Luto na imprensa

Sem Alberto Dines, imprensa brasileira perde seu jornalista mais intrépido

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22 de maio de 2018, 16h54

Divulgação / EBC
Imprensa brasileira sentirá falta do jornalista mais intrépido do país.
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Alberto Dines, que morreu nesta terça-feira (22/5) em São Paulo, foi um dos mais importantes jornalistas da história brasileira. Participou das duas experiências mais inovadoras da imprensa escrita no Brasil.

Quando Dines assumiu como editor chefe do Jornal do Brasil, em 1962, pode-se dizer que a reforma gráfica e editorial comandada por Odylo Costa e por Jânio de Freitas já estava consolidada, inaugurando uma nova fase no jornalismo brasileiro. Mas coube a Dines, nos 11 anos que comandou o então mais importante e carismático jornal do Brasil, transformar a até então quase informal atividade jornalística em um empreendimento empresarial planejado e objetivo. “Dines era um grande planejador, um organizador de sistemas e métodos, pensava o jornal estruturalmente, como empresa, e sempre em busca de inovações e de maneira a aperfeiçoar o trabalho e o funcionamento geral”, diz dele o jornalista Cezar Motta, no excelente livro Até a Última Página – Uma história do Jornal do Brasil. “Percebeu que precisa implantar um organograma e uma divisão mais clara de tarefas."

O próprio ingresso de Dines no Jornal do Brasil para ocupar o posto mais alto na hierarquia da redação mostra a informalidade da imprensa brasileira até então. Cauteloso com o novo emprego, Dines manteve o contrato de trabalho na revista Fatos e Fotos, da editora Bloch. Manteve as duas ocupações e quando o JB comprou o jornal Tribuna da Imprensa, do governador da Guanabara, Carlos Lacerda, ele passou a ser editor-chefe, também, da nova publicação.

Foi durante sua gestão que o Jornal do Brasil teve seu primeiro Manual de Redação, o guia com as regras básicas do texto jornalístico. Elaborado pelo redator Lago Burnett, o livrinho começava com a lição número 1 do bom jornalismo: “No lead devem figurar tanto quanto possível, em período corrido de cinco linhas no máximo e três no mínimo, as respostas às perguntas ‘o quê? Quem? Onde? Quando? Como? E por quê? A ordem direta é sempre a mais aconselhável. A notícia deve vir primeiro e depois o informante".

Também sob seu reinado no JB pontificaram alguns dos mais icônicos jornalistas do pais. Na página 2 do Jornal estava Carlos Castello Branco com sua Coluna do Castello, a coluna sobre política mais prestigiada da época; no caderno B, estava Zózimo Barroso do Amaral, com a coluna social que revolucionou o gênero; no esporte havia Armando Nogueira com Na Grande Área (sem falar em João Saldanha e Sandro Moreyra, seus vizinhos de espaço e de tema). Um repórter que causou reboliço mas durou pouco foi Fernando Gabeira, que deixou o JB para fazer a revolução armada. Outro que durou pouco foi Jorge Paulo Lemman, que escrevia uma coluna de economia. Deixou o Jornal por incompatibilidade de funções: preferiu ficar no mercado financeiro, onde já operava, para se tornar um dos homens mais ricos do mundo.

Ficou no JB por 11 anos e foi demitido pelo dono do jornal, Manoel Francisco do Nascimento Brito, em dezembro de 1973. Conta-se que um dos motivos da demissão teria sido a capa do jornal do dia 12 de setembro daquele ano, sobre o golpe de Estado do general Augusto Pinochet e a morte do presidente do Chile, Salvador Allende. Naquele dia, o agente da censura imposta pela ditadura no Brasil telefonou para a redação do jornal e avisou por telefone: “Por ordem do Departamento de Polícia Federal, fica proibida a divulgação de fotos, manchetes ou sensacionalismo sobre a situação no Chile. Dines, em combinação com o chefe de redação, Carlos lemos, acatou a determinação do censor: fez a capa do jornal sem nenhuma, foto, sem manchete e sem títulos. Apenas m texto que começava assim: “O presidente Salvador Allende, do Chile, suicidou-se ontem com um tiro na boca no Palácio de La Moneda. (…) O Palácio fora submetido a um intenso bombardeio de aviões e tanques durante mais de quatro horas”. A tiragem do jornal esgotou-se. O censor não pôde reclamar, pois sua ordem fora cumprida integralmente. Os chefes militares não gostaram. E tampouco o dono do jornal, que negociava com o governo a concessão de um canal de televisão.

O Jornal do Brasil, mesmo sem Dines, continuaria sendo o mais charmoso e prestigioso diário brasileiro por um bom tempo, até sucumbir melancolicamente sob uma montanha de dívidas no início do Século XXI. E Alberto Dines seguiria seu caminho como um dos mais intrépidos jornalistas do país.

Seu próximo desafio foi chefiar a sucursal carioca do jornal Folha de S.Paulo. Foi convidado pelo diretor de redação, Cláudio Abramo, então empenhado na implantação do chamado Projeto Folha, o programa de reforma e modernização que haveria de transformar o tímido jornal paulista num dos mais respeitados meios de comunicação do país e o de maior circulação. O Projeto Folha sistematizou normas de escrita e conduta e implantou instrumentos de controle de produção. Uma das principais colaborações de Dines para o projeto foi a coluna Jornal dos Jornais. Publicada aos domingos, a coluna fazia a crítica da imprensa em geral, sem poupar a própria Folha.

Dines já não estava na Folha quando ela criou, em 1989, a função do Ombudsman, exercida por um jornalista da casa com a missão de fazer a crítica do jornal. Mas Dines não deixou, ele próprio, o hábito de apontar os erros e mazelas da imprensa. Em 1996, depois de uma passagem por Portugal, onde criou a versão europeia da revista Exame, da Editora Abril, Dines voltou ao Brasil para lançar o seu Observatório da Imprensa, uma publicação com versões na internet, no rádio e na televisão, em que fazia a crítica do comportamento da imprensa.

Em tempos em que as fake news avançam sob as mais variadas formas, pode-se dizer que Dines fará muita falta.

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