Tribuna da Defensoria

LC 80/94 tem anacronismo com a realidade da Defensoria Pública

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19 de dezembro de 2017, 7h02

Quando chegamos ao final do ano, sempre pensamos nas nossas resoluções e desejos para o ano seguinte. É com base nesse espírito que encerramos o ano de 2017 com a expectativa de uma futura, mas não tão longínqua reforma na Lei Orgânica da Defensoria Pública.

A partir da evolução constitucional da instituição e as inúmeras normas incorporadas ao novo CPC, percebemos que a Lei Complementar Federal 80/94 começa a apresentar inconsistências prejudiciais ao cotidiano de atuação da Defensoria Pública.

A última alteração da LC 80/94 ocorreu no ano de 2009, com a edição da Lei Complementar 132, significando verdadeira revolução no regime jurídico da Defensoria Pública, especialmente pela incorporação de novas funções institucionais que moldaram o perfil solidarista da instituição.

No plano constitucional, a EC 69/12 representou profundo impacto na realidade da Defensoria Pública do Distrito Federal, já que, a partir da reforma constitucional, não caberia mais à União editar normas de natureza específica sobre a DPDF, mas o próprio Distrito Federal. Com isso, muitas disposições da LC 80/94 se tornaram inconstitucionais, especialmente aquelas relativas ao processo de nomeação do defensor público-geral e gestão institucional da DPDF.

A própria Defensoria Pública da União alçou seu patamar de autonomia com a EC 74/13, não obstante a presidente da República ter se empenhado em derrubar a instituição, por meio da ADI 5.296, e torná-la um anexo do Ministério da Justiça.

A Emenda Constitucional 80/14 também trouxe repercussões à LC 80/94, especialmente por conta da regra do art. 134, parágrafo 4º, quando determina a aplicação dos arts. 93 e 96, II da Constituição, no que couber, à Defensoria Pública. Em junho de 2018, a emenda completará quatro anos, mas grande parte de suas normas não está incorporada à realidade nacional da Defensoria Pública. Apenas alguns estados procuraram adaptar suas leis locais.

A mora da Defensoria Pública em exercer a atividade legislativa integradora levou, inclusive, o Superior Tribunal de Justiça a entender que a regra constitucional do art. 93, I da CRFB, não é automaticamente aplicável à Defensoria Pública da União, sendo necessária a modificação da LC 80/94 para que assim reproduza a norma constitucional. Trata-se de um julgado que deve ser observado como alerta, tornando imperiosa a adaptação da Lei Orgânica nacional[1].

Com todas as reformas constitucionais perceberemos que alguns aspectos do regime jurídico da Defensoria Pública precisam agora de um tratamento nacional, não mais sendo tratados como normas específicas de cada Defensoria Pública.

Nesta rápida abordagem pretendemos destacar as desarmonias das disposições atinentes à Defensoria Pública da União (arts. 5º a 53), à Defensoria Pública do Distrito Federal (arts. 54 a 96) e das Defensorias Públicas Estaduais (arts. 97 a 135) na Lei Complementar 80/94.

Ao iniciarmos um panorama sobre a realidade de todas as três Defensorias Públicas perceberemos que a legislação nacional carece de normas comuns sobre:

1) regras de sucessão para o caso de vacância de integrantes da administração superior no curso do biênio, diante da total omissão da lei nacional;

2) a proibição de “exercer a advocacia fora das atribuições institucionais” e sua desconexão conceitual a partir da EC 80/14, considerando que as atividades de advocacia e de Defensoria Pública não se confundem. A redação atual traz uma impressão equivocada de que no exercício das atribuições institucionais está o defensor advogando. Melhor seria apenas a referência à expressão: “vedado o exercício da advocacia”, tal como ocorre com o Ministério Público no art. 128, parágrafo 5º, II, ‘b’ da CRFB.

3) incorporação dos novos requisitos para investidura no cargo de defensor público, com a previsão dos três anos de atividade jurídica e as formas de comprovação de acordo com os arts. 93, I e 134, parágrafo 4º, todos da CRFB;

4) a supressão da exigência de inscrição nos quadros da OAB como requisito para a nomeação e posse (arts. 26 e 71), tendo em vista a capacidade postulatória do defensor público advinda de seu próprio estatuto jurídico (art. 4º , parágrafo 6º);

5) a incorporação da regra de previsão de cursos oficiais para preparação, aperfeiçoamento e promoção de defensores, na forma dos arts. 93, IV e 134, parágrafo 4º, todos da CRFB;

6) regulamentação da remoção por motivo de interesse público nos moldes dos arts. 93, VIII e 134, parágrafo 4º, todos da CRFB, remodelando-se o instituto da remoção compulsória previsto na LC 80/94

7) disciplina uniforme do dever de residência na localidade onde atua em respeito aos arts. 93, VII e 134, parágrafo 4º, todos da CRFB;

8) supressão das normas que atribuem ao chefe do Poder Executivo a prática de atos de gestão da Defensoria Pública, a exemplo da nomeação para investidura do candidato aprovado (arts. 28, 73 e 113) e aplicação de sanções disciplinares (art. 50, parágrafo 6º, art. 95, parágrafo 6º e art. 134, parágrafo 2º).

Já com foco na Defensoria Pública da União, parece-nos necessária a regulamentação dos seguintes aspectos:

1) a incorporação dos atuais arts. 97-A e 97-B (disposições sobre autonomia da DPE) ao “Título I” da LC n. 80/94 (Disposições gerais), considerando que todos os ramos da Defensoria Pública são autônomos e fazem jus ao mesmo tratamento normativo;

2) Previsão de norma similar ao art. 99, parágrafo 4º da LC n. 80/94, prevendo a investidura automática do defensor público federal mais votado em lista tríplice, caso o chefe do Poder Executivo não efetue a nomeação para o cargo de defensor público-geral federal, problema recente enfrentado pela DPU em virtude de postura inadequada e irresponsável da Presidente da República;

3) a inclusão da Ouvidoria Geral (arts. 105-A, 105-B e 105-C) como órgão auxiliar na estrutura da Defensoria Pública da União, considerando o seu papel de aproximação da sociedade civil com a Defensoria Pública e em reforço ao papel da Defensoria Pública como expressão e instrumento do regime democrático[2].

4) previsão da figura do subcorregedor-geral, nos moldes do art. 104, parágrafo 2º, de modo a auxiliar o trabalho correcional do corregedor-geral da DPU;

5) a escolha e nomeação do corregedor-geral ficando a cargo do Conselho Superior e do defensor público-geral, nos moldes do que ocorre com as Defensorias Públicas estaduais (art. 104), superando-se o modelo do art. 12.

6) a nomeação do subdefensor público-geral, ficando a cargo do defensor público-geral, nos moldes do que ocorre com as Defensorias Públicas estaduais (art. 99, parágrafo 1º), superando-se o modelo do art. 7º.

Na ótica do Distrito Federal acreditamos ser necessário que:

1) a sua disciplina deva ser incorporada ao título da LC 80/94 que trata das Defensorias Públicas estaduais (arts. 97 a 135), considerando a simetria orgânica entre as duas instituições, cabendo à União a edição das normas gerais e aos Estados e Distrito Federal a edição de normas específicas. Com isso, a DPDF seria lida nos dispositivos compreendidos entre os arts. 97 a 135, o que representaria a incorporação da Ouvidoria e a modificação do processo de escolha do corregedor-geral e do subdefensor público-geral.

2) o ato de nomeação do defensor público-geral do DF seja praticado pelo governador do DF e não pelo presidente da República, nos moldes do atual art. 54, preservando-se a competência legislativa definida pela EC 69/12.

No plano dos estados, parece-me que a LC 80/94 necessita dos seguintes ajustes:

1) definição do mesmo critério etário utilizado para a investidura do cargo de defensor público-geral do estado ao subdefensor público-geral, considerando o seu papel de substituição da chefia institucional;

2) a extensão da prerrogativa contida no art. 89, XVI à Defensoria Pública dos estados, considerando que qualquer Defensoria Pública deve: “ter acesso a qualquer banco de dados de caráter público, bem como a locais que guardem pertinência com suas atribuições”.

Além de todas essas modificações, esperamos que em 2018 haja mais harmonia e coesão entre as Defensorias Públicas e órgãos de representação de classe, de modo que todos possamos trilhar na construção de uma instituição sólida e forte o bastante para exercer adequadamente suas funções institucionais.

 


[1] É o que foi decidido no: STJ. 2ª Turma. REsp 1.676.831/AL, Rel. Min. Mauro Campbell Marques, julgado em 5/9/2017.

[2] Internamente, há a Resolução CSDPU 59/2012, estabelecendo a figura do Ouvidor-Geral no âmbito da Defensoria Pública da União.

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