Preconceito aceitável

Nada proíbe que empregadores discriminem obesos nos Estados Unidos

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5 de dezembro de 2018, 17h08

Na terra natal do McDonald’s, Burger King e de toda espécie de junk food (alimentos não saudáveis, para amenizar o termo), mais de um terço da população lida com excesso de peso ou obesidade. O país lidera o ranking mundial em taxas de obesidade, ano após ano. É um reconhecido problema de saúde pública, com um custo anual de US$ 147 bilhões.

Mesmo assim, não há compaixão legislativa por pessoas obesas. Os empregadores podem discriminar contra elas à vontade. Não é ilegal. O estigma do peso ainda é uma forma de preconceito socialmente aceitável. E, portanto, não há oposição jurídica.

Por que não é ilegal? A resposta é óbvia. Está na linha do famoso conceito de que não há crime sem lei anterior que o defina.

A legislação federal dos EUA (e, provavelmente, da maioria dos países) proíbe o preconceito com base em raça, sexo, religião, idade e deficiência física. E, atualmente, há uma disputa na Justiça sobre transgêneros, porque o presidente Donald Trump quer excluí-los das Forças Armadas. Mas não protege pessoas com excesso de peso.

Nos estados é a mesma coisa. Eles têm legislações próprias, que proíbem discriminação, à semelhança da legislação federal, mas não protegem seus habitantes obesos ou com excesso de peso. Com uma exceção, entre os 50 estados do país: Michigan tem uma lei, aprovada na década de 1970, que proíbe empregadores de discriminar empregados ou candidatos a emprego com base no peso. Algumas poucas cidades dos EUA têm leis semelhantes.

Cidadãos obesos já buscaram ajuda na Justiça Federal e na dos estados, em vão. Alegaram que mereciam proteção com base na proibição de discriminar contra pessoas com deficiência física. Tentaram se sustentar na “Americans With Disabilities Act” (Lei dos Americanos com Deficiência). Mas não colou.

Em 2009, a lei foi ampliada para incluir “obesidade grave” nos casos de deficiência física. Mas foi tudo o que se conseguiu. A advogada Gillian Thomas, que preside o Projeto dos Direitos das Mulheres da American Civil Liberties Union (UCLU), disse ao jornal HuffPost que todas as tentativas de convencer parlamentares a aprovar legislação que protege pessoas obesas são sempre uma “luta morro acima”, porque a aparência no trabalho ainda é um fator decisivo.

A Comissão de Oportunidades Iguais no Emprego (Equal Employment Opportunity Commission) disse a uma mulher retratada na reportagem do HuffPost que o caso dela era subjetivo demais para sustentar uma ação contra seu empregador. Sara Bramblette era a mais capacitada e a favorita entre os colegas para uma promoção, mas foi descartada por causa de um problema de “aparência” – por mais que ela fez para ter uma aparência profissional.

Por causa dessa questão da “aparência”, as mulheres são mais discriminadas por empregadores. Discrimina-se homens e mulheres no trabalho, mas a discriminação contra mulheres é mais “perniciosa” porque se exige mais da aparência delas. E para piorar as coisas, elas se situam na interseção da discriminação contra pessoas com excesso de peso com a discriminação contra mulheres, em geral.

Mas mulher por mulher, as afetadas pela obesidade ou excesso de peso levam desvantagem no trabalho, em vários aspectos. No que se refere a salários, elas normalmente ganham 6% menos do que as mulheres sem esse problema, segundo estudos. E homens com excesso de peso, normalmente ganham 3% menos que os homens sem o problema, segundo os mesmos estudos.

Em um estudo em particular, em que 2,4 mil mulheres obesas ou com excesso de peso foram entrevistadas, 43% disseram que sabem que são discriminadas e que são estigmatizadas por seus empregadores e 54% que são discriminadas por colegas de trabalho.

Em outro estudo, 90% das mulheres entrevistas disseram que, além de serem discriminadas no trabalho, são excluídas de eventos sociais. Entre os homens, 8% disseram que já tiveram a mesma experiência.

"A discriminação contra pessoas com excesso de peso muitas vezes não é explícita. Mas tornam-se flagrantemente óbvias em algum ponto", disse ao jornal o médico Scott Butsch, diretor de medicina da obesidade do instituto de cirurgia bariátrica da Clínica de Cleveland. Advogados, médicos, professores e cantores de ópera já relataram que tiveram uma substancial melhora em suas carreiras depois de se submeterem à cirurgia bariátrica e emagrecerem.

No caso de uma advogada, a discriminação foi aparentemente mais sútil, mas, na verdade, ficou óbvia com o tempo. Durante alguns anos, ela nunca foi convocada para participar da sessão de fotografia para o material promocional do escritório. Depois que ela passou por uma cirurgia bariátrica e emagreceu, algumas pessoas a convidaram, sorridentemente, para a sessão de fotografia. “Ela pediu demissão em um acesso de raiva”, contou o médico.

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