendo economia significativa. Nós tivemos que dispensar 2 mil estagiários. Veja o prejuízo disso”, conta.

“Ficamos em um patamar em 2016 muito baixo de orçamento e foi justamente quando a emenda veio e definiu orçamento”, conta a presidente. A Emenda Constitucional 95/2016 congelou os gastos públicos por 20 anos. Therezinha Cazerta, contudo, considera-a “um mal necessário”, pois havia muito desperdício no serviço público.

Para agravar a situação, o Congresso Nacional havia imposto um corte de 26,5% no orçamento da Justiça Federal na Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2019. Therezinha Cazerta precisou cumprir intensa agenda de reuniões com parlamentares para que isso não se viabilizasse e conseguiu uma suplementação após diversas reuniões e idas a Brasília.

A presidente quer propor mudanças de varas ociosas para locais de alta litigiosidade. E prevê que com a consolidação do Processo Judicial Eletrônico uma nova estrutura de funcionamento das varas e também dos órgãos do tribunal terá de ser desenhada. “Com o sistema eletrônico as necessidades de trabalho dos servidores mudam de lugar.”

Segundo a presidente, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região já conta com 400 mil processos no Pje. “Tivemos um crescimento exponencial no final do ano passado e começo desse ano, de 200 mil nós passamos para mais de 400 mil ações. Já estamos com o Pje obrigatório em todas as ações cíveis e nas execuções fiscais. Só não estamos no criminal mas estamos desenvolvendo os fluxos e em breve pretendemos implantá-lo.”

Therezinha Cazerta é natural de Araçatuba, bacharel pela Faculdade de Direito de Araçatuba, do Instituto Toledo de Ensino, e pós-graduada em Direito Penal pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) e em Direito Público pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Ingressou na magistratura federal em 1988 e, 10 anos depois, foi promovida a desembargadora federal do TRF-3, onde está já há 20. Foi corregedora do tribunal antes de ser escolhida pelos pares para o cargo de presidente.

Leia a entrevista:

ConJur — Como se deu as tratativas com o Poder Legislativo e o Executivo para conseguir mais orçamento para a 3ª Região? O que afetaria esse corte de 26,5% que tinha sido imposto?
Therezinha Cazerta —
Já trabalhamos com um orçamento bastante restrito. Isso já vem de algum tempo, especialmente a partir da emenda 95 de 2016, em que o orçamento é previsto sempre com base no orçamento do ano anterior apenas corrigido pelo IPCA. Isso importou para a Justiça Federal um achatamento muito grande. As despesas aumentaram muito e o orçamento ficou mantido no valor que estava. Fizemos um trabalho forte junto do parlamento tentando sensibilizá-los sobre as dificuldades que a Justiça tem enfrentado. O que pretendemos é que pelo menos o valor do reajuste dos servidores fosse extraído desse limite para que não tivéssemos a dificuldade de pagar o reajuste, porque, para pagá-lo, teríamos que tirar de outro lugar, possivelmente até com o fechamento de fóruns.

ConJur — Então houve uma sensibilidade dos parlamentares nesse sentido.
Therezinha Cazerta —
Sim, então conseguimos a aprovação de uma emenda e depois a sanção presidencial nesse sentido. Por outro lado, tínhamos a emenda encaminhada pelo Executivo que permitia nomeações de servidores e juízes, ainda que em um número muito limitado, e no Legislativo houve uma proibição. Trabalhamos no sentido do veto presidencial para que tivéssemos possibilidade de nomeações. Desde a Emenda Constitucional 95 basicamente não se pode nomear aquelas vacâncias que ocorrem decorrentes de aposentadoria e de morte que gera pensão, ou seja, toda aquela que não tem impacto.

ConJur — Quando há impacto não podem fazer nomeações.
Therezinha Cazerta —
Isso tem gerado um descompasso no nosso quadro muito grande. Todo ano tem sido liberado um pequeno número de nomeações possibilitadas com impacto. Esse ano nós tivemos 37 para toda a região São Paulo e Mato Grosso do Sul. É muito pouco. E pela inversão da Lei de Diretrizes Orçamentárias que foi encaminhada pelo Legislativo, nem esse quantitativo. Nós só poderíamos nomear aquelas vacâncias sem impacto, que é um número inferior. A grande maioria das vagas que surgem são decorrentes de saídas que ainda geram impactos para o Tribunal. Conseguimos esse respiro, que não resolve o nosso problema. Nós temos hoje (referindo-se a agosto de 2018) no Tribunal e primeira instância 485 cargos vagos. É um número muito grande e imaginamos que vamos repor muito pouco disso em 2019.

ConJur — A ideia de adquirir imóveis então está suspensa no momento?
Therezinha Cazerta —
O cenário orçamentário está impactando demais na prestação jurisdicional. Temos hoje, só de aluguel, R$ 37 milhões. É um valor muito significativo. Tínhamos como projetos a aquisição de alguns imóveis para deixar de pagar aluguel. Alguns vinham através do serviço de patrimônio da União. Fizemos recentemente a compra de um imóvel em Barueri que nos gera a médio prazo uma economia muito grande. E a compra de um imóvel agora em Mauá. A ideia era, paulatinamente, adquirir imóveis para a Justiça Federal, mas isso sem orçamento torna-se impossível porque o que temos de orçamento só podemos fazer frente às despesas ordinárias. Nenhum investimento vai ser possível com esse orçamento que nos está sendo deferido.

ConJur — E que tipos de investimento?
Therezinha Cazerta —
São investimentos em estrutura para funcionamento, em equipamentos e material necessário para a expansão e para o aperfeiçoamento. Por exemplo, informática: os custos são muito altos e o parque tem que ser renovado constantemente; tem que haver também um investimento em links, em sistemas, em servidores. O volume de processo vai aumentando, temos que ter todos os equipamentos adequados para podermos gerar todo esse volume.

ConJur — Considera então que a Emenda 95 foi um erro?
Therezinha Cazerta —
Veja, era um mal necessário. A economia era necessária, o país atravessa por uma crise muito profunda e algo deveria ser feito. Sabe-se também que havia alguns excessos; então essa medida de tomada de rumo foi importante porque todos os órgãos acabaram se ajustando. Foi-se buscar onde fazer economia e verificou-se que era possível. Agora nós chegamos no limite. Foi feita toda economia possível, então nesse momento é preciso ter um afrouxamento, se não nós não teremos condição. Nós já sabemos que vários tribunais fazem estudos já avançados para a diminuição de subseções, para a diminuição de varas, para redução dos serviços, para outros modelos de estrutura de prestação jurisdicional; tudo visando a economia.

ConJur — Mas não deveria ser o contrário? Não deveria a Justiça Federal se expandir em vez dela encolher?
Therezinha Cazerta —
Sim. Desta forma ela atenderia melhor, especialmente porque a Justiça Federal acabou tendo, ao longo dos anos, uma atuação muito importante na área social, especialmente por conta das ações previdenciárias, então ela tem que estar de fato próxima à população mais carente. Os Juizados Especiais Federais se expandiram. Claro que esse será o último recurso, será feito tudo o que for possível antes. O que é importante agora, depois desse tempo é avaliar: onde o aperto foi muito e é preciso alargar e onde ainda é possível apertar mais.

ConJur — O TRF-3 tem estudado deslocar varas de subseções que estão ociosas. Isso vai mesmo acontecer?
Therezinha Cazerta —
Ainda não está definido, mas isso será feito em breve. E esse estudo vai ser feito de uma forma mais ampla à Justiça da 3ª Região, também em relação a servidores e juízes. Há varas que estão sem juiz e outras com um juiz só quando o padrão é sempre ter dois juízes em cada vara. Estamos verificando uma readequação dos quadros de servidores para verificar onde há excesso de servidor, onde há carência e fazer uma realocação.

Com a vinda do Processo Judicial Eletrônico estamos imaginando uma nova estrutura de funcionamento das varas e também dos órgãos do Tribunal. As necessidades de trabalho dos servidores mudam de lugar. Tínhamos grande número de servidores fazendo atividades mais autônomas, não teremos mais. Então esses servidores poderão ser reaproveitados em outras atividades, haverá um grande remanejamento por conta disso.

ConJur — Às vezes mais próximos aos juízes.
Therezinha Cazerta —
Sim, possivelmente nas atividades-fim. O funcionamento de secretarias muda completamente, porque com mais processo eletrônico é possível centralizar mais as funções e otimizar os recursos humanos de forma a reunir em grandes setores um número grande de servidores que vá atender a um número maior de órgãos, liberando servidores para outras áreas onde a necessidade vai se mostrar maior. Essa restruturação vai mudar totalmente o modelo das varas, o modelo das secretarias do Tribunal e será um grande projeto que temos pela frente.

ConJur — Ainda na sua gestão que termina no início de 2020?
Therezinha Cazerta —
Ah, sim. Em relação ao primeiro grau já temos estudos bastante avançados na perspectiva de instalação desse novo modelo. Um projeto piloto, claro, mas já temos o modelo pronto para ser colocado em experiência, e aí passaremos a fazer o estudo do segundo grau, também algo semelhante.

ConJur — É preciso ampliar o quadro de desembargadores do Tribunal?
Therezinha Cazerta —
Sim. Quando houve a especialização de turmas criminais [em 2015], houve uma reestruturação de composição de turmas. As turmas anteriormente eram todas compostas de quatro desembargadores. Para se poder fazer a especialização criminal, aquela seção foi dividida em duas e as turmas passaram a ser compostas por três desembargadores. Para equilibrar para que todas as turmas tenham a mesma estrutura virão quatro desembargadores. E aí todas terão funcionamento igual. Seria para as duas turmas criminais e para as duas turmas da seção cível residual.

ConJur — E como será feito diante do impacto orçamentário?
Therezinha Cazerta —
Ainda não está definido. O Tribunal fez uma proposta que foi encaminhada ao conselho da Justiça Federal, dali foi aprovado e encaminhado ao Superior Tribunal de Justiça para um anteprojeto para ser encaminhado ao Congresso. Há a transformação de cargos: de cinco cargos de juízes substitutos em quatro cargos de desembargadores. Não há impacto orçamentário algum, porque o valor é correspondente dos salários dos juízes substitutos e dos desembargadores, a composição desses novos gabinetes será feita com o remanejamento de servidores da casa e então não haverá a criação de cargos de servidor, de modo que imagina-se que não haverá dificuldade de isso passar e ser aprovado no Congresso.

Todos ou quase todos os tribunais encaminharam projetos no mesmo sentido. O nosso que foi o primeiro encaminhado já foi aprovado, o da 1ª Região também foi e agora tem dois que também estão para ser apreciados. É uma forma que se encontra para resolver um problema que não tem outra solução. O Tribunal efetivamente precisa se expandir.

ConJur — Entrando agora no Pje, o investimento vem do Conselho Nacional de Justiça?
Therezinha Cazerta —
Vem do CNJ, fora os equipamentos, que nós que compramos. Mas o desenvolvimento do sistema, os treinamentos, tudo isso é verba que vem do CNJ. O CNJ nos dá muito apoio nesse aspecto orçamentário para desenvolver o PJE. Agora o próprio desenvolvimento do PJE como sistema, além da ação do CNJ, conta muito mais com a ação dos tribunais todos que usam o sistema, não só os federais, mas todos os estaduais. É uma rede compartilhada, todos podem desenvolver melhorias, desenvolver ferramentas que depois serão utilizadas por todos e em benefícios de todos; apenas tem que passar pelo crivo do CNJ. Os tribunais, na medida das suas capacidades, desenvolvem algumas ferramentas e depois de habilitadas pelo CNJ são compartilhadas por todos.

ConJur — Isso tem alterado a satisfação com o Pje?
Therezinha Cazerta —
Certamente. Passamos por uma versão melhor e mais avançada do PJE, a versão 2.0. Foi o primeiro Tribunal a iniciar. Agora mais recentemente estamos passando por uma outra versão ainda mais avançada. O feedback que temos dos usuários é de que é bem melhor do que tínhamos antes.

ConJur — Mas ainda assim é um sistema contestado. Uma pesquisa recente do CJF indicou que o índice de satisfação é de apenas 36%.
Therezinha Cazerta —
Essa pesquisa tem um viés que não beneficia o PJE. É um sistema novo, de forma que, claro, é um sistema que comporta correções e melhorias como todo sistema novo. Os usuários também estão todos saindo de um sistema antigo para um sistema novo. Há uma natural resistência e um tempo de adaptação. Então quando se pega uma pesquisa onde se contrapõe sistemas antigos com sistemas novos, obviamente que você vai ter um nível de satisfação muito maior nos sistemas antigos, que já são conhecidos, que já são testados.

O Pje é um sistema nacional que foi implantado e está sendo agora adaptado às necessidades de cada região, então é muito novo ainda para nós já termos essa resposta que seja qualificada. O Pje foi considerado, como sistema, um sistema mais robusto pelo TSE, um sistema mais completo que o e-Proc. Não quero fazer comparativos, apenas é um trabalho que existe e que o Pje oferece um nível de segurança maior, pois trabalha com chaves criptográficas, assinatura digital, certificado digital. O nível de segurança que se tem das informações é muito grande. Por isso a gente acredita no Pje e pretende expandir ele.

ConJur — Na posse, disse que o Judiciário deveria ser rápido mas não uma linha de montagem. Como vê as decisões na Justiça Federal? São em grande parte uma linha de montagem?
Therezinha Cazerta —
Infelizmente nós temos uma demanda de massa que impõe aos juízes e aos servidores a fazer frente a isso e dar um nível de produtividade que contenha uma resposta eficiente. Porque também a Justiça lenta não é Justiça, de modo que tem que haver a resposta e a produção em massa é necessária; mas tem que haver sempre um olhar cuidadoso à diferenciação das demandas. Tenho sempre chamado atenção para isso, atrás de cada processo tem uma vida, tem uma pessoa que quer o seu problema resolvido no tamanho da sua necessidade; então não é possível se produzir em massa, ainda que se tenha que produzir em quantidade, não se pode deixar de ver a qualidade das decisões.

ConJur — E o que esperar do segundo semestre e também de 2019 na gestão?
Therezinha Cazerta —
Vamos trabalhar ainda muito forte na expansão do Pje, esse é um dos principais projetos, a continuidade e a expansão estendendo aos processos criminais e não já, mas mais adiante também às turmas recursais e juizados. Com a implantação do CNJ todos os recursos tem que ser utilizados no Pje; não podemos investir em inovação nos sistemas antigos, que estão sendo descontinuados.

Trabalhar com dados de vários bancos distintos é muito complexo especialmente na elaboração de estatísticas, então estamos também trabalhando na melhoria da nossa estatística, que tem sofrido muito com essa variedade de sistemas e a composição do banco de dados. Estamos desenvolvendo uma ferramenta para poder ter um sistema de estatística mais eficiente.

Trabalharemos também muito nas questões relacionadas ao orçamento que vai nos impor uma série de restrições, então continuam os nossos projetos de economia e vamos revisar todos os nossos projetos e levar adiante apenas aqueles que teremos condições, os de maior custo com novas ações não serão realizados.

Na área de informática temos feito bastante. A nova solução de videoconferência é de altíssima qualidade; temos todas as subseções com equipamentos e com possibilidade de realização de videoconferência e sustentação oral simultâneas, inclusive aqui no tribunal; ampliamos bem a quantidade e com uma qualidade muito grande. Isso agiliza e facilita para o usuário, especialmente para os advogados, que podem fazer a sustentação à distância e também a audiência de qualquer lugar para qualquer lugar, envolvendo mais do que uma subseção e ainda até envolvendo presídios. É um sistema que gera muita economia e uma agilidade enorme. E também em reuniões, é possível o Corregedor fazer reuniões com juízes do interior, a presidência fazer reuniões de trabalho. Estamos adquirindo equipamentos mais modernos, com capacidade de armazenamento maior e isso está nos gerando uma informática bem mais robusta.

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