Olhar Econômico

Efeitos do mercado ilegal no Brasil são profundamente deletérios

Autor

  • João Grandino Rodas

    é sócio do Grandino Rodas Advogados ex-reitor da Universidade de São Paulo (USP) professor titular da Faculdade de Direito da USP mestre em Direito pela Harvard Law School e presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes).

9 de agosto de 2018, 11h36

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Vários aspectos contribuem para facilitar ou dificultar o ambiente de negócios em dado país. Usualmente são lembrados a situação do(a): abertura de empresas, crédito, proteção de investimentos, nível de impostos e regulamentação do trabalho etc. Entretanto, nem sempre se tem em mente a existência da amplitude do mercado ilegal, cujos efeitos são profundamente deletérios. Não se pode esquecer que ele afeta a economia (setor produtivo, comércio e consumidores), bem como o Estado, reduzindo a arrecadação e alimentando a criminalidade.

O mercado ilegal no Brasil é expressivo, compreendendo variado número de produtos: cigarros, combustíveis, vestuário, farmacêuticos, bebidas e fertilizantes, entre outros. Setores da indústria brasileira perderam R$ 100,2 bilhões, e a sonegação de tributos alcançou R$ 46,1 bilhões[1].

Segundo a Fundação Getulio Vargas, em 2010, a economia ilegal faturou R$ 650 bilhões, valor correspondente a cerca de 18,6% do PIB brasileiro daquele ano. Em países desenvolvidos, esse número é bem menor[2].

O estudo de caso dos cigarros no Brasil é ilustrativo, por se constituir o maior mercado ilegal existente. Esse crescente mercado se deve não apenas aos cigarros produzidos nacionalmente sem as licenças exigidas, mas, especialmente, aos trazidos ilegalmente de outros países, mormente do Paraguai. Aproximadamente 48% do mercado de cigarro é ilegal[3]. A maior parte do volume de cigarros ilegais consumidos no Brasil provém do país referido, sendo esse mercado ilegal bem estruturado e concentrado.

Contribuíram grandemente para o crescimento do mercado ilegal em tela os seguintes fatores: (i) a disparidade tributária entre Brasil e o Paraguai; (ii) o preço mínimo; (iii) o aumento de impostos dos cigarros no Brasil; e (iv) a porosidade das fronteiras brasileiras.

(i) Disparidade tributária. Enquanto a tributação paraguaia do cigarro é de 16%, no Brasil beira a 71%. Isso permite a venda da mercadoria paraguaia ilegal por uma pequena fração do preço do produto produzido conforme a lei.

(ii) Preço mínimo. Constitui-se agravante o fato de no Brasil ter sido fixado valor mínimo para a venda de cigarros no varejo — R$ 5 atualmente —, por força da Lei 12.546, de 14 de dezembro de 2012[4]; enquanto que o cigarro ilegal é comercializado aproximadamente pela metade desse preço. Objetivava tal fixação recuperar e aumentar a arrecadação tributária do setor, assim como contribuir para os gastos com saúde pública; o que não aconteceu. Imaginava-se que a lei supra contribuísse para o processo de legalização do mercado ilegal, induzindo a prática de preços legais. Tal desiderato não se revelou eficaz nem duradouro.

(iii) Aumento de impostos. A alta carga tributária do setor de cigarros, uma das maiores do país, derivada especialmente do incremento do IPI, com finalidade declarada de reduzir o respectivo consumo, gera majoração substancial do preço do cigarro legal, estimulando a transição do consumidor do mercado legal para o ilegal, e fazendo com que os varejistas ilegais aufiram ganhos substancialmente maiores (70%) em relação ao vendedor do produto legal (9%). Como corolário, a venda de cigarros legais é menor, com a consequente diminuição de impostos; tanto que bilhões de reais em impostos deixaram de ser arrecadados no Brasil.

(iv) Porosidade das fronteiras. Os quase 17 mil quilômetros de fronteiras brasileiras, além de todos os seus portos e aeroportos, são fiscalizados por somente 3 mil agentes públicos, com parcos auxílios tecnológicos, o que facilita a entrada ilegal de produtos. É imperioso que as fronteiras sejam controladas mais rigidamente, com o emprego de tecnologias avançadas e pessoal para elas preparados. Há, inclusive, estudos indicativos de que o setor ilegal de cigarros vem financiando o crime organizado. Não é incomum a migração de traficantes de drogas para o contrabando e descaminho, pois as penas para o tráfico são bem mais altas do que a imposta para os crimes. No que tange ao Paraguai, existem evidências de que, em grande parte, os sacoleiros que transportam pequenas quantidades vêm sendo substituídos por comboios de cargas ilegais.

A multiplicação de produtos ilegais no Brasil tem aumentado grandemente, por força, inclusive, das vendas on-line, sendo que as medidas repressivas tomadas não têm sido suficientes. Face a isso, a situação piora crescentemente. É óbvio que campanhas educativas devem continuar sendo feitas, para tentar modificar a cultura existente, afastar a complacência relativamente a essas transgressões e diminuir a presente impunidade. Como tais medidas apresentam resultados somente a longo prazo, são imprescindíveis a continuidade e a intensificação de medidas repressivas. Com relação a essas, devem ser usados mais intensamente os aspectos econômico-tributários relacionados ao mercado. Obviamente, embora a indústria esteja perdendo e deixe de investir e empregar, a arrecadação é a que mais se ressente. Não se pode esquecer que elevada tributação é convite ao mercado ilegal, pirataria etc.

Paradoxalmente, a redução da carga tributária poderá contribuir para aumentar a receita fiscal. O incentivo ao aumento do mercado formal e a redução da sonegação causada pelo mercado ilegal terão também efeitos benéficos na economia em geral e, em específico, na geração de novos postos de trabalho.

No âmbito internacional, além de afã de celebrar-se tratados multilaterais e bilaterais, que sejam apropriados e efetivos sobre a questão, muito ajudaria ações tomadas por organismos internacionais. Por exemplo, o Banco Mundial poderia inserir o item “existência e tamanho do mercado ilegal no país” dentre os aspectos que utiliza para elaborar seu importante relatório anual Doing Business, que apresenta um ranking comparativo do ambiente de negócios em 190 países. Se assim o fizesse, certamente os países, dependentes que são da colaboração de tal banco, passariam a se preocupar mais com o mercado ilegal no interior de suas fronteiras.

Reconhecendo a importância da presente temática, o Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes), juntamente com outras entidades, brevemente apresentará considerações aprofundadas sobre o mercado ilegal no Brasil e meios de combatê-lo.


[1] Fonte: www.etco.org.br.
[2] Fonte: ETCO e IBRE/FGV. Disponível em www.etco.org.br/user_file/revista/etco_18.pdf.
[3] Fonte: www.souzacruz.com.br/group/sites/SOU_AG6LVH.nsf/vwPagesWebLive/DO9YDBCE.
[4] Pelo artigo 20 da Lei 12.546, de 14 de dezembro de 2011, o Poder Executivo teve reconhecida sua competência para fixar preço mínimo de venda, válido em todo o território nacional; proibindo sua comercialização por preço menor. “Art. 20. O Poder Executivo poderá fixar preço mínimo de venda no varejo de cigarros classificados no código 2402.20.00 da Tipi, válido em todo o território nacional, abaixo do qual fica proibida a sua comercialização.”

Autores

  • é professor titular da Faculdade de Direito da USP, presidente do Centro de Estudos de Direito Econômico e Social (Cedes) e sócio do escritório Grandino Rodas Advogados.

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