Eleições na corte

"Processo eletrônico e capacitação racionalizam o trabalho da Justiça"

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5 de dezembro de 2017, 7h40

Jorge Rosenberg/Anuário da Justiça
Especialização das varas traz inestimáveis benefícios, diz Pereira Calças.
Jorge Rosenberg | Anuário da Justiça

O desembargador Manoel Pereira Calças, do Tribunal de Justiça de São Paulo, acredita que a reforma da lei que trata de abuso de autoridade (Lei 4.898/1965), aprovada em abril pelo Senado e que agora tramita na Câmara dos Deputados, poderá criar obstáculos para a independência da magistratura. Ele é um dos candidatos à Presidência do TJ-SP, cuja eleição acontece nesta quarta-feira (6/12).

A ConJur entrevistou os três candidatos que concorrerão ao cargo, disputando os votos dos 359 desembargadores da corte [leia abaixo]. Ao todo, 20 urnas eletrônicas serão instaladas no Palácio da Justiça, no centro de São Paulo.

Como aconteceu nas últimas três eleições, não foram os desembargadores mais antigos que se candidataram ao comando do tribunal. O atual vice-presidente, Ademir de Carvalho Benedito, encontra-se em 17º lugar na lista de antiguidade; Eros Piceli, integrante da 33ª Câmara de Direito Privado, ocupa a 27ª posição; e Manoel Pereira Calças, atual corregedor geral, está na 38ª posição.

Está é a segunda vez que Pereira Calças concorre a um cargo na direção do TJ-SP. Em 2015, foi escolhido corregedor-geral da Justiça de São Paulo em uma das mais disputadas eleições para a cadeira, com seis candidatos. Em segundo turno, obteve o voto de 182 colegas. Disputou o cargo com o desembargador Ricardo Mair Anafe, que na ocasião recebeu 146 votos.

Manoel Pereira Calças nasceu em Lins, no interior de São Paulo. Graduou-se em Direito em 1972 pela ITE Bauru. Tem ainda mestrado (2000) e doutorado (2002) em Direito Comercial pela PUC-SP. Em 2017, completou 67 anos — 41 deles como juiz.

Na eleição do dia 6 de dezembro também serão escolhidos o vice-presidente, corregedor, o diretor da Escola Paulista da Magistratura (EPM), e os presidentes das seções de Direito Privado, Público e Criminal. Clique aqui para conhecer os candidatos.

Leia a entrevista com Manoel Pereira Calças:

ConJur — Por que o senhor é candidato à Presidência do TJ-SP?
Pereira Calças —
Penso que este seja o curso natural, após uma longa carreira de 41 anos, nos quais tive a oportunidade de exercer vários cargos administrativos, em especial o de Corregedor Geral da Justiça do Estado de São Paulo, no biênio 2016-2017, o que me permitiu angariar uma visão mais profunda da estrutura do Poder Judiciário. Essa vivência compartilhada com desembargadores, juízes e servidores fez nascer sentimento ainda maior de veneração e de comprometimento com nosso Tribunal de Justiça, bem como fortaleceu a coragem para enfrentar a eleição para a Presidência da Corte, mesmo ciente dos enormes desafios trazidos pelo cargo.

ConJur — Como melhorar a prestação de serviços com 21 milhões de processos em tramitação?
Pereira Calças —
A meu ver, a melhora da prestação jurisdicional é um processo, já em curso, cuja marcha vem sendo acelerada paulatinamente, na exata medida do avanço do Projeto 100% Digital, seja pelo aprimoramento do sistema informatizado, seja pela capacitação dos funcionários e magistrados. Com isso, consegue-se extrair a maior potencialidade das funcionalidades do sistema e de nossos servidores, culminando com a racionalização do serviço.

ConJur — Durante a campanha, quais têm sido as principais preocupações/reivindicações dos desembargadores da corte?
Pereira Calças —
Há uma preocupação generalizada com a defesa das prerrogativas dos magistrados, haja vista o movimento político atual, a demandar do futuro presidente da Corte atenção redobrada sobre o assunto. Percebo, ainda, entre meus colegas desembargadores, o desejo constante de racionalizar e aprimorar as estruturas de apoio (servidores, tecnologia da informação, etc.), de forma a aumentar ainda mais a produtividade.

ConJur — A Justiça de São Paulo precisa investir na especialização de suas varas e câmaras de julgamento? Por quê?
Pereira Calças —
A especialização de varas e câmaras de julgamento é uma realidade já presente no Tribunal de Justiça de São Paulo, com resultados positivos para lá de comprovados. Estive à frente da iniciativa de especialização que culminou com a criação da Câmara Reservada de Falência e Recuperação Judicial, posteriormente com competência ampliada para abranger a matéria empresarial. E agora, no exercício do cargo de Corregedor Geral da Justiça, encampei a especialização em primeiro grau, para criação de duas Varas Empresariais, de competência simétrica à das Câmaras Empresariais, apresentando igualmente projeto de especialização na área criminal, para os crimes de lavagem de dinheiro, crime organizado, alguns crimes tributários e outros contra a ordem econômica, quando conexos aos primeiros. A especialização das unidades traz inestimáveis benefícios ao aperfeiçoamento da prestação jurisdicional, podendo ser citados, entre eles, a racionalização das práticas cartorárias, maior segurança jurídica, maior celeridade na prestação jurisdicional e maior qualidade técnica das decisões.

ConJur — Concorda com o entendimento do STF de que a pena pode ser executada logo após a decisão de segunda instância? Por quê?
Pereira Calças —
Sim, porque não vislumbro neste entendimento violação à garantia constitucional da presunção de inocência, deitada por terra pelo julgamento em segunda instância, tanto mais considerado o caráter extraordinário de atuação das cortes superiores, focada na uniformização da interpretação das normas constitucionais e infraconstitucionais, não vocacionada, propriamente, à revisão de matéria fática. Demais disso, de regra, os recursos extraordinários, exatamente em razão do quanto acima exposto, são despidos de efeito suspensivo, impondo-se, pois, prestigiar os julgamentos de segunda instância.

ConJur — Como avalia as tentativas de reformar a legislação sobre abuso de autoridade?
Pereira Calças —
Vejo com muita preocupação a iniciativa, na medida em que tende a criar obstáculos ao pleno exercício da independência funcional constitucionalmente assegurada aos magistrados. Há em relação a este assunto um perigoso desvio de perspectiva, na medida em que a garantia constitucional encerra prerrogativa funcional, e não privilégio pessoal do magistrado. A ideia que subjaz a independência funcional, deve-se ressaltar, é a de permitir o desempenho autônomo e sem sobressaltos da função jurisdicional, sem o temor de represálias pelo simples teor das decisões, através, sobretudo, da instauração abusiva de procedimentos criminais, cíveis e administrativos contra o magistrado. Em suma, a proteção destina-se mais à sociedade como um todo do que aos juízes diretamente, e, por isso mesmo, qualquer nova proposta de legislação sobre abuso de autoridade não deve ser encarada como um avanço no sentido do combate aos privilégios, pois de privilégio não se trata. Não por outra razão, enquanto exerci o cargo de Corregedor Geral, fiz questão de repelir, sistematicamente, os ataques infundados contra a liberdade decisória dos magistrados, ataques estes decorrentes, no mais das vezes, do simples inconformismo com o conteúdo de decisões que desagradaram uma das partes do processo.

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