Disputa pela PGR

"Momento político do país é inadequado para nova lei de abuso de autoridade"

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25 de junho de 2017, 9h30

Dois anos depois de tentar o comando da Procuradoria-Geral da República, a subprocuradora-geral da República Sandra Cureau volta à disputa com a promessa de usar critérios “objetivos e transparentes” para nomear assessores, caso seja a escolhida para a vaga. Também planeja racionalizar tarefas para reduzir a quantidade de membros do Ministério Público que ficam à disposição do gabinete do PGR — segundo ela, o número atual é “elevado”.

Sandra está entre os oito candidatos à cadeira hoje ocupada por Rodrigo Janot. A revista eletrônica Consultor Jurídico publica até a próxima segunda-feira (26/6) entrevista com todos eles, com as mesmas questões, por ordem de resposta aos e-mails enviados pela reportagem.

Associação Nacional dos Procuradores da República / ANPR
Sandra Cureau é subprocuradora-geral da República desde 1997 e foi vice-procuradora-geral eleitoral até 2012.
ANPR

A Associação Nacional dos Procuradores da República fará consulta ao MPF na terça (27/6), para enviar lista tríplice ao presidente Michel Temer (PMDB). A elaboração dessa lista acontece desde 2001 e tem sido seguida desde 2003, no governo Luiz Inácio Lula da Silva, embora o Planalto tenha livre escolha.

Sandra Cureau critica tentativas de rever a lei de abuso de autoridade: para ela, a norma atual e a existência de órgãos de fiscalização — como o Conselho Nacional do Ministério Público — são “mais do que suficientes” para conter excessos. Não é mera coincidência, afirma, que surjam projetos de lei como esse justamente quando autoridades têm sido mais investigadas. “O país não está no momento político ideal para realizar esse tipo de discussão”, declarou.

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Gaúcha de Porto Alegre, graduou-se em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade Federal do Rio Grande do Sul em 1970 e tem mais de 40 anos no MPF. É subprocuradora-geral da República desde 1997 e foi vice-procuradora-geral eleitoral entre 2009 e 2012. Coordenou 4ª Câmara de Coordenação e Revisão do MPF, focada em meio ambiente e patrimônio cultural.

Em seu site pessoal, reúne artigos com pontos de vista sobre sua carreira e a política: conta que aprendeu a fazer brinquedos e montar móveis com o pai, marceneiro; comenta seus tempos de militância estudantil e declara que “a Constituição Federal de 1988 não é o livro de cabeceira preferido da maioria dos políticos brasileiros”.

Leia a entrevista:

ConJur — Por que a senhora quer ser procuradora-geral da República?
Sandra Cureau —
Os novos avanços e desafios que se apresentam demandam, acima de tudo, responsabilidade e planejamento. Para isso, é importante que o perfil do(a) procurador(a)-geral da República seja o de alguém que tenha uma história de vida dedicada à instituição e que a conheça a fundo.

Este ano completo 41 anos de Ministério Público Federal. Nessa longa trajetória, ocupei quase todas as funções destinadas aos membros da Casa: fui procuradora regional eleitoral por duas vezes; membro do Conselho Penitenciário; procuradora-chefe da PRR 2ª Região; primeira diretora-geral da Escola Superior do Ministério Público da União; membro da 6ª Câmara de Coordenação e Revisão (populações indígenas e comunidades tradicionais) e da 4ª Câmara de Coordenação e Revisão (meio ambiente e patrimônio cultural); membro do Conselho Superior do Ministério Público Federal durante 15 anos; coordenadora da 4ª CCR por cinco mandatos; vice-procuradora-geral Eleitoral e vice-procuradora-geral da República; membro da Comissão Examinadora do concurso para o cargo de Procurador da República, a partir do 21º concurso.

Adquiri não só experiência funcional, em todas as áreas de atuação — penal, administrativa, cível, custos legis, tutela dos interesses difusos e coletivos, eleitoral —, como também grande experiência administrativa e de gestão.

São anos de total dedicação, do mais absoluto comprometimento e de know-how acumulado. Acredito fortemente que posso devolver ao Ministério Público Federal todo o aprendizado que me proporcionou. E isso eu farei sendo escolhida procuradora-geral da República.

ConJur — Quais principais problemas atuais da PGR a senhora pretende solucionar, caso escolhida?
Sandra Cureau —
Pretendo adotar medidas para diminuir o impacto da Emenda Constitucional 95, que trata do limite de gastos. Entre elas: fusão da estrutura de unidades do MPF próximas, para economia de recursos; salas de atendimento avançadas em locais onde não se justifique manter uma PRM; realização de estudos técnicos sobre a economia representada pela extinção de unidades de pouco movimento; participação dos membros em audiências de custódia por videoconferência; teletrabalho para membros, sem prejuízo das atividades presenciais: audiências, atendimento ao público, etc.

Pretendo estabelecer, também, critérios para reduzir o elevado número de membros que hoje estão à disposição do gabinete do PGR, sobrecarregando o trabalho de suas unidades de origem. Entre esses critérios, cito tempo máximo de desoneração e percentual máximo de membros por unidade. Pretendo escolher os colegas que irão me assessorar através de critérios objetivos e transparentes, que envolvam conhecimento específico, especialização e experiência.

ConJur — Qual a sua avaliação sobre o foro por prerrogativa de função?
Sandra Cureau —
No Brasil, o foro por prerrogativa de função é adotado para os detentores de determinados cargos políticos e/ou públicos, na hipótese de cometerem crimes comuns e de responsabilidade. Portanto, é critério de fixação de competência ratione personae.

Em razão do grande número de investigados e denunciados no curso da operação “lava jato”, o tema está na ordem do dia. Recentemente, o ministro Luis Roberto Barroso, na Ação Penal 937/RJ proferiu despacho manifestando seu entendimento de que o foro por prerrogativa de função “deve ser reduzido a um número mínimo de autoridades, aí incluídos os chefes de Poder e pouquíssimas mais”, acrescentando que:

“Há três ordens de razões que justificam sua eliminação ou redução drástica. Em primeiro lugar, existem razões filosóficas: trata-se de uma reminiscência aristocrática, não republicana, que dá privilégio a alguns, sem um fundamento razoável. Em segundo lugar, devido a razões estruturais: Cortes Constitucionais, como o STF, não foram concebidas para funcionarem como juízos criminais de 1º grau, nem têm estrutura para isso. O julgamento da Ação Penal 470 (conhecida como mensalão) ocupou o Tribunal por um ano e meio, em 69 sessões. Por fim, há razões de justiça: o foro por prerrogativa é causa frequente de impunidade, porque dele resulta maior demora na tramitação dos processos e permite a manipulação da jurisdição do Tribunal.”

Concordo inteiramente com o ministro Barroso. É exatamente essa maior demora na tramitação dos processos — que não raramente conduz à prescrição e à impunidade —, que faz com que muitos Investigados da “lava jato” saiam, desesperados, em busca de cargos com privilégio de foro.

Ou seja, não é porque os tribunais superiores gozam de maior independência do que os juízes de primeiro grau que essas pessoas insistem em ser processadas pelo STF, mas porque, como diz Adilson Abreu Dallari, ele se tornou “um refúgio seguro para políticos corruptos de toda ordem, pela prática de ações totalmente desvinculadas dos atos de ofício inerentes a mandatos ou cargos públicos”. Dessa forma, entendo que deve ser interpretado restritivamente, aplicando-se a poucas autoridades, como os chefes de Poder.

ConJur — A lei atual sobre abuso de autoridade e órgãos de fiscalização (como o CNMP) são suficientes para conter excessos?
Sandra Cureau —
No meu entender, são mais do que suficientes. Citando a ministra presidente do Supremo Tribunal Federal, Cármen Lúcia, quaisquer propostas que possam comprometer as investigações policiais ou do Ministério Público, ou mesmo as atividades do Judiciário, não são positivas, especialmente quando surgem no bojo de operações como a “lava jato”.

Não deixa de ser sintomático que, havendo tantas autoridades sendo investigadas, surjam projetos de lei abrindo espaço para que o policial que as investiga, o procurador que as acusa e o juiz que as julga sejam processados criminalmente. O país não está no momento político ideal para realizar esse tipo de discussão.

ConJur — Há critério objetivo para definir o que é obstrução da Justiça/embaraço à investigação?
Sandra Cureau —
Qualquer tipo de interferência indevida contra o bom andamento das investigações ou da ação penal em curso configura, em tese, obstrução da Justiça. Por exemplo, condutas visando influenciar testemunhas ou vítimas, intimidar autoridades e destruir ou tentar destruir provas.

A Lei 12.850/2013 (conhecida como Lei sobre Organização Criminosa), define como crime, em seu artigo 2º, promover, constituir, financiar ou integrar, pessoalmente ou por interposta pessoa, organização criminosa. A pena é de reclusão de 3 a 8 anos e multa. O parágrafo primeiro do mesmo artigo dispõe que incorre nas mesmas penas quem impede ou, de qualquer forma, embaraça a investigação de infração penal que envolva organização criminosa. 

Ainda que não haja um elenco de todas as condutas que podem configurar obstrução da justiça ou embaraço à investigação, o que, aliás, seria muito difícil de ser realizado, estaremos diante desse tipo penal sempre que o agente praticar alguma conduta que interfira negativamente no bom andamento das investigações ou do processo.

ConJur — Acordo de colaboração premiada já homologado pode ser submetido a revisão em Plenário? 
Sandra Cureau —
O Supremo Tribunal Federal, no julgamento do HC 127.483-PR, com relatoria do ministro Dias Toffoli, já se pronunciou no sentido de que “a homologação judicial do acordo de colaboração, por consistir em exercício de atividade de delibação, limita-se a aferir a regularidade, a voluntariedade e a legalidade do acordo, não havendo qualquer juízo de valor a respeito das declarações do colaborador”, o que levaria à conclusão da desnecessidade de manifestação do Plenário.

Entretanto, recentemente, o governador de Mato Grosso do Sul ingressou com a Petição 7.074, junto à Suprema Corte, questionando a distribuição da delação premiada dos executivos da JBS ao ministro Fachin, sem passar por sorteio. Importante atentar para o fato de que o ministro homologou monocraticamente tais delações.

Embora a jurisprudência do Supremo se tenha firmado, como dito, no sentido de que terceiros, mesmo se delatados, não podem questionar os acordos por falta de interesse processual, a enorme polêmica, gerada no campo jurídico, em relação a este caso específico de colaboração premiada, levou o ministro Fachin a determinar sua remessa ao Plenário , para que delibere se, nos casos de os acordos tramitarem em tribunais, o juízo competente é o relator ou o colegiado. Não se trataria, em princípio, de uma hipótese de revisão, mas de afirmação do juízo competente.

ConJur — O que a PGR pode fazer para reduzir o tempo em que um processo fica no gabinete do procurador-geral, aguardando manifestação?
Sandra Cureau —
Acredito firmemente que os processos não podem ficar no gabinete do procurador-geral da República, indefinidamente ou por tempo superior ao normal, aguardando manifestação. O PGR conta com uma assessoria própria, escolhida entre membros do Ministério Público, exatamente para dar celeridade aos processos que chegam ao seu gabinete. Portanto, não se trata de poder, mas de dever: o PGR deve manifestar-se prontamente nos processos de sua atribuição originária ou exclusiva, não havendo qualquer razão plausível para que não o faça.

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