Manifestação da vontade nas negociações coletivas passa por transformação
28 de outubro de 2016, 10h00
Para dar equilíbrio nas relações trabalhistas, os trabalhadores podem ser representados por sindicatos os quais, dada a força de coesão da classe, teriam, supostamente, a função de equilibrar negociações e, deste modo, evoluir na conquista de novas e melhores condições de trabalho para o grupo, banhando de segurança jurídica as partes e o conteúdo do quanto negociado. As manifestações críticas sobre reforma trabalhista de que se cogita confundem as duas situações: autonomia privada individual e autonomia privada coletiva.
Quando se trata de relações individuais, já na celebração do contrato, o artigo 444 da CLT restringe a liberdade e impede que sejam estipuladas condições contrárias às disposições de proteção do trabalho. De outro lado, o artigo 9º do mesmo diploma legal imputa de nulo os atos que procuram desvirtuar, fraudar ou impedir os direitos assegurados pela legislação.
No cumprimento do contrato individual de trabalho, é certo que alguns trabalhadores não teriam condições de recusar alterações contratuais por ignorância, por necessidade do emprego ou por pressão do empregador. Por este motivo, o artigo 468 da CLT aplica-se como garantia de inalterabilidade contratual, ainda que mediante consentimento do empregado, sempre que da alteração decorrer prejuízo ao empregado, observada a prescrição do ato praticado pelo empregador e que impediria o empregado de buscar reparação perante a Justiça do Trabalho (Súmula 294, do TST).
Ocorre, porém que, quando se trata de relações coletivas de trabalho, a manifestação da vontade dos trabalhadores se faz por meio da assembleia o que se costuma chamar de autonomia da vontade privada coletiva. Deste modo, é por decisão do conjunto de interessados que a vontade coletiva se realiza e o sindicato recebe autorização para prosseguir com as negociações. A presunção é de que se o sindicato negocia a mando de uma assembleia deve prevalecer aquilo que fora decidido e aprovado.
Portanto, são dois níveis de manifestação da vontade cujas regras de interpretação devem ser diferentes. Assim, quando se tratar de relações individuais de trabalho, a regra aplicável é a da relação individual e limitada à proteção legal ou contratual, quando for o caso.
De outro lado, quando a norma em questionamento for de natureza coletiva, fruto de acordo ou convenção coletiva, ao intérprete não resta outra opção que a aplicação das regras e princípios do direito coletivo, em que não se pode falar em prejuízo do trabalhador e que, portanto, não se aplicaria o disposto nos artigos 9º e 468 da CLT.
A manifestação da vontade coletiva deve ser respeitada pelo deslocamento que produz no sistema de proteção, saindo do espaço individualista para o coletivo, ou seja, a proteção social deixa de ter um caráter individual e passa ao grupo, coletivamente beneficiado pelas vantagens negociadas.
É esta dinâmica que é capaz de trazer novas conquistas para as relações trabalhistas e o caráter maduro e representativo dos sindicatos não deveria colocar em dúvida o conteúdo das negociações. O que se vê, porém, é uma discussão interminável porque cada lado aborda o tema de modo diferente.
Assim, há aqueles que estão imbuídos da proteção do trabalhador, adotam a hipossuficiência do empregado para justificar a aplicação da lei em detrimento do que foi negociado, aplicando as regras de proteção da relação individual e seus princípios. Há, de outro lado, aqueles que reconhecem nas negociações coletivas e respectivas normas, validade e eficácia jurídica porque fruto de manifestação da vontade coletiva aplicando-se regras de interpretação diversas.
Esta foi a direção do entendimento do ministro Luís Roberto Barroso no STF ao adotar no julgamento do Recurso Extraordinário 590.415 decisão em que, contrariando orientação do TST (OJ 270) considerou válida a cláusula de quitação ampla e irrestrita de todas as parcelas decorrentes do contrato de emprego, desde que conste de Acordo Coletivo de Trabalho.
A decisão traz a prevalência do negociado e decidido por meio de assembleia dos interessados e que estes, depois de se manifestarem no âmbito coletivo da empresa, não poderiam individualmente, ajuizar ação para postular a reparação de eventuais prejuízos de natureza individual. A mesma tese foi adotada pelo ministro Teori Zavascki no Recurso Extraordinário 895.759 que considerou a manifestação válida da entidade sindical nas negociações coletivas objeto que questionamento.
Também não parece reprovável a decisão do ministro Gilmar Mendes de suspender os efeitos da Súmula 277 do TST, quanto à ultratividade de normas coletivas de trabalho, porque assim fazendo estimula o processo de negociação coletiva e de aquisição de responsabilidade dos sindicatos tanto dos trabalhadores como dos empregadores.
Portanto, a autonomia individual da vontade não está desprezada, permanecendo intactas as garantias asseguradas aos trabalhadores nas relações de trabalho. O que passa por transformação é a forma pela qual estão sendo encaminhadas as decisões quanto à intepretação da manifestação da vontade nas negociações coletivas e seus efeitos obrigacionais nas relações de trabalho com razoável limitação de que o trabalhador venha a postular o prejuízo individual decorrente de norma coletiva.
Encontrou um erro? Avise nossa equipe!