Compadrio e confraria

"O Brasil é um reino de pequenos reinos", dizia Alberto Dines

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27 de maio de 2018, 10h20

Na última terça-feira (22/5), morreu o jornalista Alberto Dines. A sua contribuição para o aperfeiçoamento do jornalismo brasileiro foi grande (leia aqui o perfil produzido por Maurício Cardoso).

Dines foi o mais sofisticado crítico da imprensa brasileira. Convidado a comentar o grau de compadrio que caracterizava as relações entre fontes e jornalistas na década de 1980, Alberto Dines qualificou a imbricação como “confraria”. A cumplicidade, que hoje caracteriza a relação de jornalistas com setores do Ministério Público e da Polícia Federal, à época, se dava com políticos.

Leia o depoimento, inédito, de Alberto Dines:

O problema é um pouco mais amplo do que a vinculação do repórter à fonte. As vinculações grupais e de compadrio, acrescidas com os ingredientes ideológicos, fazem com que o Brasil (como Portugal) seja um reino de pequenos reinos, um feudo de feudos. A confraria é um fato no Brasil. Seu subproduto é este envolvimento do jornalista com a fonte.

Em Brasília, por ser um centro de concentração de poder, esta problemática torna-se mais evidente e gritante. Se fosse uma cidade maior e diversificada, mesmo sendo capital, poderíamos ter um distanciamento protetor e mais crítico. Acresce que Brasília não tem imprensa local, de modo que os controles à distância funcionam precariamente.

Não tenho preconceito algum com relação ao noticiário oriundo de Brasília. Como disse, o compadrio e o espírito de igrejinha são constantes da vida brasileira. Em São Paulo por exemplo (talvez por influência do seu cosmopolitismo) os grupos são muito mais fechados e agressivos, envolvendo jornalistas & jornalistas, jornalistas & fontes, fontes & fontes.

Quando eu dirigia o Diário da Noite (Rio, inicio dos 60) um diretor da Cofap (depois Sunab, extinta em 1998) fez uma lista à revelia dos beneficiados para nomear as esposas dos principais da redação. O JB publicou como se fosse nomeação e nós demos uma enorme bronca nos dois. Afora este incidente, em que sequer houve o oferecimento, jamais fui sondado para cargo algum.

Quando Darci Ribeiro foi ministro da Educação do Jango (um de seus melhores desempenhos), convocou um grupo de jornalistas e publicitários para ajudá-lo num programa de mobilização para a educação. Mas foi um trabalho "cívico", sem remuneração, infelizmente interrompido quando o Darci, mordido pela mosca azul ou pelo desvario político, aceitou chefiar a Casa Civil do Jango.

Nos 12 anos em que chefiei o JB sempre tive um comportamento pessoal discreto e recatado, sabendo que o abraço é irresistível. Saía do jornal para casa onde ficava lendo e estudando. Jantar fora só com a Equipe, amigos de infância que, feliz ou infelizmente, não eram fontes nem pessoas importantes politicamente.

Quando escrevia minha coluna política diária na página dois da Folha um dia procurou-me o Maluf, então preparando-se para enfrentar o governo Geisel e disputar a convenção da Arena. Convidou-me para almoçar, falou o tempo todo, ouvi e quando cheguei à redação mandei o Derli Barreto ouvi-lo. Não queria comprometer-me. Na primeira oportunidade desanquei sua candidatura e desmascarei a tentativa de fingir que era democrática.

Samuel Wainer fez um depoimento rigorosamente honesto. Trabalhei com ele, jamais escondeu que tomava dinheiro do polvo canadense (Light) embora o jornal defendesse posições nacionalistas. Sabíamos todos que o dinheiro não ia para o bolso dele mas para manter o jornal em funcionamento. A imprensa no Brasil sempre foi financiada por grupos políticos ou econômicos, a Última Hora não fugiu à regra — a diferença foi que Samuel aproveitou esses recursos para fazer uma revolução na imprensa.

O mesmo, aliás, fez o Diário Carioca, cujo dono, Horácio de Carvalho sempre esteve comprometido com jogadas políticas e econômicas o que não impediu que Pompeu de Souza realizasse nesse jornal outra revolução. Carlos Lacerda, na Tribuna da Imprensa, idem. Não incluo neste grupo o Assis Chateaubriand. Suas jogadas visavam alimentar seu império e sua megalomania.

O JB foi o primeiro jornal que obrigou os repórteres ao regime de fidelidade jornalística. Não lembro de casos de suborno. Mas depois que sai, vi o Walter Fontoura, meu substituto, sendo literalmente comprado pelo Levinsohn (que durante algum tempo tinha os mais importantes jornalistas em sua mão ao financiar a compra de apartamentos para os mesmos — esta é uma história que deveria ser desencavada). Não esquecer também o suborno intelectual exercido pelo Golbery junto a um grupo muito importante de jornalistas, pensando evidentemente na posteridade. Ele pensava em tudo.

A revista do Mino Carta durante algum tempo foi ajudada pelo Quércia. Seu jornal A República teve grande ajuda do Maluf, conforme me contou Claudio Abramo. Ao contrário daquele ilustre jornalista acho que estamos melhorando – menos por fatores intrínsecos e mais porque o governo é tão incompetente que não consegue aliciar ninguém”.

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