Erros do rei

Decisão de Toffoli sobre Maluf reconhece Habeas Corpus contra ato de ministro

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29 de março de 2018, 7h26

Ao autorizar o deputado Paulo Maluf (PP-SP) a cumprir pena em prisão domiciliar, o ministro Dias Toffoli permitiu a impetração de Habeas Corpus contra ato de ministro do Supremo Tribunal Federal. Com isso fragilizou-se mais um pilar da chamada jurisprudência restritiva aos HCs.

Fellipe Sampaio/SCO/STF
Toffoli deu mais um golpe na jurisprudência defensiva do Supremo, avaliam criminalistas.
Fellipe Sampaio/SCO/STF

Maluf foi condenado por lavagem de dinheiro pela 2ª Turma do STF. A  decisão desta quarta-feira (28/3) foi contra despacho monocrático do ministro Luiz Edson Fachin, relator da condenação, que rejeitou agravo de instrumento apresentado pela defesa do deputado e determinou o cumprimento imediato da pena.

O entendimento vigente no Supremo, contrário ao de Toffoli, é de que não cabe HC contra atos de ministros do tribunal. É uma interpretação extensiva à súmula que impede recursos contra decisões das turmas da corte ao Plenário. Para Toffoli, entretanto, a jurisprudência do STF autoriza a concessão do Habeas Corpus em situações como a de Maluf — 86 anos, quadro de saúde agravado.

Toffoli reconhece que há divergência de opiniões no tribunal sobre o tema. A jurisprudência se tornou defensiva em fevereiro de 2016, no mesmo julgamento em que a corte decidiu que a prisão antecipada a partir da condenação em segundo grau não ofendia o princípio constitucional da presunção da inocência. Foi, portanto, um duplo golpe contra o direito de defesa.

Advogados consultados pela ConJur foram unânimes ao defender que o STF deve permitir o HC contra decisão dos próprios companheiros.

De acordo com o criminalista Alberto Toron, é “plenamente possível” impetrar HC contra ato de ministro do tribunal. “A ideia contrária parece vir de uma teoria segundo a qual the king can do no wrong (o rei não pode errar)”, disse. De acordo com ele, a restrição não é democrática. “Partir do princípio da infalibilidade é algo totalmente estranho à racionalidade que deve presidir a prestação jurisdicional”, afirma.

Para o advogado José Roberto Batochio, a decisão foi “acertada”, “legal” e “justa”, porque corrigiu ilegalidade anteriormente perpetrada. O cabimento do HC nesse casos, diz ele, "faz todo sentido”. “O Pleno da Corte Suprema pode e deve conjurar ilegalidades impostas por seus órgãos fracionários. Na República não há rei que possa ser tido como incapaz de cometer erros”, analisou. Com a decisão de Toffoli, caberá agora ao Plenário do STF analisar se mantém a decisão liminar.

Lenio Streck, constitucionalista e professor de Processo Penal, defende que não faz sentido limitar o alcance do HC, até porque este “pode e deve” ser concedido de oficio, por exemplo. Ele fala ainda que há casos vários no STF em que a corte não conhece do HC , mas concede de oficio. “Se não houvesse precedente, parece relevante que esta decisão abrisse um novo caminho de resgate da origem do HC”, finalizou.

O professor Gustavo Badaró, que leciona Direito Processual Penal na USP, disse que o STF deve rever a sua jurisprudência defensiva porque tem afastado, na grande maioria dos HCs, o chamado princípio da colegialidade. Ou seja, hoje um ministro pode monocraticamente negar um HC ou outra medida, sendo possível a interposição de agravo regimental pedido para que o colegiado responsável apreciasse a questão colocada no caso concreto, afirma.

“Mas há um prejuízo enorme para a defesa nessas situações porque se o agravo for admitido, não é possível fazer sustentação oral.” Na avaliação dele, "não parece razoável" um ministro tirar da defesa o direito de sustentar da Tribuna as suas razões em favor do cliente.

Leia mais manifestações:

Lenio Streck, constitucionalista e professor de Processo Penal
“Nenhuma censura à decisão do ministro Toffoli. Por varias razões. A uma, porque há precedente de HC contra ato de ministro (caso do ministro Peluzzo que consta na decisão); segundo, porque habeas corpus pode e deve ser concedido de oficio; a três, porque há casos vários no STF em que a corte não conhece do HC , mas – atenção – concede de oficio; a quatro, porque o HC é um remédio chamado de heroico, exatamente para evitar dano à pessoa; veja-se que cabe até nos casos em alguém não paga conta de hospital e é impedido de sair; veja-se que até mesmo o TST já concedeu HC para jogador de futebol poder jogar (caso Oscar); a cinco, se não houvesse precedente, parece relevante que esta decisão abrisse um novo caminho de resgate da origem do HC”.

Michel Saliba, advogado e presidente da Abracrim-DF
“Penso que a natureza jurídica que a Constituição Federal confere ao Habeas Corpus, o torna uma medida de tamanha força, que não cabe óbice à mesma com base em questões processuais. Isso seria apequenar o Habeas, que na sua essência é medida libertária, que não se harmoniza com o excesso de formalismo, tanto que pode ser concedido de ofício, a depender do caso. Se algum cidadão se sente vítima de constrangimento ilegal praticado por ato isolado de um ministro da Suprema Corte, porque não permitir a esse jurisdicionado que a ordem impetrada seja conhecida e julgada?".

Cleber Lopes, advogado
“Não vejo razão possível para explicar o não cabimento de HC perante o Plenário do Supremo contra ato de ministro da própria Corte. Isso seria criar uma categoria de julgadores acima da lei, o que não se conforma com a Constituição, que não fez ressalva ao prevê o cabimento do remédio heroico. Correta na forma e no conteúdo a decisão do ministro Toffoli”.

Aury Lopes Jr, professor de Direito Processual Penal da PUC-RS
“Seria excelente, reconhecendo a grandeza do HC, que transcende essas restrições infundadas. Mas, sinceramente, não creio que a 1ª Turma se renda”.

Délio Lins e Silva Júnior, criminalista
“HC é o instrumento mais democrático que existe a ser utilizado em favor das garantias fundamentais, de modo que deve ser usado sem limites ou amarras quando verificada a ilegalidade por ele atacada”.

Daniel Bialski, advogado criminalista
“Acho ótimo porque efetivamente atos monocráticos podem e devem ser revistos, ainda mais em casos em que há gritante constrangimento”.

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