Política criminal

Brasil precisa rever relação amistosa com países produtores de drogas, diz general

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5 de maio de 2018, 8h43

Usuários de drogas são responsáveis pela violência gerada por traficantes e deveriam ser conscientizados disso. Essa é a opinião do general da reserva Augusto Heleno Ribeiro Pereira, que comandou as tropas da ONU no Haiti. Questionado pela ConJur nesta sexta-feira (4/5) se alguma forma de descriminalização de entorpecentes poderia ajudar a diminuir a violência, Heleno atacou a postura dos consumidores.

Sérgio Rodas
General Heleno afirmou que discurso pró-legalização é contaminado por "ideologia".
ConJur

“Uma coisa que eu estranho muito é que não há nenhuma campanha contra o consumo. Se não tiver consumo, não tem droga. E não se fala do consumidor. Eu não quero que se crie 300 presídios para botar consumidor. Mas tem que ter um trabalho de educação em cima da garotada para entender que eles, com o consumo de drogas, são responsáveis por tudo isso que acontece. Não adianta ser consumidor de drogas e ir para a praia botar cruzinha pela morte dos policiais, aí vai dar a mãozinha em volta da Lagoa Rodrigo de Freitas e dali vai cheirar. Pô, aí não dá. É preciso haver uma coerência de procedimento. Senão a gente começa a ficar perdido”, afirmou o militar em evento sobre segurança pública na sede do Ministério Público do Rio de Janeiro.

Embora tenha declarado não ter opinião formada sobre a legalização da venda de drogas, o general do Exército manifestou reservas quanto à medida. O problema, segundo ele, é que os argumentos pró-descriminalização estão "contaminados por ideologia".

“Por que manter as drogas proibidas? Tenho lido bastante sobre isso. Exatamente por essa impregnação ideológica, não existem trabalhos absolutamente confiáveis, que você possa dizer ‘isso aqui é a expressão da verdade’. Tem uma série de países que adotaram esse tipo de procedimento e a gente ouve, em determinadas ocasiões, que esses países estão seriamente arrependidos. Mas também pego um outro trabalho que diz ‘não, está tudo ótimo’”, analisou o general.

Um problema, de acordo com Heleno, é que o Brasil está rodeado por países que produzem drogas em grande escala. Ele também receia pelo impacto da legalização nos jovens.

“Nós temos um país com características muito peculiares. Nós temos aqui, na nossa fronteira oeste, os três maiores produtores de cocaína [Colômbia, Peru e Bolívia]. Mais um pouquinho abaixo, o maior vendedor de maconha para o Brasil [Paraguai]. Isso tudo aí nos leva a uma situação bastante delicada para a liberação do tráfico de drogas. Quem vai controlar isso? Inclusive, porque isso afeta tremendamente a juventude.”

Em sua palestra no evento, o general disse que as ações diplomáticas brasileiras com relação a esses países “são muito fracas” e defendeu que o Itamaraty revisasse o “contato amistoso” que mantém com tais nações. “Eles [países] têm uma liberdade muito grande para continuar isso [a produção e venda de drogas]”.

Na análise do general, o Brasil está caminhando para ser um “narcopaís”. “Estamos ficando cada vez mais na mão de facções criminosas que se valem do tráfico para ganhar muito dinheiro. Os humanos direitos vão ser completamente sufocados pela bandidagem”, avaliou Heleno.

Guerra inútil
Quem entende do assunto discorda do general. A professora da Universidade Federal Fluminense Ana Paula Mendes de Miranda, especialista em políticas públicas de segurança, afirmou que a política de confronto ao uso e venda de drogas é ineficaz e vem sendo questionada em todo o mundo.

Até porque a guerra às drogas não reduziu o consumo e o tráfico de entorpecentes. A Organização das Nações Unidas estima que 247 milhões de pessoas, ou uma a cada 20 pessoas do mundo, tenham usado pelo menos uma droga ilegal em 2014. O que a "guerra às drogas" fez foi aumentar crimes violentos e população carcerária.

Ana Paula também criticou a intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro. Segundo ela, a medida é eleitoreira: há outros estados com maiores níveis de criminalidade do que o Rio e o uso das Forças Armadas para garantir a segurança pública já se mostrou ineficaz – como o próprio comandante do Exército, Eduardo Villas Bôas, já admitiu.

A professora ainda ressaltou que o Brasil só conseguirá reduzir a criminalidade quando passar a desenvolver políticas públicas que visem à segurança de todos, não à proteção de alguns. Nesse sentido, ela criticou a venda de proteção no Rio, feita especialmente por milícias.

“Se estão assaltando com fuzil só pra roubar celulares, é para gerar medo. É ineficaz e caro usar fuzil para roubar. E logo em sequencia aparece gente oferecendo segurança privada, como aconteceu recentemente em Botafogo, Laranjeiras [ambos na zona sul do Rio] e Icaraí [em Niterói]”, destacou a professora.

Outro problema, a seu ver, é como a imprensa ajuda a criar a sensação de segurança ou insegurança. Durante a Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas de 2016, o Rio não esteve tão seguro quanto gostam de apregoar, apontou. Mas era preciso vender a imagem de que tudo estava sob controle, disse, e assim foi feito pela mídia. De outro lado, ao reprisar insistentemente imagens de roubos no Carnaval de 2018, a imprensa criou um clima de medo que legitimou a intervenção federal pelo presidente Michel Temer (MDB), declarou Ana Paula.

Drogas e prisões
A revista eletrônica Consultor Jurídico publicou em 2017 uma série de reportagens e entrevistas sobre a relação entre a guerra às drogas e a superlotação dos presídios. O especial teve como motivação a onda de rebeliões e massacres em presídios no início do ano passado.

Os textos do especial, que podem ser encontrados neste link, apontam que a repressão às drogas não reduziu o uso e comércio delas, apenas gerou encarceramento em massa e mais violência. Nesse combate, os acusados têm seu direito de defesa rebaixado, e o depoimento dos policiais, muitas vezes, é o que embasa as condenações, conforme demonstram estudos.

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