Dispensa irregular de licitação só é crime se houver dolo, reafirma STJ
7 de outubro de 2017, 9h05
O crime de dispensa irregular de licitação não pode ser imputado se não foi comprovado o dano ao erário ou o dolo do réu na conduta. Esse entendimento é reforçado se a culpa não foi devidamente mostrada na denúncia ou citada na decisão como argumento para condenação.
Assim entendeu a 5ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao restabelecer sentença que absolveu cinco réus da acusação de dispensa indevida de licitação, crime previsto no artigo 89 da Lei 8.666/1993. Os acusados foram denunciados pelo Ministério Público Federal porque, em vez de abrirem o certame, firmaram Termo de Permissão de Uso (TPU) para usarem área pública no porto de Santos.
Os réus foram absolvidos em primeira instância por falta de prova que comprovasse o dolo da conduta e prejuízo ao erário. O MPF recorreu dessa decisão ao Tribunal Regional Federal da 3ª Região. Lá, a 2ª Turma proveu o parcialmente o questionamento, condenando quatro dos cinco acusados. Todas as partes recorreram: os réus buscando absolvição e o MPF para condenar o único réu absolvido.
Um dos réus argumentou não foi comprovado dolo específico com intenção de causar dano ao erário. Disse que a decisão do TRF-3, ao não especificar o dolo específico,contrariou jurisprudência do STJ e que não houve qualquer prejuízo aos cofres públicos, pois não houve perda patrimonial. Ao contrário, continuou, a área usada estava abandonada e passou a ter utilidade e gerar receita ao estado de São Paulo.
Afirmou também que, ao absolver apenas um dos réus, o acórdão tratou diferentemente os acusados apesar de julgá-los com base na mesma situação. O segundo réu argumentou que TPU questionado foi emitido pela Companhia de Desenvolvimento de São Paulo (Codesp) por conta da urgência para que a área passasse a funcionar produtivamente.
Alegou ainda que a efetivação do TPU independe de licitação, o que impede a condenação com base no artigo 89 da Lei 8.666/1993. Os outros três réus reafirmaram a falta de dolo e alegaram o acórdão da 2ª Turma do TRF-3 ignorou que o termo questionado não foi chancelado pelos conselhos de Administração e de Autoridade Portuária, pela Superintendência Jurídica da Codesp, pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq) e pela AGU.
Já o MPF afirmou que o único réu absolvido até aquele momento deveria ser condenado com base na teoria do domínio do fato, pois era o presidente da companhia que passou a usar a área. O relator do caso, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, ao conceder o recurso dos réus, destacou que a condenação por dispensa de licitação sem dolo ou demonstração de prejuízo ao erário vai contra a jurisprudência do STJ.
“O direito penal deve atuar como ultima ratio. Destarte, mostra-se inviável a condenação criminal quando há consistentes dúvidas sobre a conduta ilegal dos acusados, ainda que se possa divisar irregularidades no procedimento, o que atrai a incidência do princípio in dubio pro reo”, afirmou.
O ministro afirmou que o a situação não caracteriza crime, mas irregularidade formal. Isso porque o TPU foi apenas uma saída para viabilizar o funcionamento do terminal, além de haver pareceres da AGU e da autoridade portuária pela manutenção do termo. Apontou também que não houve qualquer menção na denúncia ou no acórdão de intenção deliberada de causar prejuízo à Administração ou de obter favorecimento pessoal.
Os réus foram defendidos pelos advogados Márcio Thomaz Bastos (morto em 2014), Candido Rangel Dinamarco, Igor Sant'ana Tamasauskas, Pierpaolo Cruz Bottini, Sonia Cochrane Ráo, Sandra Gonçalves Pires, Daniel Raichelis Degenszajn, Rossana Brum Leques e Vicente Fernandes Cascione.
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