Direito do Agronegócio

ICMS, PEC 37/2007 e o futuro das exportações no agronegócio

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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9 de fevereiro de 2018, 13h43

Spacca
Atualmente, em razão da Emenda Constitucional 42/2003, houve a alteração no artigo 155, X, “a”, da Constituição Federal de 1988, constituindo a imunidade tributária para o ICMS nas exportações sobre mercadorias destinadas ao exterior, nos seguintes termos: “X – não incidirá: a) sobre operações que destinem mercadorias para o exterior, nem sobre serviços prestados a destinatários no exterior, assegurada a manutenção e o aproveitamento do montante do imposto cobrado nas operações e prestações anteriores”.

Anteriormente à referida emenda à Constituição, o texto somente permitia a imunidade para o ICMS para os produtos industrializados.

Portanto, após Emenda Constitucional 42/2003, a imunidade tributária impediu a incidência de ICMS nas exportações de produtos agropecuários (ou seja, não industrializados), fomentando esta importante atividade econômica que é o agronegócio.

Ocorre, porém, que, nos últimos tempos, tem-se noticiado a busca, especialmente, por pressão dos estados, da aprovação da PEC 37/2007, a qual altera o artigo 155, X, “a”, para retomar a tributação pelo ICMS das exportações de produtos agropecuários, em total prejuízo ao setor.

Embora não seja nossa pretensão a avaliação de aspectos econômicos, é certo e evidente que o retorno da tributação do ICMS para tais operações prejudicará fortemente o agronegócio brasileiro, seja do ponto de vista interno, mas, principalmente, no mercado internacional. Infelizmente, a conta pela incompetência e corrupção no poder público, gerando necessidade de mais caixa, ao que nos parece pretende ser repassada ao agronegócio para quitação, o que há de ser repudiado. A carga fiscal brasileira já ultrapassou o limite do razoável!

Independentemente desse fato, nossa pretensão é demonstrar que não cabe a aprovação da PEC 37 em virtude de sua nítida inconstitucionalidade.

Como é de conhecimento, uma emenda à Constituição, para ser constitucional, há de respeitar os requisitos formais, temporais e materiais estabelecidos pelo Poder Constituinte, em geral, denominado de originário.

Por essa razão, temos uma limitação jurídica ao poder de reforma da Constituição, sobretudo, no artigo 60, parágrafo 4º, o qual enuncia que determinados conteúdos ou temas não poderão ser objeto de emenda que restrinja ou possa gerar sua abolição. Nesse sentido dispõe referido texto constitucional:

“§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir:

I – a forma federativa de Estado;

II – o voto direto, secreto, universal e periódico;

III – a separação dos Poderes;

IV – os direitos e garantias individuais”.

São limites jurídicos ao poder de reforma da Constituição, que, em geral, denominamos de cláusulas pétreas1. Portanto, nenhuma emenda poderá abolir ou mesmo restringir indevidamente tais conteúdos, sob pena de ser inconstitucional, ou seja, uma emenda constitucional inconstitucional2.

A Emenda Constitucional 37/2007, se aprovada com o conteúdo proposto, seria inconstitucional?

Sim.

A primeira razão para a inconstitucionalidade material a ser posta decorre do fato de que pretende o poder reformador extinguir uma imunidade tributária na exportação.

O artigo 60, parágrafo 4º, IV, da Constituição Federal expressamente impede emenda tendente a abolir direitos e garantias individuais.

Seria uma imunidade tributária um direito e garantia individual?

Entendemos que sim!

Isto porque: (i) os direitos e garantias individuais protegidos pelo artigo 60 não são somente aqueles estampados no artigo 5º; (ii) a imunidade tributária é uma limitação ao poder de tributar do Estado, como forma de proteção e garantia de direitos fundamentais das pessoas físicas e jurídicas (contribuintes)3, como, por exemplo, a propriedade e a liberdade; (iii) se a imunidade tributária pode ser considerada uma garantia do contribuinte fundamental, aplica-se a proteção do artigo 60, parágrafo 4º, IV.

Todavia, poder-se-ia sustentar que referida imunidade tributária do ICMS, impedindo a tributação na exportação de produtos agropecuários, foi criada por meio de emenda constitucional e, assim, outra emenda poderia alterá-la, mesmo que para restrição ou abolição.

Entendemos que esse pensamento não pode ser aplicado dessa forma. De fato, uma emenda à Constituição pode ser alterada por outra. Todavia, se a emenda à Constituição alterar o texto constitucional para criar ou fortalecer um direito fundamental, não resta dúvida de que essa alteração tornar-se-á uma cláusula pétrea.

No caso da PEC 37/2007, essa busca extingue uma imunidade tributária na exportação, ou seja, pretende abolir um direito fundamental do contribuinte (garantia) que, ao ser inserido no texto, diante de sua natureza como tal, tornou-se cláusula pétrea, especialmente, por indiretamente resguardar outros direitos fundamentais estampados no artigo 5º, como a propriedade e liberdade.

De outro lado, além dessa nítida inconstitucionalidade, mesmo que aprovada a emenda neste ano de 2018, também merece atenção o fato de que essa alteração não poderá produzir efeitos desde logo.

Em verdade, caso seja aprovada em 2018, essa mutação constitucional somente produzirá efeitos no ano de 2019, uma vez que deve respeitar uma regra constitucional tributária, também caracterizada com um direito-garantia fundamental do contribuinte, que é a anterioridade prevista no artigo 150, III, “b”, ao enunciar que se veda à União, estados, DF e municípios cobrar tributos “b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou”. Portanto, ao contrário do que pretende a emenda, não basta respeitar a anterioridade nonagesimal, sob pena de nítida inconstitucionalidade4.

Em tais condições acreditamos que, além da total impertinência e equivoco no retorno da tributação de ICMS nas exportações para produtos agropecuários, em pleno prejuízo ao segmento do agronegócio, não resta dúvida de que a PEC 37/2007 é inconstitucional, razão pela qual lembramos de ponderação do professor Marcelo Figueiredo no sentido de que: “De nada adianta proclamarmos, em verso e prosa, a importância do princípio da supremacia e rigidez constitucional se os órgãos controladores do sistema não vêm na cláusula constitucional (art. 60, § 4º, da CF) todas as suas potencialidades”5.


1 CALCINI, Fábio Pallaretti. Limitações ao Poder de Reforma da Constituição: o embate entre as gerações. Campinas: Mllenium, 2009.
2 STF, ADI 939.
3 STF, ADI 939.
4 “IMPOSTO SOBRE CIRCULAÇÃO DE MERCADORIAS E SERVIÇOS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA – MERCADORIAS EM ESTOQUE – INOVAÇÃO ONEROSA – PRINCÍPIOS DA ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE – OBSERVÂNCIA – PRECEDENTES. Promovido aumento indireto do Imposto Sobre Circulação de Mercadorias e Serviços – ICMS por meio da inovação quanto a mercadorias no regime de substituição tributária, alcançadas aquelas em estoque, surge o dever de observância aos princípios da irretroatividade e da anterioridade, geral e nonagesimal, constantes das alíneas “a”, “b” e “c” do inciso III do artigo 150 da Carta. Precedente – Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2.325/DF, de minha relatoria, julgada em 23 de setembro de 2004” (STF, RE 457.792 AgR, relator(a): min. Marco Aurélio, 1ª Turma, julgado em 10/11/2015, Acórdão eletrônico DJe-248 Divulg 9/12/2015 Public 10/12/2015).
5 As Agências Reguladoras. São Paulo: Malheiros, 2005. P. 47.

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  • é advogado tributarista, sócio do Brasil Salomão e Matthes Advocacia. É doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) e ex–membro do Carf.

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