Mudança de entendimento

Procuradores da "lava jato" querem proibir indulto para condenados por corrupção

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13 de novembro de 2017, 15h36

Se o presidente Michel Temer (PMDB) conceder indulto de Natal a condenados por corrupção, o combate a esse crime pode se enfraquecer, pois desmotivaria investigadores e diminuiria o efeito dissuasório da pena.

André Telles
Deltan Dallagnol e os demais procuradores da República dizem que corrupção deve ser equiparada a crimes praticados com violência ou grave ameaça.
André Telles

Com esse argumento, a força-tarefa da operação “lava jato” do Ministério Público Federal no Paraná pediu que o Conselho Nacional de Política Penitenciária e Criminal (CNPPC) não estenda o indulto natalino aos crimes de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa (caso estes últimos delitos estejam relacionados ao primeiro).

É tradição que o presidente da República conceda indulto na época do Natal. No ano passado, a novidade trazida pelo então ministro da Justiça e atual ministro do Supremo Tribunal Federal, Alexandre de Moraes, foi estabelecer regras diferentes para crimes praticados sem e com violência ou grave ameaça.

Assim, o Decreto 8.940/2016 permitiu a concessão do benefício para quem tivesse sido condenado a menos de 12 anos, por crime sem grave ameaça ou violência, e já tivesse cumprido 1/4 da pena, se réu primário, ou 1/3, se reincidente.

Já quem cometeu delito com violência ou grave ameaça também pôde receber indulto desde que sua pena fosse inferior a 8 anos e ele tivesse cumprido 1/3 dela, se não reincidente, ou metade, se reincidente. Caso a punição fosse superior a 4 anos e inferior a 8, os requisitos eram aumentados para metade da pena, se primário, ou 2/3, se não.

Esses requisitos temporais eram reduzidos se o autor fosse gestante, maior de 70 anos, tivesse filho menor de 12 anos ou com deficiência, estivesse no regime semiaberto ou aberto e estudando, ou tivesse paraplegia, tetraplegia, cegueira ou outra doença grave. O decreto ainda proibiu o perdão da pena para condenados por crimes hediondos, tortura, terrorismo, tráfico de drogas (exceto se for privilegiado) e distribuição de material com pedofilia.

Para os procuradores da República que atuam na “lava jato” em Curitiba, esse rol de crimes que não podem receber indulto deve ser ampliado para incluir corrupção e delitos correlatos. Segundo eles, esse crime contra a administração pública raramente é punido no Brasil. Isso porque é difícil de ser descoberto e tem penas baixas — o mínimo é de 2 anos —, que podem ser substituídas por prestação de serviços à comunidade de doação de cestas básicas.

Além disso, apontam os integrantes do MPF, os envolvidos nesse delito “são frequentemente defendidos por excelentes advogados que exploram as brechas do sistema, alcançando a anulação dos processos ou sua prescrição”.

“Nesse contexto, a aplicação do indulto à corrupção retiraria ainda mais o potencial efeito dissuasório da pena, sem contribuir de modo relevante para a redução do problema da superpopulação carcerária. Em outras palavras, não traz benefícios, mas traz malefícios”, afirmam Deltan Dallagnol, Carlos Fernando dos Santos Lima e os demais procuradores no ofício.

O cenário piorou ainda mais em 2016, na visão dos membros da força-tarefa da “lava jato”. O motivo é que o Decreto 8.940/2016 reduziu os requisitos para a concessão de indulto a condenados por crimes sem violência ou grave ameaça, como corrupção, de 1/3 para 1/4, se réu primário, e de metade para um terço, se reincidente.

De acordo com os procuradores, se forem mantidos os mesmos critérios, condenados na “lava jato” como o pecuarista José Carlos Bumlai, o ex-assessor do PP João Cláudio Genu e o ex-presidente da Camargo Corrêa João Ricardo Auler serão perdoados em breve.

Crime contra a humanidade
Ainda que os delitos contra a administração pública, como corrupção, seja praticados sem violência ou grave ameaça, “são crimes que matam”, alertam Dallagnol, Santos Lima e os demais. “Embora não direta, há uma massiva violência indireta contra a pessoa e sua dignidade. A ONU está propondo, inclusive, tratar da corrupção como um crime contra a humanidade”.

Por mais que, muitas vezes, os réus de crimes de colarinho branco nunca tenham sido condenados por delitos, não dá para afirmar que eles não sejam reincidentes, opinam os integrantes do MPF. A razão disso é que tais delitos raramente são punidos ou têm suas penas extintas por prescrição.

Reincidência, conforme os artigos 63 e 64 do Código Penal, só ocorre quando alguém recebe uma nova sentença criminal no prazo de cinco anos após o término de sua pena.

Como muitos dos condenados por corrupção praticaram o delito já em idade avançada e os processos demoram, a pena passa a ser executada quando eles já beiram os 70 anos, destacam os procuradores. Dessa maneira, septuagenários, como o ex-juiz Nicolau dos Santos Neto e o deputado federal Paulo Maluf (PP-SP), podem ser beneficiados por indulto após terem cumprido pouco tempo de punição.

“A expedição de indulto nesse contexto pode caracterizar, até mesmo, excesso do poder de indultar, violando o princípio constitucional da vedação da proteção deficiente. A mesma razão que leva a criminalizar condutas altamente lesivas ao tecido social impõe que a pena estipulada pelo processo legislativo democrático seja respeitada, salvo justificativa legítima que tenha amparo na realidade e no direito, o que não prece existir neste caso”, argumentam os procuradores.

Citando estudo da Transparência Internacional, eles ainda ressaltam que o indulto para corrupção não melhoraria o sistema carcerário nacional e poderia desmotivar novas investigações e minar o efeito dissuasório da pena e o Estado de Direito.

“O texto da Transparência observa ainda que a clemência pode ter um impacto destrutivo sobre a independência judicial e que o excesso dos perdões pode desmotivar a atuação da Justiça contra casos de corrupção. O emprego irresponsável de perdões e clemência tem um efeito ‘devastador’ sobre a governança do país.”

Com isso, os membros do MPF pedem que o decreto de indulto natalino proíba expressamente o perdão da pena de condenados por corrupção ou lavagem de dinheiro e organização criminosa a ela relacionada. Se o conselho não aceitar essa sugestão, os procuradores requerem que tais delitos sejam equiparados aos praticados com violência ou grave ameaça, que não estejam sujeitos ao benefício etário e que seus autores devam reparar o dano causado ou devolver o produto do crime para serem agraciados com a medida.

Ação política
Porém, especialistas ouvidos pela ConJur criticaram o ofício enviado pelos procuradores da “lava jato” ao conselho. Para o criminalista e presidente do Conselho Penitenciário do Rio de Janeiro, Bruno Rodrigues, uma interpretação extensiva do artigo 5º, XLIII, da Constituição, permite concluir que só crimes hediondos ou equivalentes podem ser proibidos de receber indulto.

Dessa forma, um decreto vedando o benefício aos autores de delitos contra a administração pública seria inconstitucional, avalia Rodrigues. A seu ver, a iniciativa dos membros do MPF tem o “único propósito de perseguir a permanência no cárcere por longo tempo do inimigo público da modernidade, ‘o corrupto’”, podando um mecanismo que ajuda a reinserir os condenados na sociedade.

Ao enviar o ofício ao CNPPC cobrando providências, os procuradores extrapolaram suas funções e fizeram política, afirma o juiz da Vara de Execução Penal de Manaus, Luís Carlos Valois. Ele também repudiou que operadores do Direito procurem um órgão para aumentar a severidade da punição de pessoas que eles próprios estão acusando.

Nessa mesma linha, um criminalista avalia que o objetivo da correspondência é pressionar Michel Temer a não indultar os condenados por corrupção. Contudo, o advogado, que não quis se identificar, destaca que essa atuação política não é papel de integrantes do MPF, pois eles não têm legitimidade popular para isso.

Clique aqui para ler a íntegra do ofício.

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