Jurisprudência do equilíbrio

Para ministros, precedentes devem levar em conta consequências econômicas

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5 de dezembro de 2017, 14h50

O Poder Judiciário precisa pensar os precedentes que cria tendo em mente as consequências econômicas das decisões tomadas. Ao mesmo tempo em que a economia influencia o Direito, na produção de normas e regras, o contrário também acontece, incluído aí a qualidade das instituições.

A opinião foi compartilhada por participantes do debate sobre impactos econômicos do ativismo judicial, no Superior Tribunal de Justiça, na tarde desta segunda-feira (4/12). O painel foi o último do seminário sobre ativismo judicial e independência organizado pelo STJ. O fenômeno é usado para apontar uma postura proativa do Poder Judiciário e também de interferência nas atividades dos outros Poderes.

Para o ministro Villas Bôas Cueva, o exemplo da saúde é um dos mais flagrantes no que diz respeito a essa interferência. "A intervenção nessa área tem sido de tal modo abusiva que não se limita às chamadas escolhas trágicas. Muitas vezes ela é uma intervenção direta da conformação da própria política pública, como quando se determina a construção de uma UTI, de uma creche, a escolha de um aparelho em detrimento de outro", afirmou, enfatizando que o juiz, nesses casos, passa a fazer a escolha que caberia ao agente público.

Villas Bôas Cueva destacou a necessidade de um sistema mais eficiente de precedentes. Com súmulas, jurisprudência e o próprio ordenamento jurídico, a complexidade se torna crescente.

"Devemos partir de uma nova abordagem do que é precedente. A mentalidade deve ser mudada. O fundamental é que passemos a incorporar análise econômica do Direito a essas abordagens todas, como uma ferramenta adicional que permite de algum modo fazer uma análise mais adequada dos custos e benefícios das decisões e até mesmo das consequências das decisões."

De acordo com o professor Luciano Benetti Timm, da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, "à medida que os precedentes se formam, cria-se segurança jurídica". "E isso é um capital que um país tem", defendeu. Além disso, de acordo com ele, os precedentes também afetam as expectativas da comunidade de advogados e da própria sociedade em relação a novas ações.

O professor citou exemplos de casos analisados pelo Judiciário em que considerou positivos por uma aplicação correta do Direito no campo econômico. Entre eles, o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre a possibilidade de o fiador perder o bem de família em virtude da locação de imóvel urbano e a análise feita pelo STJ sobre a função social dos contratos no âmbito dos financiamentos habitacionais. "O mercado foi levado em conta", disse.

"Jurisprudência do equilíbrio"
Em comparação com anos anteriores, o ministro do STJ e corregedor nacional de Justiça, João Otávio de Noronha, avaliou que a magistratura brasileira tem evoluído para alcançar um grau de "jurisprudência do equilíbrio". Ele apontou casos que ilustram o entendimento, como entre os direitos sociais e o ambiente econômico, a exemplo da aplicação do Direito do Consumidor.

“Ativismo judicial não significa o magistrado proferir decisão apenas segundo a sua consciência. O ativismo dá ao juiz uma liberdade de escolha perante a ausência da norma, para que ele possa construir uma solução que resolva o conflito, mas sem violar a ordem jurídica”, disse o corregedor.

Ele enfatizou ainda o valor da previsibilidade para a relação entre os campos jurídico e econômico. "Tudo que sai do previsível gera incerteza e incerteza importa para o campo econômico, pois reflete em aumento de custo, juros. Os juros, consequentemente, se pautam pelo risco legal", afirmou.

O encerramento do seminário ficou a cargo dos coordenadores científicos do evento, o ministro do STJ Luis Felipe Salomão e o advogado Henrique Ávila, membro do Conselho Nacional de Justiça. A mesa também contou com a participação do presidente do Conselho Permanente de Diretores de Escolas Estaduais da Magistratura, desembargador Antônio Rulli Júnior, e do presidente do Conselho dos Tribunais de Justiça do Brasil, desembargador Pedro Carlos Bitencourt Marcondes.

Apesar de ressaltar que o tema não é novo, Salomão destacou que a crise pela qual passa o Brasil deu notoriedade ao debate sobre a independência judicial e o ativismo. "Especialmente neste momento temos de lidar com isso e discutir com seriedade as consequências de uma decisão judicial que mexe em um contrato, por exemplo. Nunca o Judiciário esteve tanto na emergência de interferir na vida pública."

O que ele chamou de judicialização da vida chegou, na visão do ministro, a uma fase acentuada, com os tribunais sendo chamados a opinar sobre vários temas, e o STJ sendo um órgão que regula o mercado.

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