O novo CPC e a tentativa de um processo civil democrático
10 de fevereiro de 2018, 7h00

Sob a perspectiva teórica da Crítica Hermenêutica do Direito (CHD), é possível afirmar que o Código de Processo Civil trouxe grandes mecanismos inovadores ao processo civil pátrio1, sendo eles:
- Exigência de coerência e integridade na tomada de decisão judicial (art. 926, CPC/2015): a inserção do dispositivo exige que a jurisprudência dos tribunais seja estável, íntegra e coerente. Isto é, em casos semelhantes, deve-se ater — primordialmente — à garantia isonômica da aplicação principiológica. Francisco José Borges Motta, em seu livro Levando o Direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial2, sustenta que a ideia de coerência está atrelada com a “doutrina da responsabilidade política” e que a integridade deve reger o direito, evitando, assim, “inovações” decisórias em casos semelhantes.
- Existência de elementos essenciais da sentença: este mecanismo, de grande importância no novo Código de Processo Civil, estabelece os elementos imprescindíveis de uma sentença. Em caso de não observância deste artigo, a sentença não produzirá efeitos e, desta forma, observa-se a conexão existente entre este artigo e o artigo 93, IX, da Constituição Federal.
- Proibição de “decisões surpresas”: presente no artigo 10 do novo Código de Processo Civil, este mecanismo veda a chamada “decisão surpresa”. Este dispositivo trata da adoção do contraditório como garantia de influência e não surpresa.
- Expunção do “livre convencimento”: o CPC 2015 optou por evitar todas as expressões relacionadas com o “livre convencimento/poder discricionário”3 e, com a retirada de tais expressões, passou a adotar uma postura diferente da codificada anteriormente.
Um dos ramos da Crítica Hermenêutica do Direito (CHD), desenvolvida pelo professor Lenio Streck, é a construção de uma Teoria da Decisão Judicial. Com a imbricação da teoria de Ronald Dworkin e a CHD, surge a tese do direito fundamental a respostas constitucionalmente adequadas (respostas corretas), que, por sua vez, está atrelada ao dever de fundamentação das decisões judicias, o qual é considerado um dos pressupostos do Estado Democrático de Direito. Portanto, é possível extrair de Dworkin a ideia de responsabilidade política e igualdade4. A ideia de responsabilidade pressupõe que as decisões devem espelhar segurança jurídica, não no sentido novecentista, vinculado à certeza exegética, mas, sim, no sentido de construção de sentidos em uma dimensão pública (intersubjetiva). No encontro dessa ideia está a de igualdade. Democracia pressupõe igualdade5. E igualdade, em prestação judicial, implica tratar casos semelhantes de modo equânime. Dessa forma, observamos que os mecanismos inovadores trazidos pelo CPC 2015 sinalizam a preocupação do legislador em democratizar o processo de decisão judicial.
Logo, é possível afirmar que esses mecanismos — exigência de coerência e integridade nas tomadas de decisões, estabelecimento de elementos essenciais para sentenças, vedação a “decisões surpresas” e a expunção do “livre convencimento” — revolucionaram o processo civil brasileiro.
A partir destes novos paradigmas adotados pelo Código de Processo Civil de 2015, surge a redação do artigo 489 do CPC/15 e seu parágrafo 1º para tentar barrar a postura protagonista do juiz no novo processo civil pátrio.
É possível vislumbrar que, por meio da Crítica Hermenêutica do Direito (CHD), o artigo 489 do Código de Processo Civil de 2015 é um meio pelo qual se pode chegar a respostas corretas, ou seja, respostas constitucionalmente adequadas para cada demanda em específico. Portanto, é através desse dispositivo que se pretende combater a discricionariedade e o arbítrio judicial no CPC/2015. Garantindo, assim, o cumprimento do texto Constitucional de 1988 (artigo 93, IX) e a segurança jurídica, que é compreendida como o direito fundamental do cidadão receber, por parte do Poder Judiciário, uma resposta de acordo com a Constituição para a sua demanda.
Entretanto, na práxis se observa que os julgadores não estão “olhando o novo com olhares do novo”, pelo contrário, continuam a olhar o novo com olhares do velho6.
1 STRECK, Lenio Luiz. O novo Código de Processo Civil (CPC) e as inovações hermenêuticas: o fim do livre convencimento e a adoção do integracionismo dworkiniano. Revista de Informação Legislativa, Brasília, v. 206, p.33-51, abr. 2015. Disponível em: <http://www2.senado.leg.br/bdsf/bitstream/handle/id/512448/001041585.pdf?sequence=1>. Acesso em: 30 ago. 2017.
2 MOTTA, Francisco José Borges. Levando o Direito a sério: uma crítica hermenêutica ao protagonismo judicial. 2. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012. p. 107-108.
3 É importante frisar que a postura adotada pelo CPC 2015 é exatamente igual à resposta correta da Crítica Hermenêutica do Direito (CHD). Tendo em vista que a resposta correta visa combater diretamente o livre convencimento e a discricionariedade. Lenio Streck afirma: “A busca de respostas corretas é um remédio contra o cerne que o engendrou: o positivismo e sua característica mais forte, a discricionariedade. A resposta adequada à Constituição, uma resposta que deve ser confirmada na própria Constituição, não pode — sob pena de ferimento do princípio democrático — depender da consciência do juiz, do livre convencimento, da busca da 'verdade real'. Combater a discricionariedade, o ativismo, o positivismo fático, etc. — que, como se sabe, são algumas das várias faces do subjetivismo — quer dizer compromisso com a Constituição e com a legislação democraticamente construída, no interior da qual há uma discussão, no plano da esfera pública, das questões ético-morais da sociedade”. In: STRECK, Lenio Luiz. Dicionário de Hermenêutica: quarenta temas fundamentais da Teoria do Direito à luz da Crítica Hermenêutica do Direito. Belo Horizonte: Letramento, 2017. p. 258.
4 DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a sério. São Paulo: Martins Fontes, 2002. p. 137 e ss.
5 TASSINARI, Clarissa. Jurisdição e Ativismo Judicial: limites da atuação do Judiciário. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013.
6 Guilherme Augusto De Vargas Soares, em seu trabalho de conclusão de curso, realizou uma pesquisa jurisprudencial em que foi possível analisar 1.323 decisões sobre a aplicabilidade do artigo 489 do CPC em todos os tribunais de Justiça do país, nos tribunais regionais federais e também no Superior Tribunal de Justiça. A pesquisa revelou um flagrante desrespeito ao mencionado dispositivo, inclusive com magistrados negando-se a aplicá-lo apenas por não concordarem com ele, sem nem ao menos fazer jurisdição constitucional do dispositivo.
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