Opinião

É inaceitável a remição degradante na execução penal

Autor

14 de maio de 2018, 14h14

A execução penal em nosso país é particularmente intrigante, pois é regida pela Lei 7.210/84, além de possuir princípios e regras constitucionais aplicáveis a essa fase do processo-crime, enquanto se assiste ao descumprimento sistemático de incontáveis normas.

Há direitos e garantias individuais fundamentais para serem cumpridos. Basta ler o artigo 5º, XLVII, da Constituição Federal, onde se encontra o princípio da humanidade, que veda penas cruéis. Depois, pode-se visualizar a regra constante do artigo 5º, XLIX, também da Constituição, onde se constata: “É assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”.

Na prática, em presídios superlotados, onde impera a violência das gangues e organizações criminosas, os detentos são sufocados pelo arbítrio e pelo abuso. A pena se torna cruel e nenhuma autoridade respeita, efetivamente, a integridade físico-moral do preso. Esse é um quadro real, que não se liga à letra da Constituição nem da lei.

Mas, não bastasse, o Projeto de Lei do Senado 513/2013, já aprovado por essa Casa Legislativa, seguindo para a Câmara dos Deputados (PL 9.054/2017), prevê a seguinte norma:

“Art. 126-A. O preso provisório ou condenado com bom comportamento carcerário e que cumpre a prisão cautelar ou pena em situação degradante ou ofensiva à sua integridade física e moral tem direito a remir a pena à razão de 1 (um) dia de pena a cada 7 (sete) dias de encarceramento em condições degradantes”.

Sim, trata-se de texto de projeto de lei, aprovado pelo Senado e submetido, agora, à Câmara dos Deputados. Temos a remição degradante. Soa inacreditável, não fosse verdadeiro.

Não é crível que o texto legal consagre a desumanidade e, em retorno ao preso, conceda-lhe um abatimento da pena. Seria o mesmo que dizer: o preso torturado tem direito à remição. Ou ainda: o preso submetido a ofensas físico-psicológicas pode abater alguns dias da sua pena.

Tenho demonstrado que as regras da execução penal são simplesmente desprezadas no cotidiano dos estabelecimentos penais brasileiros. Porém, jamais imaginaria que o legislador (aprovado o texto como está) consagrasse a ofensa a princípio constitucional de maneira cabal e nítida. O referido artigo 126-A do projeto de lei é “primoroso”, visto que somente concede a remição quando o preso estiver em situação degradante ou ofensiva à sua integridade física e moral, se ele tiver bom comportamento. Noutros termos, quem tiver mau comportamento carcerário pode ficar em condições degradantes e/ou ofensivas à sua pessoa, pois nem mesmo remição merece.

Atinge-se, no Brasil, o status da ficção, do surreal, do inimaginável: as condições degradantes — vedadas constitucionalmente — ingressam em lei ordinária para conceder abatimento na pena.

Quem cumpre a sanção penal em condições degradantes ou ofensivas à integridade física e moral está sofrendo nítido abuso estatal e merece a concessão de Habeas Corpus para ser libertado ou inserido em local decente e digno. Não se pode concordar, em hipótese alguma, com uma remição degradante. Enfim, não se concebe, no Estado Democrático de Direito, regido pelo princípio da dignidade da pessoa humana, a existência de uma lei verdadeiramente degradante.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!